Tusp organiza Primeira Bienal de Teatro

Evento se beneficia da ausência de amarras mercadológicas para trazer novas experiências cênicas e fomentar reflexão

“Então você acha/ Que eu deva odiar a vida/ E fugir para o deserto/ Só porque nem todos os sonhos/ Se realizaram?”. É este trecho da obra Prometeu, de Goethe, que funciona como epígrafe para a Primeira Bienal Internacional de Teatro de São Paulo. Com o tema “Realidades Incendiárias”, o evento se inspira no mito de Prometeu, o titã que roubou o fogo dos deuses para os homens, para fomentar a discussão sobre o teatro na cidade.
A Bienal começou dia 31 de outubro e estará no calendário cultural da cidade até dia 15 de dezembro. “O Tusp [Teatro da Universidade de São Paulo] tem uma missão bastante clara de incentivar a produção dentro da universidade e também de reflexão da produção existente no país”, estabelece Celso Frateschi, diretor do Tusp, órgão responsável pela realização do evento. “A nossa ideia é trazer winformações e experiências feitas no mundo inteiro e que tendem a provocar discussões na produção teatral.”
“Do ponto de vista simbólico, o palco é uma realidade incendiária em si”, comenta Frateschi sobre o argumento escolhido para a primeira Bienal. De acordo com Deise Pacheco, uma das curadoras do evento, o tema “Realidades Incendiárias” emergiu da análise dos espetáculos que viriam a integrar o festival, “tanto por eles serem, cada um ao seu modo, bastante arrojados do ponto de vista estético, como por serem incendiários pela maneira que abordam a realidade em que estão inseridos”.
Na programação, estão espetáculos que refletem sobre guerras civis e ditaduras que assolaram (ou ainda assolam) países por anos e sobre questões universais como a morte e o poder. Há representantes do Oriente Médio, do Leste Europeu, da Argentina e, é claro, do Brasil. O diretor libanês Lucien Bourjeily abriu a Bienal com o espetáculo “66 Minutes in Damasco”, baseado em depoimentos de jornalistas e ativistas que foram presos pelo regime autocrático da Síria. Nele, o público assume o lugar de turistas que, em visita ao país, são capturados pelo seu serviço secreto. Um dos representantes brasileiros é “A Batalha da Maria Antônia”, em que é feita uma exploração guiada pelo prédio da Maria Antônia, antiga sede da faculdade de filosofia da USP, e um jogo em que se reflete sobre a construção da democracia.
Os espetáculos que compõem a Bienal não se resumem ao esquema palco-plateia. “Estamos tentando traduzir a tendência que temos hoje no mundo em termos de espetáculo de teatro, tanto do ponto de vista estético e artístico quanto no do tema”, explicou Frateschi. “Nós temos espetáculos que são mais performáticos, abertos, como também temos os que usam a caixa preta [espaço cênico simples e retangular, com as paredes pintadas de preto e produção sóbria] e tiram proveito dela. A ideia é mostrar um panorama bastante amplo, que não se limite a uma forma de se fazer teatro. Nós queremos mostrar várias maneiras possíveis para isso”. Deise esclarece: “Os próprios espetáculos não são chamados por nós dessa forma, pois eles próprios problematizam o que é um espetáculo. Há variantes das formas cênicas dentro da Bienal. Nós temos imersões cênicas, montagens e trabalhos que são relacionais e encenações em que a plateia fica sentada, mais ou menos dentro de um padrão conhecido, mas que propõe outra relação dentro do que foi apresentado”.
A Bienal também conta com outras atividades para quem se interessa pela discussão sobre o fazer teatral. “Por ser uma atividade da Universidade, estamos livres de qualquer amarra mercadológica”, expõe Frateschi. “Nós temos liberdade para poder realizar o processo do ponto de vista apenas artístico e cultural. A mostra não se caracterizará como apenas mais um festival. É um processo de construção de conhecimento específico para a área de teatro. E a simples apresentação dos espetáculos não resolvia bem a questão. Era preciso uma reflexão”. A programação conta com workshops e minicursos, além de outros eventos: os curto-circuitos, que são debates entre diretores de teatro, as partilhas incendiárias, em que o artista conversa com a plateia sobre determinado projeto desenvolvido por ele, e as rodas de espectadores.
“Essa experiência [rodas de espectadores] é algo muito caro ao projeto. Eu desconheço festivais que façam isso no Brasil”, conta Deise. “Serão mediadas por dois pesquisadores da USP, Flávio Desgranges e Giuliana Simões. Ambos têm uma pesquisa em torno da questão do espectador, da teoria da recepção, da prática de se viver uma experiência cênica. A roda é para acolher o público que quer se aprofundar na experiência de espectador. Ele poderá discutir e terá um espaço poético, em que ele mesmo é visto também como um criador dentro do projeto, que se faz necessariamente do encontro daquele que elabora e daquele que recebe”.
A Bienal de Teatro vem sendo planejada há cerca de dois anos. Foi proposta por Frateschi e Maria Arminda Arruda, atual pró-reitora de Cultura e Extensão. “A Bienal vem ao encontro do interesse da Universidade de construir uma conexão com outras referências culturais e da perspectiva de internacionalização da USP”, diz Deise.