Shows na Maria Antonia inauguram parceria entre CCBB e USP

Academia da Berlinda (foto: Divulgação)
Academia da Berlinda (foto: Divulgação)

Wado, Donatinho, Ellen Oléria e Academia da Berlinda. São estes os artistas que se apresentarão no projeto CCBB Universitário, uma parceria realizada entre o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e o CUMA (Centro Universitário Maria Antonia), da USP. Vindos de diferentes partes do Brasil, os artistas, ainda desconhecidos por parte do grande público, se apresentarão durante os meses de setembro e outubro na capital paulista, sempre às 18h30.

Segundo Marcos Mantoan, gerente do CCBB São Paulo, “o evento foi concebido com o objetivo de divulgar a programação regular do CCBB para o público universitário, e também propor investimentos na produção nacional e incentivar a troca de experiências entre jovens artistas”. Moacyr Novaes, diretor do CUMA, diz que a parceria veio muito bem a calhar: “Já era um projeto nosso ter atividades musicais nesse horário, até para trazer mais qualidade de vida ao cotidiano do centro da cidade”. Na parceria, o CCBB cuidará da parte da produção e da realização dos shows, enquanto a Universidade cederá o espaço e a infra-estrutura.

Ao contrário de outros festivais, o CCBB Universitário aposta em artistas de fora do estado de São Paulo e que são independentes – ou seja, não vinculados às grandes gravadoras. Novaes comenta sobre isso: “hoje temos no Brasil uma produção musical de alta qualidade que está fora do mercado fonográfico, e o fato dos convidados não serem de São Paulo também conta positivamente”. O diretor do CUMA ainda acrescenta que essa é apenas a primeira de uma série de eventos que a Universidade está planejando em conjunto com o CCBB.

O lugar dos shows, a Rua Maria Antonia, é também apontado como um diferencial para os artistas. Ellen Oléria mostrou-se empolgada com a escolha do lugar onde os shows acontecerão, palco de importantes acontecimentos nos anos 60. “O público universitário sempre busca algo diferente, e ele é um termômetro do movimento político e econômico do país, seja hoje ou antigamente”, declarou a cantora brasiliense.

Para se apresentar ao público, os músicos ainda tentaram resumir em algumas palavras como é o som que fazem. Donatinho, que é filho do pianista João Donato, apostou na descrição de estilos: “Faço uma mistura entre as músicas de raiz do Brasil com música eletrônica. Isso resultou em samba-enredo, chorinho e canto indígena misturados com house, eletro e trip-hop, por exemplo”. Já o cantor Wado, catarinense radicado em Alagoas, foi mais simples ao se definir: “sou um sambista, mas acho que só eu acho isso”.

Leia as entrevistas na íntegra com Wado, Ellen Oléria, Donatinho e Moacyr Novaes.

Wado

Wado (foto: Marcelo Costa)
Wado (foto: Marcelo Costa)

Jornal do Campus: Como surgiu o convite pra vir tocar aqui em São Paulo? De quem foi a idéia de tocar na rua Maria Antonia, que é um lugar histórico? E como você se sente vindo tocar aqui – as reações do público são diferentes?
Wado: Gosto muito de tocar em São Paulo, [pois] é um lugar muito caloroso comigo. Achei super curioso o fato dos shows acontecerem ao meio-dia. Deve pegar um pessoal no horário de almoço. Vai ser a primeira vez [que toco]  assim, só espero não ficar com fome durante o show (risos). Mas estou adorando a ideia: vou conhecer o espaço, do qual tenho ouvido falar muito bem, e é sempre uma boa oportunidade de rever amigos. Sobre o público: São Paulo é Alagoas também. É o Brasil condensado.

JC: Pra quem não conhece o seu som, como você o resumiria rapidamente?
Wado: Sou um sambista, mas acho que só eu acho isso (sorri).

JC: O público da MPB nos anos 60 – época na qual a Maria Antonia foi palco de discussões políticas – era majoritariamente universitário, assim como é o público hoje da música independente. Você enxerga alguma relação nisso?
Wado: Existe uma mudança de foco: a canção saiu do bloco de ferramentas de mudança social. Se olharmos a sociedade no macro, a canção encolheu. Vejo como nicho o que antes era massivo, acho que é natural esse redimensionamento. Falamos para nichos. O Brasil não sabe mais quem são seus compositores. A Universidade é um desses nichos onde alguns ouvintes com alma de pesquisador podem aparecer.

JC: Em outubro você está lançando mais um disco, Samba 808. O que dá pra adiantar sobre ele? E o pessoal que for ver o show vai ter alguma prévia dele?
Wado: O disco novo está pronto e bem bonito, tem duetos com Marcelo Camelo e Mallu, Zeca Baleiro, Chico César, Curumin, André Abujamra, Momo e muitos outros. Acredito que poderemos sim tocar algo dele, serão boas horas.


Ellen Oléria

Ellen Oléria (foto: Divulgação)
Ellen Oléria (foto: Divulgação)

Jornal do Campus: Como surgiu o convite pra vir tocar aqui em São Paulo? De quem foi a idéia de tocar na rua Maria Antonia, que é um lugar histórico? E como você se sente vindo tocar aqui – as reações do público são diferentes?
Ellen Oléria: Já temos ido para SP esporadicamente, estamos investindo na estrada. A gente chegou a tocar no SESC Pompéia, uma vez. E é muito bacana tocar no Maria Antonia, é muito propício, pensando no público que a gente vai encontrar, que é o público universitário. Minha trajetória também começou na universidade, aqui na UnB, que também tem histórias bem marcantes.

JC: Pra quem não conhece o seu som, como você o resumiria rapidamente?
EO: É sempre difícil resumir, e eu tenho uma dificuldade com rótulos. Mas o rótulo também pode servir de ponte pra a gente se identificar e ser identificado. Eu gosto de dizer que eu sou farofeira. Gosto de música brasileira, e dentro dela cabem muitas coisas, de Calypso a Roberto Carlos. Cabe Chico [Buarque], cabe Secos e Molhados. Eu faço música brasileira, e eu tenho a felicidade de ter ao meu lado a banda Pret.utu, que tem um jazz bem brazuca. Mas acho que a minha voz tem um apelo popular, com uma influência do jazz, do funk, do hip hop. É Música Preta Brasileira.

JC: O público da MPB nos anos 60 – época na qual a Maria Antonia foi palco de discussões políticas – era majoritariamente universitário, assim como é o público hoje da música independente. Você enxerga alguma relação nisso?
EO: Sim. O público universitário é sempre o público que tá tentando uma contracultura, algo diferente. É com ele que as coisas acontecem, como tradições e contradições que a gente tem como povo. É um público que está sendo preparado para ocupar cargos importantes, sendo sempre  um termômetro do movimento político e econômico do país, hoje ou antigamente. Vai ser muito bacana encontrar essa galera e sentir isso.

JC: Seu trabalho está repleto de influências diversas, do funk à bossa nova, passando pelo hip hop, e você já tocou com artistas tão diferentes como Milton Nascimento, Móveis Coloniais de Acaju e Emicida. Como você vê esse aspecto amplo?
EO: A música é maior que nós, na verdade. Ela ultrapassa toda essa parte de rótulos e filtros. Ela não precisa de um filtro na palavra pra acontecer. Com as novas mídias a gente dilui mais as fronteiras – um caso que aconteceu comigo foi a Björk, que trouxe uma tradição muito diferente. Eu tenho a possibilidade de ouvi-la cantar na língua nativa dela, que é o esquimó, e mesmo assim apreciá-la. A música chega antes: ela anda mais rápido do que as minhas pernas conseguem andar. Eu não tenho dúvidas de que a música é maior que os nossos encontros e a nossa percepção. Falar sobre música é outra coisa, não é música – embora seja muito legal falar a respeito. A música sempre vai ser maior.


Donatinho

Donatinho (foto: Ariel Martini)
Donatinho (foto: Ariel Martini)

Jornal do Campus: Como você se sente tocando em São Paulo?
Donatinho: Já havia tocado várias vezes em SP com outros projetos meus, inclusive uma vez na Virada Cultural. Foi na Praça do Patriarca, com meu live eletrônico, às 3h da manhã. A galera curtiu muito. Essa, porém, é a primeira vez que vou mostrar o repertório do meu disco de estréia.

JC: Pra quem não conhece o seu som, como você resumiria ele rapidamente?
Donatinho: Eu tenho influência de muitos sons diferentes. Nesse show especificamente vou mostrar o resultado de uma pesquisa feita sobre música regional brasileira. Fiz uma mistura entre as musicas de raiz do nosso país com musica eletrônica. Isso resultou em samba-enredo, viola caipira, ponto de candomblé, viola caipira, chorinho, canto indígena misturado com house, eletro, hip-hop, trip hop, entre outros estilos.

JC: O público da MPB nos anos 60 – época na qual a Maria Antonia foi palco de discussões políticas – era majoritariamente universitário, assim como é o público hoje da música independente. Você enxerga alguma relação nisso?
Donatinho: Acho bacana tocar num lugar tão representativo. Os jovens hoje, assim como antes, também têm voz ativa e gosto próprio. Fico feliz em poder mostrar meu som para esse publico.

JC: Seu pai é um dos grandes nomes da música popular brasileira. Como você encara essa presença paterna, seja no seu trabalho ou na divulgação para o público? Musicalmente, você se sente influenciado por ele?
Donatinho: A influência dele no meu som nunca foi direta, mas sim indireta. Ele nunca quis que eu tocasse ou me incentivou a nada em relação a música.Mas a convivência, o fato de freqüentar os shows e gravações me fez aprender e até mesmo “roubar” uma levada ou outra dele no piano.
Mas é claro que nós temos estilos diferentes. Assim mesmo nos respeitamos e admiramos muito o trabalho um do outro.


Moacyr Novaes

(Divulgação)
CCBB Universitário

Jornal do Campus: Como surgiu a ideia para o evento?
Moacyr Novaes: O CCBB procurou a USP pra fazer parcerias na área de cultura e uma das que se concretizaram foi conosco. O CCBB Universitário foi a primeira. Possivelmente teremos outras iniciativas, não só conosco [o CUMA], mas com toda Universidade.

JC: Como foi feito o contato entre o CCBB e o CUMA?  (Até onde foi informado, o show com o Wado já estava marcado para essa data, e só depois é que ele foi confirmado no CUMA)
MN: É uma produção conjunta: perguntaram se tínhamos interesse em participar. Nós tínhamos um espaço apropriado. Já era nosso projeto ter atividades musicais nesse horário, pra qualificar um pouco a vida aqui no centro da cidade.

JC: Como o senhor avalia uma iniciativa dessas, procurando aproximar mais o paulistano da música independente feita no Brasil hoje? E o horário dos shows?
MN: Eu acho isso uma grande idéia. Acho que hoje nós temos uma produção musical diversificada e que está fora do mercado fonográfico, mas que é de alta qualidade. O fato dos artistas não serem do estado de São Paulo conta positivamente – é uma sensibilidade que o pessoal do CCBB tem para captar um pessoal que está fora dos lugares com mais recursos.

JC: Da parte da Universidade, o que está sendo feito para a produção desse “festival”? Que recursos estão sendo gastos ou colocados à disposição do CCBB?
MN: O que se envolve de recursos da parte da Universidade é muito pouco – envolvemos uma estrutura de custeio nossa. Mas não é um gasto especial, é o gasto que se teria com a produção de um evento simples. O Maria Antonia tem como bancar isso, embora o CCBB entre com a parte mais significativa. A gente entra com a casa, basicamente.