Convivência exige tolerância

As polêmicas trazidas pelo manifesto “São Paulo para os Paulistas” não são inéditas e continuam a levantar questionamentos sobre intolerância e discriminação. O movimento põe em evidência a maneira como o migrante é tratado fora de seu estado.

Segundo o professor Clodoaldo Cardoso, coordenador do Núcleo pela Tolerância da UNESP e pesquisador associado ao LEI – Laboratório de Estudos sobre a Intolerância – da FFLCH, movimentos como esse costumam aparecer e desaparecer frequentemente. Normalmente, baseiam-se num tipo de atitude sem justificativas plausíveis e usam constantemente a força. O professor afirma que ainda há um equívoco conceitual. “Os participantes provavelmente não conhecem o próprio conceito de cultura”, diz ele, referindo-se a noção antropológica e sociológica do termo.

No manifesto, existem passagens que se referem à intolerância e ao preconceito. Sobre discriminação, o manifesto afirma “S. Paulo recebe a incursão de pessoas de outros estados, que usufruem de seus hospitais e escolas. Quem mantém estes serviços é o povo paulista, não é o povo brasileiro. (…) Portanto, S. Paulo tem o total direito de priorizar paulistas”. Usando referências filosóficas, o professor diz que os participantes utilizam um sofisma, raciocínio falso e propositalmente maquiado para que pareça verdadeiro, invertendo os discursos.

Para Mariana Conti, coordenadora cultural do Centro de Tradições Nordestinas (CTN), o manifesto vai além da Constituição e da ética. “O Manifesto fere a própria liberdade de ir e vir”.

Sobre as leis criadas pelo governo estadual, como o Dia do Nordestino e a Semana da Tradição Nordestina, Mariana acredita que elas não são tão necessárias. Ela crê mais em pequenas iniciativas, informais, através do entretenimento, da festa, da dança e de elementos que constituem a identidade cultural. Para ela, isso é um laço mais forte que não vai ser atado com leis.

Já sobre o preconceito, Mariana diz que ele existe e que pode vir do próprio nordestino por querer se identificar com o lugar e com as pessoas que convive. Essa tentativa de identificação é uma atitude normal, mas pode englobar o descaso com as próprias raízes. A coordenadora relata que essa preservação e o conhecimento da história são importantes e que muitos nordestinos não têm consciência disso. “Se não fazemos isso, nossa essência se perde”, diz.

Para ela, o nordestino em São Paulo, com o tempo, adquire costumes que não são seus originais, transformando-se num meio-termo: nem completamente nordestino, nem paulista. “Costumo dizer que o nordestino é um híbrido”.