Pesquisadora contesta Enem como vestibular

Os estudantes que visam a uma vaga numa universidade passaram por mais um drama com a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Os problemas ocorridos neste ano reacenderam uma discussão que foi além de questões pontuais, concentrando-se na sua transformação em vestibular e no acesso às universidades brasileiras.

Alguns especialistas contestam as múltiplas funções que o Enem assumiu: avaliação do ensino médio e um modo de seleção para as universidades. A professora Eunice Durham, antropóloga e membro do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP na linha sobre políticas educacionais, comenta: “Nesse momento, eu nem sei se vale a pena preservar o Enem”.

Segundo ela, a prova era mais ligada à avaliação quando foi criada: “Os problemas iniciaram quando ele começou a ser um exame de seleção, em que o futuro do aluno se decide naquele momento”. Eunice diz que o exame de avaliação não é centrado no estudante. Ele funciona como um indicador da qualidade do ensino. Para ela, um exame como esse é importante para melhorar a situação atual da educação, mas poderia existir como primeira fase eliminatória, não como método de seleção.

Leandro Tessler, ex-coordenador dos vestibulares da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), alerta para os dois tipos de problema que têm ocorrido na prova: um de caráter logístico, como erros de impressão e proibição do uso de lápis, e outro, menos comentado, relativo à qualidade das questões. “Existe muito conhecimento acumulado sobre como elaborar boas questões de múltipla escolha. Muitas das questões que vi do Enem são mal elaboradas e de capacidade avaliativa muito limitada.”

Para ele, um dos ganhos do Enem consiste no aumento de instituições de ensino superior acessíveis aos estudantes: “Acho que o balanço é positivo. Isso não signifca que o Enem seja o único caminho para o acesso às universidades brasileiras. Em cursos muito concorridos só o exame não é um bom processo seletivo”.

Democratização

Segundo a proposta do Ministério da Educação para a mudança do exame, a unificação da seleção para instituições federais democratizaria a participação dos estudantes para vagas em diferentes regiões do país.

“É possível combinar um exame como o Enem com processos seletivos localizados. O que não devemos continuar é investindo em um modelo em que cada instituição de ensino superior faz seu processo seletivo individual”, diz Leandro.

Eunice não concorda: “Há uma mentalidade hoje na área de educação de um excessivo centralismo. O país é diverso, as instituições são diversas”. Para ela, permitir uma diversidade dos mecanismos de ingresso ao ensino superior é essencial. “Eu não vejo a vantagem que as pessoas veem num exame unificado”.

A pesquisadora afirma que é necessária uma estrutura burocrática cara para manejar exames dessa magnitude. Além disso, os problemas de aplicação das provas serão constantes: “Quando você faz um exame para 4 milhões de alunos, no Brasil inteiro, as possibilidades de erros são fantásticas”. Leandro completa: “Parece-me que o Inep subestimou o tamanho da complicação de oferecer uma prova cobiçada para tanta gente em tantos locais.”

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