Lei associa Estado à vida privada

Desde que foi encaminhada ao Congresso, a “Lei da Palmada” vem gerando controvérsia. Numa discussão maniqueísta, na qual o castigo físico é considerado necessário por uns e inaceitável por outros, o depoimento do psicólogo Lino de Macedo, professor do Instituto de Psicologia da USP, diverge do senso comum: para ele, os adultos não devem bater para educar, mas a nova lei é uma tentativa infrutífera do Estado de legislar no interior das casas brasileiras.

A punição física é um modo de uma pessoa convencer a outra. Neste caso, de os pais convencerem os filhos de que, se fizerem algo errado, serão castigados. Assim, as crianças evitam comportamentos indesejáveis por temerem as palmadas dos pais. Para Lino, este método é falho justamente por ser baseado no medo. “Há modos de lidar com a criança que não evoquem o bater. O argumento da força é desnecessário, não está provado que a criança precisa apanhar para aprender. Ela acaba cumprindo as ordens na submissão”, afirma.

A lei encaminhada ao Congresso tem o intuito de reprimir essas agressões. Porém, se aprovada, teria um efeito contraditório, diz Lino. “O problema da lei é que repete o argumento das palmadas. O Estado quer punir os pais que punem as crianças. Tem sempre alguém ‘apanhando’ se não cumprir as ordens. Ou seja, você bate no seu filho, o Estado bate em você. Existe uma forma superior de resolver as coisas”. Para ele, o detalhamento do Estatuto da Criança traria mais complicações do que soluções, pois tenta particularizar os casos que deveriam estar legalmente cobertos pela regulamentação vigente.

Outra questão que deve ser discutida pela sociedade é qual será a aplicação concreta da lei, caso aprovada pelo Congresso. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a punição de agressão sobre crianças, que seria aprofundada com a “Lei da Palmada”. No entanto, até que ponto esta será realmente cumprida? O professor Lino de Macedo acredita que é muito difícil interferir no ambiente familiar para a aplicação da lei: “o Estado não substitui a família, eles se complementam. É mais uma lei que as pessoas irão driblar. Uma lei como essa deve ser legislável, senão perde o sentido completamente.”