Lei proíbe máscaras em manifestações

Aprovada no Rio de Janeiro, proibição é considerada impraticável e irracional por Lincoln Secco, professor da FFLCH

A Lei nº 6.528 ou “Lei Black Bloc” foi aprovada pelo governador Sérgio Cabral, no dia 11 de setembro de 2013. Seu inciso IV do artigo 3º proíbe “o uso de máscaras” ou de “quaisquer peças que cubram o rosto do cidadão ou dificultem sua identificação”. Sobre a mudança, Rodrigo Dornelles, advogado do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP, comenta que “após as eclosões das manifestações em todo o País, o Poder Público tem buscado incessantemente pretextos para desmobilizar as manifestações e encará-las sob uma ótica de enfrentamento, a todo tempo.”

Lincoln Secco, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da USP, acredita que a lei é uma violação da Constituição, além de ser impraticável. “Como justificar a prisão de uma jovem mascarada como aconteceu no Rio de Janeiro e deixar as pessoas se fantasiar, por exemplo? Como ficaria uma eventual mulher islâmica de Burca? Ela seria despida pela polícia? Embora sejam exemplos extremos, servem para mostrar a irracionalidade da medida”.

Em São Paulo, a Câmara dos Vereadores pretende criar uma lei similar à carioca. A proposta é do vereador Conte Lopes. Nesse caso, Dornelles afirma que “o primeiro problema é justamente quem proíbe: o Executivo e o Judiciário não têm competência constitucional para determinar, da forma como vêm fazendo em alguns estados, esse tipo de proibição”.

“O mascarado segue uma tática de luta de resistência nas ruas. Ele tenta proteger a identidade para não sofrer represálias e detenção posterior”, responde Secco ao ser perguntado qual seria um motivo de um manifestante usar máscara. Para o professor, “a polícia brasileira que sempre espancou os manifestantes impunemente entrou em pânico quando encontrou pessoas que resistem sem que ela possa eliminá-las”.

Quanto ao motivo da proibição, Dornelles diz que os “pretextos que os policiais costumam usar se relacionam à dificuldade de identificar criminosos ou pessoas que se excedem e cometem crimes. Eles alegam que pessoas mascaradas se sentem mais ‘confortáveis’ para cometer abusos pois sabem que seriam mais dificilmente identificadas”. Entretanto, o advogado ressalta que “o Estado não pode permitir que as polícias sejam instrumentos de abafar manifestações: é preciso que o aparato de segurança se conforme à nova realidade social e constitucional que temos e se dê conta que seu papel não é outro senão o de proteger direitos e garantias dos cidadãos. Dentre eles, o de se manifestar”.

Para a polícia, parece que a proibição do anonimato em manifestações não fará grande diferença. Como Secco pondera que a medida “não mudaria nada para a polícia enquanto instituição.” Já para os manifestantes, o professor exemplifica usando o grupo Black Bloc: “Os blocos negros não são violentos como se diz. Sua agressividade não se dirige às pessoas e sim ao patrimônio mais simbólico do que material do capitalismo”.

Em relação a essa caça aos anônimos, Dennys Antonialli, doutorando em direito constitucional na Faculdade de Direito da USP e pesquisador do Alexander von Humbolt Institute for Internet and Society diz que “o anonimato costuma ser muito mal compreendido e é rapidamente associado à ideia de impunidade. Quem precisa esconder sua identidade é geralmente tido como aquele que quer fazer algo condenável ou proibido. Isso não é verdade.”

Ele lembra que a proibição do anonimato não é nova. “A vedação ao anonimato para manifestação do pensamento não é uma inovação da Constituição de 1988. As Constituições de 1891, 1934,1937 e de 1946 já adotavam dispositivo semelhante.” Segundo o pesquisador, esse mecanismo existe para “possibilitar que a autoria de quaisquer opiniões veiculadas possa ser atribuída a alguém. Isso pretende tornar possível a responsabilização do subscritor da mensagem pela divulgação de ideias que gerem algum tipo de dano a terceiros”.

Manifestações culturais

Sobre isso, Dornelles acredita “voluntariamente ou não, essas ‘proibições’ são reações ao momento histórico em que estamos vivendo.” Ele crê que “em nossa história recente (e, em especial, após a ditadura), a maneira como muitos setores da sociedade – em especial os jovens – estão se manifestando não tem precedentes” e relembra “algo até esdrúxulo dessa lei é o que eu chamaria de ‘Cláusula Carnavalesca’ que diz que a proibição ‘não se aplica às manifestações culturais estabelecidas no calendário oficial do Estado’ com óbvia intenção de não atingir o Carnaval. Quiçá porque, para quem editou a lei, o Carnaval seja mais importante que as garantias fundamentais”.

Contatado pelo JC, o vereador Conte Lopes não respondeu.