Regiões paulistanas precisam de equilíbrio

Há 11 anos, a prefeitura tentou imbuir ordem no desenvolvimento urbano de São Paulo, estabelecendo o Plano Diretor Estratégico. Além de regulamentar a construção de novas residências, o Plano buscava resguardar as zonas de preservação ambiental, levar mais moradores e atividade comercial às áreas próximas de estações de metrô e trem e estimular a ocupação de edifícios ociosos. No entanto, muitos de seus objetivos não foram alcançados e algumas de suas disposições são questionadas por especialistas, principalmente no que se refere à concentração urbana.

Para eles, São Paulo claramente não conseguiu equilibrar a distribuição de atividades entre suas regiões. “A cidade tem que se desconcentrar. Em termos de empregos, certamente, mas também lazer e oportunidades culturais”, aponta Eduardo César Leão Marques, cientista político da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e especialista em políticas públicas e urbanas. “É fundamental que seja priorizado o transporte público e que diversos espaços se tornem mais misturados socialmente”.

Segundo Marques, uma forma de resolver esse problema seriam as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), áreas delimitadas no Plano para fins sociais, como recuperação urbanística e habitação popular. “Essas zonas devem ser reforçadas e a sua implementação deve ser agilizada”, afirma. Porém, João Whitaker, professor de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, se mostra especialmente cético com relação a essas zonas. Segundo ele, a área reservada é insuficiente. Whitaker preconiza a delimitação de 50% da metragem quadrada construída para moradias destinadas à faixa de baixa renda. Benedito Barbosa, representante da Central de Movimentos Populares, critica, igualmente, a administração das ZEIS, as quais acabam sendo usadas para empreendimentos de alta renda.

Na verdade, a própria definição de “baixa renda” precisa ser reconsiderada, na opinião de Whitaker. O documento atual chama assim aos lares com renda igual ou inferior a seis salários mínimos. O urbanista defende a diminuição desse limite para dois. “Acima disso não é mais classe baixa. Não estamos na Suíça”, afirma. Barbosa também desaprova a atual definição. “Quem vai ser atendido mesmo serão as famílias com mais de cinco salários mínimos”, afirma. Nabil Bonduki, vereador e professor de Planejamento Urbano da FAU, aponta ainda, a necessidade de corrigir distorções monetárias. “O salário mínimo, na época, valia metade do que vale hoje”. Apesar disso, ele admite a importância que teve esse primeiro plano diretor para impedir o crescimento desenfreado do setor imobiliário na cidade. Afirma que, sem o PD de 2002, “a situação estaria bem pior”.

Mas as críticas não se restringem ao Plano Diretor. Além de reformular a carta, a prefeitura apresentou um programa de renovação urbana chamado Arco do Futuro, o qual, Whitaker contrapõe, “não tem nada de novo”. O principal objetivo da iniciativa é gerar mais atividade econômica e empregos em áreas como a Avenida Jacu-Pêssego, na Zona Leste, a Avenida Cupecê, na Região Sul, e a Marginal do Tietê, na Zona Norte. Assim, o Arco evitaria que os moradores locais tivessem de se deslocar até pontos muito distantes da cidade para trabalhar.

Whitaker questiona a solução proposta pelo Arco, que se inspira no modelo da Marginal Pinheiros, com a construção de mais edifícios. “A cidade não precisa de mais habitações”, diz. Para ele, mais construções atendem apenas ao interesse do mercado imobiliário. A questão vai além de planos e projetos específicos. Whitaker enxerga um problema histórico de planejamento urbano, sempre subordinado a interesses privados. Segundo ele, falta-nos uma tradição de intervenção pública em nome do cidadão. “No Brasil, quem faz a cidade não é o poder público”, aponta. A docilidade da prefeitura ao empresariado foi ainda maior sob a administração do prefeito Gilberto Kassab, em sua opinião. “A gestão passada não fazia nada”, afirma.

A revisão agora, uma oportunidade de resolver, ou ao menos controlar, o problema do crescimento desordenado e da saturação de atividades e serviços no centro. Apesar de todas as críticas, Whitaker afirma acreditar que a atual gestão concede ao povo maior espaço para defender seus interesses. Segundo ele, o sucesso “depende da nossa capacidade de mobilização”.