A educação superior deve ser oferecida mediante pagamento de mensalidade?

A cobrança de mensalidade nas universidade públicas é defendida por aliados políticos (do PMDB) da recém-eleita presidenta Dilma Roussef. O tópico polemiza sobre o fato das universidades públicas terem maioria de estudantes provenientes de classes altas, a mercantilização da educação e a alocação de recursos públicos.
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Ao fazer a cobrança, você poderia alocar mais recursos para a educação básica – entrevista com Marcio Issao Nakane, professor da FEA-USP
Educação é um direito do cidadão, então ela deve ser garantida pelo Estado – entrevista com Américo Sansigolo Kerr, Professor do IF-USP e ex-presidente da Adusp


Ao fazer a cobrança, você poderia alocar mais recursos para a educação básica

Marcio Issao Nakane é professor da FEA-USP

Jornal do Campus: Aliados da recém-eleita presidente Dilma Roussef defendem a cobrança de mensalidade em universidades públicas. O senhor concorda com essa atitude?
Marcio Issao Nakane: Concordo, principalmente no contexto brasileiro das universidades públicas. Boa parte dos alunos que a frequentam no Brasil são as pessoas de melhor renda. O ponto importante não é dizer que é a elite que frequenta a universidade pública, mas dizer que aqueles que o fazem têm uma renda melhor do que aquelas que não frequentam e que financiam a universidade pública, que é o grosso da população.

JC: Mas essa não seria uma forma de tentar fazer inclusão social a partir de cima? O ideal não seria dar condições no ensino básico para que os alunos pudessem concorrer igualitariamente na época do vestibular?
MIN: Sim. Mas, dado que estamos longe desse ideal, o que temos que fazer é tentar corrigir um pedaço dessa distorção. Ao cobrar mensalidades, poderíamos aliviar parte do orçamento das universidades e alocar tudo isso para o ensino básico. Se isso de fato fosse uma garantia, poderíamos diminuir essa distorção.

JC: Então a ideia de cobrar mensalidade seria direcionar esse dinheiro a mais para o ensino básico?
MIN: Imagino que essa seria uma boa estratégia. Porque é preciso eleger prioridades para os recursos públicos e me parece mais importante o financiamento de educação básica do que o da educação superior. Ao fazer a cobrança, você poderia alocar menos recursos para a educação superior e eleger outras prioridades na educação básica.

JC: Do ponto de vista do aluno que paga, o senhor acha justo?
MIN: Acho justíssimo que aquelas pessoas que mais vão usufruir o ensino de qualidade sejam as pessoas que paguem por ele. Porque afinal de contas, quem mais está se beneficiando de um bom ensino na universidade são exatamente os alunos que recebem essa educação. Isso não quer dizer que você deva pagar por todos os serviços públicos que você utiliza, como educação básica, saúde e segurança. Mas precisamos entender melhor o que é universalização dos serviços públicos. Eu não incluiria educação superior na lista de serviços públicos que as pessoas não deveriam pagar.

JC: Como o senhor acredita que deveria ser feita essa cobrança?
MIN: Como as universidades privadas fazem, ou seja, cobrar de acordo com o custo do curso e com o potencial de ganho dos formandos. Por exemplo, cursos de Direito, de Administração e de Contabilidade não são cursos que têm custo elevado, mas seus formandos têm um grande potencial de renda quando vão trabalhar. Então a mensalidade seria maior.

JC: E quanto aos alunos de menor renda que conseguem estudar aqui?
MIN: Deveria haver um sistema de bolsas de um lado, com crédito educativo de outro (relacionado com a ideia do pagamento após a pessoa se formar).

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Educação é um direito do cidadão, então ela deve ser garantida pelo Estado

Américo Sansigolo Kerr é professor do IF-USP e ex-presidente da Adusp

Jornal do Campus: Alguns aliados da recém-eleita presidenta Dilma defendem a cobrança de mensalidade em universidades públicas. Você considera essa uma atitude correta?
Américo Sansigolo Kerr: Educação é um direito do cidadão, então ela deve ser garantida pelo Estado, como saúde e transporte. Na questão da educação nós temos uma conquista, com a cobrança, nós estaríamos perdendo essa conquista. Por trás dessa discussão tem aquele papo de que a população que chega às universidades é sempre a população de renda mais alta, então poderia pagar. Quem tem renda mais alta tem que pagar imposto, e direito. Esse é um grande problema no país, a cobrança de imposto é desigual. Não se resolve isso querendo transformar a educação em mercadoria, que é o que está por trás do conceito de cobrança de educação. Nós queremos que o cidadão tenha uma educação pública, gratuita e de qualidade, sustentada pela sociedade, e que ao mesmo tempo ele tenha responsabilidade social no seu uso.

JC: Um dos principais discursos em defesa da cobrança é que a maioria de alunos das universidades públicas são das classe A e AA. Você percebe isso na USP?
ASK: Você tem muitos estudantes que não vêm das classes ricas, e que jamais teriam a chance de estudar se fossem até uma escola privada. O estudante de classe pobre, se não for em universidade pública, não tem como estudar, a não ser com ProUni, que você dá isenção para mercadores da educação, que oferecem educação de baixa qualidade. Mas educação não é só ter a gratuidade aqui dentro, ele também precisa receber um apoio pra se manter durante a graduação. O governo deveria pegar o imposto dessas instituições particulares e ampliar a universidade pública. Toda a sociedade, mesmo aquele que não está estudando, vai pagar a educação de todos, porque isso melhora a qualidade de vida de toda a sociedade.

JC: Qual sua opinião sobre os cursos pagos oferecidos dentro da USP, como por exemplo, o que ocorre na FEA, com a FIA?
ASK: Isso é um escândalo. A Adusp já levantou em diversas revistas esse esquema de vendas de cursos. Isso afronta inclusive a constituição. O acesso acaba sendo pela capacidade de pagar, e não pela capacidade do cidadão. E eles tentam disfarçar isso fazendo via fundações, dizendo que quem recebe é a fundação, não a Universidade, mas é a Universidade que dá o diploma. Isso é uma coisa escandalosa, que alimenta uma máquina de fazer dinheiro. Estima-se que isso movimente um terço do orçamento da Universidade, da ordem de 1 bilhão de reais por ano. Esperamos que a USP pare de acobertar e fomentar um esquema de arrecadação de dinheiro privado, já que a maior parte desse dinheiro vai para as mãos de quem organiza o curso.

JC: A Universidade deveria fazer parcerias com empresas privadas?
ASK: A única parceria com o setor privado que quero é que eles paguem os impostos corretamente, sem sonegação. Assim você dobraria a arrecadação. Mais dinheiro não só pra educação, mas para todos os serviços públicos.

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