Agressão reaviva debate sobre catracas

Após tentativa de estupro no banheiro feminino da Escola Politécnica, unidade discute restringir o acesso de pessoas

A tentativa de estupro sofrida por uma aluna de engenharia nas dependências da Escola Politécnica, ocorrida no dia 8 de outubro, trouxe a discussão sobre se deve ou não restringir o acesso aos prédios da Cidade Universitária. A nota, divulgada pela Poli na ocasião, apontava para a proposição de implementar catracas, medida já cogitada há cerca de 6 anos e rejeitada pela comunidade. Na gestão anterior, quando se deu início ao projeto de restauração do prédio do biênio (ainda em curso), a alternativa das catracas foi levantada e descartada.

Com o incidente que vitimou a estudante em um banheiro da engenharia de produção, o controle sobre a circulação de pessoas nas unidades volta à tona como resposta imediata aos problemas de segurança (muitos deles os mesmos de quando as catracas foram negadas anteriormente). Há uma correspondência com o caso do aluno assassinado em 2011, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), e a mesma solução foi apresentada na época.

O diretor da Poli, José Roberto Cardoso, garante: “não vamos mexer na casa sem falar com quem usa”. As lideranças estudantis da Poli estão sendo ouvidas e a implementação não será deliberada, segundo ele, sem a realização de plebiscito. A consulta terá de ser feita por prédio, de forma que cada um terá autonomia para decidir se quer ou não catracas em seu espaço, a partir do voto de professores, alunos e funcionários (com paridade a definir).

Rafael Auad, presidente do Grêmio da Poli, concorda que cada prédio tenha suas especificidades, e que por isso é necessário decidir por si: “Todos têm projetos de segurança engavetados”, diz. Para ele, este é o momento de reanalisá-los à luz das necessidades incluindo os limites orçamentários que cada prédio tem atualmente.

Luiz Fernando Cabral, também membro do Grêmio da Escola, afirma que o corpo docente é, na sua maioria, favorável a colocar catracas para limitar o acesso. Prova disso é que ao organizar o debate sobre catracas na universidade marcado para o dia 23 de outubro (quarta), houve dificuldade para encontrar docentes contrários à proposta. Luiz Fernando informou que os plebiscitos ainda não têm previsão de serem realizados, em função de as discussões estarem no início. Afirma, como Cardoso, que levado em conta todo o processo democrático, a decisão deve ficar só para o ano de 2014.

Os resultados são ainda difíceis de prever, uma vez que a comunidade é muito diversa. De qualquer forma, Cardoso diz esperar que outra solução seja apresentada para prevenir minimamente incidentes como o do dia 8 de outubro, que não pode se repetir. “A intenção não é proibir ninguém de entrar”, esclarece, mas exigir que as pessoas de fora se identifiquem, deixando nome e RG anotados. Argumenta por fim que diversos prédios da USP, como o do Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG) e o das Químicas, já possuem catracas e que, em sua opinião, ninguém se sente cerceado por conta disso.

No “Manifesto contra a cultura do estupro”, divulgado pelo Grupo de Estudos de Gênero da Poli (PoliGen) no dia 10 de outubro, também em consequência à agressão ocorrida, discorda da ação restritiva: “Agora discutem-se catracas e controle de acesso aos prédios na ânsia de dar algum tipo de resposta – precipitada e incauta – ao ocorrido sem que se toque no real problema. Pensemos: Catracas impediriam o agressor? Infelizmente, os dados mostram que a maior parte dos agressores são pessoas próximas e do convívio. É muito possível que o agressor passasse ileso por uma eventual catraca”.

Segundo Rafael Auad, não existe ameaça de serem colocadas catracas na Poli “do dia para a noite”. As partes estão dialogando e tentando resolver o impasse entre segurança e restrição de um espaço público de modo detalhado, sem imediatismos.

Catracas na FEA

Dentro do mesmo tema, porém em um estágio mais avançado do diálogo, a expectativa dos alunos da FEA é a de que, por enquanto, a instalação de catracas na unidade esteja suspensa por tempo indeterminado.

Após reunião com a congregação, marcada para quarta-feira, dia 23 de outubro, é esperada uma declaração do diretor da faculdade, professor Reinaldo Guerreiro, na qual explicitaria os motivos que contribuíram para a decisão, ainda não divulgada oficialmente.

A evolução das discussões

Em 2012, houve a realização de um plebiscito por categorias entre os membros da faculdade. Os alunos, de maioria contrária às catracas, foram derrotados por professores e funcionários. Como o resultado obtido não deu conta do número de insatisfeitos, somado ao fato de os valores estimados para a colocação das catracas serem considerados elevados, os alunos realizaram diversas manifestações, como os movimentos “Sem catraca” e “A FEA é sua”.

Fundamental para uma virada nos rumos, o CAVC, diante do mapeamento dos furtos na unidade – levantamento realizado pela diretoria – analisou o documento, concluindo que a maioria dos incidentes ocorriam dentro das salas de aula, a opção pelas catracas não coibiria sua prática.

Segundo Caio Callegari, vice-presidente do CAVC, o plebiscito, paritário, foi realizado de maneira democrática. Os alunos só conseguiram a suspensão da instalação das catracas “porque dialogando com a Diretoria mostramos que seria possível um projeto de segurança para FEA, além de deixar claro que as catracas nas entradas seriam inócuas para o objetivo de controle de acesso”, comentou.

Apesar da quase suspensão do projeto, a mudança da diretoria em junho traz a necessidade de não deixar o debate em segundo plano, novos eventos e situações podem contribuir para mudanças de ações. Os alunos da Escola Politécnica convidaram os alunos da FEA para participarem do debate sobre segurança, que acontecerá no dia 31 de outubro na Poli.