Estado Islâmico e a dupla face das origens de seu terrorismo

Os conflitos nos países árabes e sucessivas intervenções dos EUA são fatores que influenciaram o furor de grupos terroristas

Alguns historiadores ocidentais do futuro provavelmente dirão que o século XXI amanheceu sob o espectro do terrorismo – conceito esse amplamente difundido pela “Doutrina Bush” -, principalmente em função dos ataques ao World Trade Center, em 2001, nos EUA, passando por outros em Madrid, 2004, Londres, 2005, até o mais recente Charlie Hebdo, 2015, na França.
Esses historiadores analisarão, consequentemente, o florescimento e os aspectos funcionais de grupos terroristas, como o mais noticiado atualmente Estado Islâmico (EI/ISIS). Por fim, se questionarão sobre as causas que fizeram essas organizações tão complexas e polêmicas ganharem tamanha projeção.

Estado Islâmico

Os veículos de comunicação brasileiros costumam se referir ao EI em suas notícias como um grupo jihadista radical islâmico sunita de orientação contrária ao ocidente que busca conquistar territórios através do terror e formar um extenso califado. Atualmente, controla parte do Iraque e da Síria, seu líder é Abu Bakr al-Baghdadi, e seus acólitos parecem não ter limites para alcançar seus objetivos.
Estratégias de terror como decapitações, sequestros, saques e massacres de minorias étnicas, além de outras determinadas formas de horror estão incrustadas no âmago operacional do EI. E os radicais ainda divulgam vídeos dessas atrocidades. Estamos mergulhados na “era do terrorismo”. Mas quais são suas raízes?

Terrorismo decorrente do fracasso dos governos árabes

A destruição causada pelo EI provoca sentimentos de inconformação em qualquer pessoa com noções básicas de direitos humanos. Para analisar os meandros dessa violência e a efervescência política que engloba o Oriente Médio e seus conflitos, é necessário questionar como foi possível que se trilhasse tal caminho.
Para Peter Demant, historiador e professor do departamento de História da FFLCH-USP, o desenvolvimento do EI seria “causado em parte pela ausência de intervenções ocidentais no Oriente Médio quando esta região mais precisava de ajuda”. Em artigo à Folha de S. Paulo, ele discorre sobre como a principal responsabilidade “recai sobre os próprios ditadores árabes que destruíram as oposições não religiosas”.
Segundo Demant, “um monstro deu à luz a outro”, ou seja, o regime do presidente sírio Bashar al-Assad seria um dos maiores responsáveis pela insurgência do EI terrorista, ao criar condições suficientes advindos do “fracasso das forças democráticas e progressistas do mundo árabe”.
Dessa forma, a fraqueza do Estado iraquiano aliada à guerra civil síria teriam tornado possíveis a insurgência de grupos mais radicais, que viram no terror sua predominante forma de ação.

Terrorismo advindo do imperialismo norte-americano

Outra visão sobre as raízes do terrorismo do EI é mostrada pelo sociólogo e diretor do Sindicato dos Sociólogos do Estado de SP, Lejeune Mirhan, na qual a base para todas essas questões estaria na intervenção do imperialismo bélico norte-americano e seu jogo geopolítico de interesses na região do Oriente Médio.
Mirhan lembra da relação que os EUA detinham com os guerrilheiros mujahideen, afegãos que combatiam os soviéticos, e de que Osama Bin Laden, assassinado em 2011, já fora considerado pela mídia ocidental como sendo um guerreiro da liberdade. “Era assim que ele era chamado, quando lutava contra o exército soviético na guerra pela ocupação do Afeganistão pela antiga URSS a partir de 1979. Nessa época, os guerrilheiros islâmicos de Osama receberam armas, milhões de dólares e até mesmo treinamento por parte das agências de inteligência dos EUA. Ou seja, um terrorista criado e apoiado pelos EUA”, afirma.
Mais forte ainda é a ideia de que, para o sociólogo, o reino do terror serve indiretamente ao imperialismo, pois ajuda a enfraquecer os regimes árabes atuais. Ele explica: “Dessa forma, no bojo de uma grande luta política, formam-se dois grandes campos: de um lado, os que defendem a soberania de seus países e possuem concepções anti-imperialistas e, de outro, os que são aliados dos EUA, qual seja, todos os agrupamentos terroristas em ação na região”.
Segundo Lejeune, uma política de não-intervenção norte-americana seria capaz de diminuir o terrorismo que cresce entre os fundamentalistas. “Enquanto os Estados Unidos e seus aliados não desocuparem o Iraque, o Afeganistão, não desmontarem suas bases militares em todo o mundo, não reverem suas formas de tratar os árabes e os muçulmanos em todos os países, ações terroristas vão continuar e são até inevitáveis, por mais que se ampliem os esquemas de segurança.”, comenta.
Uma explicação mais completa levaria em conta os dois fatores, ou seja, tanto o fracasso dos regimes árabes em assegurar uma paz mais sólida como a intervenção demasiada do imperialismo dos EUA na região seriam vistos como causadores do terrorrismo do EI. Entretanto, a realidade mais precisa de nosso presente só sera revelada à luz da história.

por LUÍS VIVIANI