Greve não justifica queda de 30 mil inscritos na Fuvest

Explicações da Pró-Reitoria para recuo nas inscrições simplificam demais problemas complexos (Infográfico: Thiago Quadros)

Desde a edição de 2010 do vestibular, a quantidade de inscritos na prova da Fuvest estava em ascenção. Na edição de 2015, porém, o número de inscrições foi de 141.888, 30 mil a menos que no ano passado, uma queda de 17,5%. Segundo a Pró-Reitoria de Graduação, se trata de um reflexo da última greve realizada em 2014, a mais longa da história da Universidade, e também da consolidação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

No entanto, as demais universidades estaduais de São Paulo, que também passaram por greves neste ano, não sofreram queda nas inscrições. A Unicamp bateu recordes, com mais de 77 mil, e a Unesp superou pela primeira vez os cem mil inscritos.

Lalo Watanabe Minto, professor da Unesp e autor de dois livros sobre o ensino superior no Brasil (“As Reformas do Ensino Superior no Brasil: o público e o privado em questão”, publicado em 2006, e “A educação da miséria: particularidade capitalista e educação superior no Brasil”, de 2014), aponta ao menos outros três fatores a serem considerados para compreender a queda de inscrições para a Fuvest:

Em primeiro lugar, o número de matrículas no ensino médio tem crescido menos nos últimos anos, o que sugere que a quantidade de alunos de concluintes tende a se estabilizar. Além disso, outras universidades passaram a oferecer vagas em municípios próximos a São Paulo. “[É o caso da] Unifesp (Guarulhos, Osasco e Diadema) e a UFABC (Santo André e São Bernardo do Campo). Isso também reduz o protagonismo da USP”, afirma.

Por último, há o possível impacto de programas como Prouni (Programa Universidade para Todos) e Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), que facilitam o acesso ao ensino superior privado por meio de bolsas destinadas a estudantes vindos de escolas pública ou bolsistas de escolas particulares. “Podem fazer com que uma parte dos egressos do ensino médio acabe desistindo de tentar vagas no ensino público, que é muito concorrido e atende, em grande medida, aos egressos da escola privada”.

Minto considera que esses são elementos que, assim como o crescimento do Enem, tem alguma influência em um quadro mais complexo. “Nenhum fator explica tudo”, diz. Discorda, porém, que a situação seja reflexo da greve de 2014. “A principal pauta da greve deste ano foi a melhoria das condições de trabalho, o que pode implicar melhoria das condições de ensino e pesquisa. Por que alguém deixaria de ter interesse em estudar numa universidade assim?”.

Além disso, exemplifica que as greves anteriores não tiveram consequências diretas no número de inscritos no vestibular. De fato, em 2013 (na edição 2014 da Fuvest), ano de greve dos estudantes, não houve queda, nem em 2011 (edição 2012), quando a reitoria foi ocupada em protesto à presença da Polícia Militar no campus da USP.

Segundo a Pró-Reitoria de Graduação, a Universidade estuda atualmente formas alternativas de ingresso. Essa discussão é anterior à divulgação dos inscritos, mas tem se intensificado.

Em um dos eventos da série de debates em comemoração aos 80 anos da Universidade, o pró-reitor Antonio Carlos Hernandes falou ao Jornal do Campus sobre utilizar o Enem como um dos mecanismos de entrada. “Nós temos que possibilitar que estudantes de diferentes regiões do país possam ter a USP como horizonte. Para isso, uma das possibilidades é você ter parte das vagas inserida no Exame Nacional do Ensino Médio. A Fuvest é um exame de sucesso, mas é limitada. O que o Enem faz é aumentar a abrangência”.

A diminuição da quantidade de inscrições na Fuvest chega no final de um ano bastante atribulado dentro da Universidade.  Questões que vão desde a crise orçamentária até os diversos questionamentos que tem sido apresentados pela mídia quanto à gratuidade do ensino foram pautas frequentes.

Segundo Minto, as raízes da crise que se instalou, que tem implicações tanto no âmbito financeiro como de imagem, são consequência de uma política inadequada do estado de São Paulo com relação ao ensino superior: “é uma política de enxugamento de recursos, de cortes sistemáticos, de arrocho salarial e de não democratização. Com o passar dos anos, essa situação vai se agravando: parece que o problema é da universidade, de seus gestores. A partir daí, uma série de ‘soluções’ fáceis aparecem: instituir cobranças de todo tipo, acabar com direitos trabalhistas, chamar professor de marajá e assim por diante”.

A democratização da Universidade, para o professor, passaria, entre outras medidas, pela revisão da forma de escolha dos dirigentes e dos mecanismos de acesso à USP, “para que ela deixe de ser o reduto de poucos interesses que nela possuem hegemonia”, explica.

Por ANA CAROLINA LEONARDI