O outro lado

O Jornal do Campus é um jornal de verdades. Como um Pravda do Butantã, a cada 15 dias ele proclama suas teses a respeito da vida na Cidade Universitária, sem muito espaço para o contraditório. Nas sete edições que li, como ombudsman, a Reitoria nunca deu uma entrevista, embora tenha sido alvo de 11 entre 10 reportagens do jornal no período. Mas quanta verdade há nas verdades que o JC proclama?
“Não quis se pronunciar, não deu resposta, não foi localizada” são as justificativas mais comuns para se referir à ausência de informações que possam constrastar as teses que o jornal apresenta. Mas será que o trabalho de reportagem se resume a enviar uma carta ou um email, ou dar um telefonema para a pessoa que gostaríamos de ouvir? Nenhum repórter do jornal é capaz de fazer tocaia na sala do reitor, com um gravador ou filmadora, no estacionamento, na casa, no supermercado do bairro dele, nada? Porque se a reportagem se resumir a pedir entrevista e pedir aspas, por fax e por e-mail, não precisamos de repórteres – uma secretária mediana resolve.
Há uma mistura de preguiça e arrogância em dizer que “o jornal procurou e o reitor não respondeu”. O que seria da boa reportagem e do jornalismo investigativo se tudo fosse assim – “ele não quis falar”? O JC, por exemplo, nunca usou a Lei de Acesso à Informação para requerer qualquer coisa das autoridades universitárias – pelo menos não durante a minha “gestão” como ombudsman.
Ouvir o outro lado não serve só para constar. Como disse o velho Abujamra, “temos de venerar a dúvida”. Não se esqueçam disso. Essa é a grande coisa para nós, jornalistas: venerar a dúvida.
Deixem de lado as certezas enquanto estiverem fazendo jornalismo de verdade. Abracem o compromisso com a dúvida – a menos que queiram fazer da profissão um instrumento de militância sectária de fôlego curtinho.
Se a pauta, a apuração, a reportagem toda estiver bem feita, a voz contraditória servirá para realçar ainda mais a pertinência da matéria. E se der o contrário, tudo bem. Afinal, nosso compromisso é com os fatos, não com as fontes, nem com as teses.
Essa foi minha última coluna como ombudsman. A honra da lida supera em muito meu mérito. Obrigado.

João Paulo Charleaux é jornalista e coordenador de comunicação da Conectas Direitos Humanos e do curso de jornalismo em situações de conflito armado e outras situações de violência. Escreve sobre cultura e direito internacional em veículos como Folha de S. Paulo e Última Instância, além de colaborar com a rádio França Internacional, a revista Carta Capital, o jornal Le Monde Diplomatique, a rádio Popular de Milão, a rádio Interworld (Panos London), a Rádio Netherland e a Agência Poonal de Berlim.