N.E.R.D. (Não Existe Rígida Definição) na USP

A equação encontrada na apuração é “para x alunos uspianos perguntados, x respostas aparecerão para a descrição de um nerd”

Uma sala na faculdade com três videogames instalados e pessoas revezando os controles. Um encontro semanal em mesas de xadrez para jogar um famoso jogo de cards. Achar pessoas nessas situações poderia acontecer em muitos lugares, mas é na USP que a chamada cultura nerd assume maiores proporções. A partir da pergunta “Você se considera nerd ou geek?”, alunos do Instituto da Física (IF), Instituto da Química (IQ) e Instituto de Relações Internacionais (IRI) foram entrevistados – e nenhuma resposta definitiva encontrada.

Nerds relativos

Entre uma partida e outra de Nintendo 64 na sala do Centro Acadêmico da Física (Cefisma), ouve-se de tudo: “Para ser nerd é preciso ser inteligente”, “Ser tímido é necessário, mas não suficiente” e “Tem que ter paladino level 80, conta original em World of Warcraft [jogo online de Role Playing Game] e seu Atari intacto”.

“Para mim, existe uma diferenciação. Geek é alguém muito interessado em algo e nerd, aquele que faz só disso sua vida”, diz Matheus Lopes, aluno do 3º ano de Física. Para Nimay Hodick, do 4º ano, a pessoa não consegue abrir um leque de interesses em sua vida. E completa: “O importante é perceber que sempre vai depender do ponto de vista: quem não estuda nada sempre vai me considerar nerd ou mais nerd que ele, e eu vou considerar gente sem vida social um completo nerd”.

Nerds saudáveis

Consenso entre os alunos é a que a imagem do IF divulgada em matérias da Folhateen (como na ‘Sheldons da vida real existem e estão entre nós’ e ‘Físicos aprovam “séries nerds” de TV como cientificamente precisas’, sobre o personagem da série televisiva ‘Big Bang Theory’) era restrita a poucos alunos. O grupo de estudantes homens mexendo em laptops dentro de uma sala de estudo da biblioteca da Física seria um estereótipo perfeito. De fato, eles são autodeclarados nerds, mas Dhyan Kuraoka, mestrando, afirma: “Eu tenho namorada e saio com pessoas de fora da Física. Eu danço tango e ele aqui gosta de escalar. A questão é que nosso universo não é o da maioria – afinal, quem é viciado em futebol ou em Kant não é considerado nerd!”.

Segundo ele, é nerd toda pessoa que gosta de desafios intelectuais e vai atrás do seu interesse em particular. “Mas aí também estão os que ficam bitolados. Esses entram profundamente nos gostos típicos nerds, têm uma restrição cada vez maior para falar de outros temas e contato cada vez menor com o mundo exterior. Os da Física que são assim já voltaram para casa”, explica Diogo Pellegrina, do 4º ano de Ciências Moleculares.

Mário Fernandes, do 2º ano, diz que esperava aquele estereótipo de filme estadunidense quando entrou no IF. “Mas a grande maioria de pessoas aqui não é alienada ou antissocial. A ‘nerdice’ é bem dinâmica: uns cantam, outros curtem rock antigo, outro luta arte marcial, mas joga jogo de tabuleiro, e até vi um cara lendo Voltaire!”. Segundo o que ele percebe entre outros homens, “não é comum pegar vinte meninas na balada. O negócio aqui é mais despreocupado, sincero”. Em relação à série ‘Big Bang Theory’, à qual os alunos do instituto foram comparados pela Folha, ele diz que “somos mais Leonard que Sheldon”.

Nerds específicos

“Olha, para ser nerd não é pré-requisito ser inteligente, mas pessoas com uma boa linha de raciocínio e lógica naturalmente são atraídas pelo jogo de Magic®”, diz Caio Coelho, do 4º ano de Química. Ele se refere a um dos maiores jogos de cartas colecionáveis do mundo, com milhares de cartas de vários mundos de fantasia. No grupo que regularmente se reúne para jogar no IQ, “temos pessoas com altas e baixas notas em provas, nenhum considerado antissocial e poucos fissurados em tecnologia”, diz.

Os jogadores têm suas peculiaridades: as duas meninas que jogam são namoradas de meninos que já estão no grupo, e em lojas da Devir, editora do ramo, achar uma mulher jogando é raro – o contrário do que acontece em grupos de RPG. Além disso, é preciso ter certo poder (e vontade) aquisitiva para continuar com Magic®, comprando cartas e participando de torneios.

Marcus Prates está no 3º ano e se tornou campeão nacional de Magic® em setembro passado. “O que eu percebo é que a concentração de jogadores na Química é muito maior que em outros lugares do Brasil”. E mesmo assim, “além dos nerds de Magic®, aqui tem os de xadrez e os que estudam muito. Cada um é nerd no que te interessa. De modo geral, quem não é nerd está na Atlética”, diz Anderson Haneda, do 4º ano. A mesma opinião sobre Atlética também esteve entre alunos da Física.

Nerd não nerd

“Existe uma confusão entre ‘nerds’ e ‘geeks’ porque os gostos de ambos muitas vezes se tocam”, afirma Eduardo Tomikawa, estudante do 3º ano de Relações Internacionais (ver gráfico 3). “Antigamente, uma pessoa que sentava na primeira fila da sala geralmente tinha algum interesse específico, como programar softwares. Hoje, uma pessoa pode apenas jogar um jogo de computador sem saber escrever uma única linha de programação. Para ser geek não é mais preciso ser nerd”.

“Se eu sou nerd? Não. Derivo de uma época em que o termo ainda era pejorativo. Se eu me intitulasse assim, uma terceira pessoa me veria de modo diferente do que sou. A palavra não tem mais um significado definitivo”, completa.

Gráficos sobre as visões dos alunos (crédito: Ana Marques)


Nerd agora é cool?

“Ser nerd virou moda” foi unânime entre os entrevistados. Para uns, isso é hipocrisia: “Nerd pra mim sempre foi algo ruim. Esse cara que se chama assim não teve a cabeça jogada na privada como nos filmes de nerd clássico”. Para outros, pode ser uma chance de uma autoafirmação contida: “Agora que está abrindo o espaço nerd, alguns veem a abertura e falam que são”, diz Marcus. Para outros, acontece uma desvirtuação total: “Liguei na MTV e lá disseram que eram nerds porque usavam camisa xadrez e óculos gigantes!”, diz Diogo. Para outros, houve uma mudança de significado: “Historicamente o termo é pejorativo, mas houve alguns turning points, como a popularização da internet, interface gráfica e certos filmes e quadrinhos, que com o passar do tempo constituíram uma base para que hoje essa cultura virasse pop, diz Eduardo.