Comunidade acadêmica questiona a eficiência da proposta

A decisão de implantar o programa acendeu discussões entre todos os setores afetados. Embora a portaria interministerial que o criou declare que seu objetivo seja “garantir acesso de toda população a uma atenção à saúde de qualidade”, diversos representantes contestaram a eficácia da medida.

Os estudantes da Universidade se mostraram céticos em relação às mudanças. Leonardo Gama, diretor de imprensado Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC), da FMUSP, contesta a conclusão de que o serviço de Atenção Primária seria reforçado pela presençade médicos recém-formados. “Ao se formar, o estudante é um médico generalista, que não tem formação mais ampla”, explica. “Não é nem clínico geral, pois Clínica Geral é uma especialidade. A própria Atenção Básica é uma especialidade!”.

Além disso, há também o problema da infraestrutura.“Não falta médico porque não há quem queira ir, é porque há locais em que não há condição de trabalhar”, continua. “O médico vai até esses locais e tenta fazer alguma coisa, mas ele depende, por exemplo,de equipamentos e de medicamentos”. Em texto publicado no Bisturi, jornal da entidade, pergunta: “Em relação ao benefício social do plano, é óbvio que alguma atenção é melhor que nenhuma atenção. Porém, será que as soluções meramente paliativas que tal plano oferece compensamsuas consequências permanentes?”.

O CAOC redigiu uma carta aberta, a ser assinada por outros centros acadêmicos de medicina, na qual critica, também, a falta de debate com a sociedade civil: “Grande parte das agremiações estudantis, associações de classe, Escolas e Faculdadesde Medicina, até mesmo Comissões Estaduais de Residência Médica foram surpreendidas com a aprovação da Resolução estruturada às pressas sem a devida mobilização e diálogo com os grupos sociais diretamente envolvidos”,diz o texto.

Ricardo Teixeira, professorde Atenção Primáriada Faculdade de Medicina da USP, aponta que a medida deve fazer parte de um conjunto de reformas implantadas com o fim de induzir o fortalecimento do setor. “Toda iniciativa de valorizaçãoda Atenção Primáriaé louvável”, afirma, “porque sabemos cientificamenteque países que têm Atenção Primária forte são países que têm melhores indicadores de saúde e que gastam menosdinheiro nessa área, relativamente”. Ressalta, entretanto, que o Programade Valorização do Profissional de Atenção Primária pode não ser a maneira mais eficaz de levara essa transformação.

Para Tomie Ichihara, residente de radiologia do primeiro ano, a iniciativanão foi amplamente divulgada ou debatida, ao menos entre os médicosresidentes do HC-FMUSP. “No começo da carreira, é muito difícil praticar a medicina nesses municípios, que não oferecemmuitos recursos. Já é difícil para médicos experientes, quanto mais para recém-formados”, diz ela. “Prejudica a prática médica, pois essas populações não terão assistência primária de qualidade,e também prejudica a residência médica, por interferir no processo seletivo”, completa.

Para Ana Cláudia Germani, também professora de Atenção Primária da FMUSP, a proposta tem sua validade, pois possibilita aos estudantes vivenciar uma experiência em Saúde da Família, e promove incentivos à Atenção Primária a longo prazo. No entanto, ressalta: “É essencial que haja preocupação com a qualidade do programa, que tudo seja executado conforme a Portaria e que os alunos possam contar com supervisão”, afirma. “Além disso, deve haver uma avaliação do acompanhamento pela comunidade, é importanteque esse vínculo entre como critério”, completa.

Procurada pelo JC, a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) não se manifestou,assim como a AMB, ANMR e FENAM.

O 1º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina(CFM) manifestou o interesse da instituição de observar a execução do Programa, considerado uma medida temporária e paliativa, em audiência promovida pela Comissãode Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. A ABEM afirmou que tem participado de algumas das discussões promovidas pelo Ministério da Saúde a respeito da proposta. “Temos consciênciada necessidade deste Programa, que de alguma maneira tem que promover a ampliação da atenção à saúde da população brasileira, em especial às localizadas em municípios mais desprovidosde condições”, afirmou a presidente, Jadete Barbosa Lampert.

23 anos de SUS (infográfico: Ana Elisa Pinho)