Economia verde é uma ilusão ou alternativa?

Especialistas debatem, a partir de discussões da Rio + 20, as diretrizes e o potencial da economia verde como resposta as problemas ambientais

“Atender às necessidades da atual geração, sem comprometer a capacidade das futuras gerações em prover suas próprias demandas.”Formulado primeiramente em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da ONU, a discussão acerca do conceito de desenvolvimento sustentável pauta a agenda política mundial até hoje. Exemplo disso aconteceu na Rio + 20, Conferência das Nações Unidas que ocorreu de 13 a 22 de junho na cidade do Rio de Janeiro.

Histórico

A temática ambiental passou a integrar a agenda política internacional em Estocolmo, em 1972. Nesse ano, a capital da Suécia sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, reunião que estabeleceu alguns princípios norteadores da política ambiental de diversos países até hoje. A organização da Conferência foi impulsionada pelos altos índices de poluição verificados à época, além de acidentes ambientais como o que ocorreu na usina nuclear russa de Tcheliabinski, em 1957.

Depois de Estocolmo, foi a vez do Rio de Janeiro sediar outra discussão ambiental mundial. Em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ou Rio 92). Delegados de 172 países, 108 chefes de Estado e representantes de 1400 Organizações Não Governamentais (ONGs) se reuniram no Riocentro para discutir o conceito de “desenvolvimento sustentável” proposto em Estocolmo. Após as discussões da Rio 92, foram estabelecidas a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança no Clima, a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente.

Segundo documento publicado no site oficial da Rio + 20, um marco da Rio-92 foi a formulação da Agenda 21, documento que prevê um programa de ações – de caráter global, nacional e local – que serviriam como um guia para o fomento de um processo de transição para a sustentabilidade, como o apoio recíproco entre comércio e meio ambiente.

A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, ocorrida em 2002, na cidade de Johanesburgo, reafirmou algumas metas estabelecidas na Rio-92, como a erradicação da pobreza e a defesa da biodiversidade, além de debater energias renováveis e o desenvolvimento sustentável como responsabilidade dos mais diversos atores sociais.

Conceitos

Para celebrar os vinte anos da Rio-92 e definir a agenda do desenvolvimento sustentável para os próximos vinte anos, a Rio + 20 reuniu representantes dos 193 Estado-nação da Organização das Nações Unidas (ONU) no Riocentro, entre 13 e 22 de junho deste ano. Um dos temas que nortearam as discussões da Rio+20 refere-se à economia verde inserida no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza.

Elaborado pela primeira vez em 1987, em documento da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, desenvolvimento sustentável é pautado por três pilares – social, econômico e ambiental – e se define como ”o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.” Já economia verde refere-se à “economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica”, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente (Pnuma). De acordo com documento publicado no site rio20.gov.br, ambos conceitos se relacionam, sendo a economia verde uma ferramenta para o desenvolvimento sustentável.

Protesto contra política ambiental do governo de Dilma Rousseff marca terceiro dia da Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro (foto: Alessandra Goes Alves)
Protesto contra política ambiental do governo de Dilma Rousseff marca terceiro dia da Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro (foto: Alessandra Goes Alves)

Análises

Atualmente, estudiosos sobre o tema debatem se a economia verde pode ser uma resposta eficaz contra os problemas socioambientais tais como a crise alimentar, desmatamentos e poluição de recursos hídricos.

Para Helena Ribeiro, professora de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública (FSP – USP), a economia verde vem dinamizando economias a partir da geração de empregos e recursos, além do desenvolvimento de novas tecnologias menos poluentes e menos consumidoras de recursos naturais escassos. “Isto não quer dizer que tenhamos uma visão tecnocrática e acreditemos que a tecnologia tudo resolverá. Mas podemos esperar que alguns exemplos positivos possam motivar e desencadear mudanças numa economia baseada no consumismo, no mercado e no lucro, como a atual”, pontua.

Segundo José Goldemberg, físico do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE – USP) e ex-presidente da Associação Brasileira para o Progresso da Ciência, a tecnologia é uma “ferramenta extraordinária para resolver problemas”. Ele enfatiza que, desde as teorias do economista Thomas Malthus, no século XIX, o potencial da tecnologia é por vezes subestimado. “Malthus achava que haveria uma crise alimentar, pois a população estava crescendo muito mais rapidamente do que a produção agrícola. Mas isso não ocorreu, porque a tecnologia se desenvolveu e, desde aquela época, a produtividade aumentou.”

Já para Wagner Ribeiro Costa, o foco da questão é outro. ” O problema não é o crescimento populacional, mas o consumo exagerado.O sistema econômico atual requer uma base material para se reproduzir. Nos últimos 50 anos, o consumo de água cresceu seis vezes, enquanto a população só cresceu três”.

Paralelamente à Rio + 20 ocorreu a Cúpula dos Povos, em que ONGs, movimentos sociais e estudiosos debateram a sustentabilidade atrelada a direitos sociais. Em um dos debates ocorridos na Cúpula, o teólogo Leonardo Boff pontuou que o homem precisa mudar a sua relação com a natureza: “Devemos mudar a visão sobre o planeta: ele não é um baú, de onde se tiram recursos de forma infinita. A Terra é limitada, os recursos são escassos e muitos deles não renováveis. Se quisermos socializar o bem-estar da classe média e dos países ricos para toda a humanidade, precisaríamos de ao menos três planetas Terra.”

Para Boff, reconhecido por seu envolvimento em causas ambientais e sociais, sustentabilidade e desenvolvimento são conceitos de lógicas contraditórias: “No sistema econômico vigente, o conceito de desenvolvimento é linear: quer crescer infinitamente e acumulando de forma cada vez mais crescente e o mais rápido, com o menor investimento e sob a maior competição possível. É um processo linear que gera exclusões, grandes desigualdades.” Ele pontua que, diferentemente do desenvolvimento, pautado pela economia, a idéia de sustentabilidade originou-se na biologia e na ecologia: “Sustentabilidade é um conceito amplo e intersistêmico, que engloba todas as comunidades de vida e não só os seres humanos. É se reproduzir dentro dos biomas regionais, de tal forma que todos estejam incluídos, que a pobreza possa ser diminuída a dimensões toleráveis e que haja a participação dos cidadãos em todos os âmbitos, inclusive o cultural.”

Pablo Sólon, organizador da Conferência Mundial dos Povos Sobre Mudanças Climáticas e ex-embaixador da Bolívia, disse na Cúpula dos Povos que a economia verde inaugura um capitalismo tridimensional, que incorpora o capital físico e humano à acumulação de riqueza. “Não só a madeira da árvore é negociada, mas também a função que a árvore cumpre no meio ambiente. Asseguram-se direitos de propriedade sobre as funções ecossistêmicas, o que configura a mercantilização e a privatização de recursos naturais.”

De acordo com Ariovaldo Umbelino de Oliveira, docente de Geografia Agrária da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), desenvolvimento sustentável só é possível em uma lógica econômica diferente da atual. “O que importa é o lucro e não a área de floresta protegida. Quanto maior a escala econômica, mais recursos são consumidos. Não se trata de um problema de caráter individual, mas da lógica econômica vigente.”

José Goldemberg diz não acreditar que a economia verde seja um instrumento econômico imperialista, dos países centrais sobre os periféricos. “Ao se industrializar, os países retardatários não precisam repetir o caminho seguido pelos países já industrializados. Eles podem utilizar tecnologias de vanguarda, a fim de reduzir impactos ambientais.”