Trabalhadores combatem terceirização

Projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados permite que funcionários sejam contratados para exercer atividades principais da empresa, em vez de apenas funções auxiliares
Estudo aponta que terceirizados trabalham, em média, três horas a mais por semana que os empregados diretos, e ganham 25% menos. (Foto: Fabiano Ibidi)
Estudo aponta que terceirizados trabalham, em média, três horas a mais por semana que os empregados diretos, e ganham 25% menos. (Foto: Fabiano Ibidi)

Há mais de dez anos tramitando pelo Congresso, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, no último dia 8, o texto principal do Projeto de Lei 4.330/2004, com relatoria de Arthur Maia (SD-BA), que regulamenta a terceirização das atividades trabalhistas no país. Contando com a pressão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para impedir novo adiamento, a votação foi encerrada com 324 deputados favoráveis, 137 contrários e duas abstenções.

Com a legislação atual, apenas as atividades-meio – aquelas que não fazem parte do processo específico de produção de uma empresa – podem ser realizadas por funcionários prestadores de serviço, sem vínculo empregatício direto. Já com as alterações, permite-se que as empresas terceirizem também a realização de suas atividades-fim. Assim, uma montadora de automóveis, por exemplo, passa a poder ter funcionários terceirizados não só em suas equipes de segurança e limpeza, mas também na linha de montagem.

A lei é defendida principalmente por federações industriais e comerciais como forma de regulamentar uma atividade já existente e fornecer amparo jurídico às empresas. Em pesquisa encomendada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo ao Instituto GPP, 73,2% das 235 indústrias entrevistadas afirmaram utilizar mão de obra terceirizada, aomesmo tempo em que, das que deixaram de utilizá-la, 53,1% o fizeram devido à insegurança jurídica. A Federação também argumenta que, com a nova legislação, cerca de 700 mil empregos podem ser gerados só no estado de São Paulo, podendo chegar a 3 milhões no país inteiro.

Em entrevista ao JC, Delano Coimbra, assessor jurídico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio), defendeu a terceirização como forma de agilizar a contratação e classificou a lei como vantajosa ao trabalhador, já que a empresa prestadora de serviços passa a ter que fornecer garantia financeira de que irá recolher todos os encargos trabalhistas, como FGTS e previdência social. “Hoje, ele [o trabalhador] pode descobrir quando for mandado embora que não pagaram a previdência, que o fundo de garantia está zerado”, exemplifica. Coimbra também defende que a lei representa melhora na competitividade das empresas nacionais, já que, com o aumento de produtividade resultante da mudança “elas vão poder concorrer em melhores condições com as empresas de fora do país”.

Já os opositores afirmam que o projeto amplia a precarização do trabalho e pode até pôr em risco direitos assegurados pela legislação trabalhista vigente desde 1943. Em aula pública realizada no vão livre do MASP no último dia 16, Ruy Braga, professor da USP e especialista em sociologia do trabalho, voltou a classificar a aprovação da lei como “a pior derrota popular desde [o golpe militar de] 1964”. Ele afirma que, apesar de continuar contemplado pela CLT, o funcionário terceirizado acaba prejudicado pela alta rotatividade. “Você tem uma dinâmica muito perversa de contratação e demissão que faz com que o sujeito se afaste muito daqueles que são os direitos mais ou menos reconhecidos, por exemplo, o décimo terceiro salário, as férias”, explica. Braga cita também a pesquisa conduzida pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconomicos) que conclui que o funcionário terceirizado trabalha cerca de três horas a mais, ao mesmo tempo em que recebe cerca de 25% a menos que aquele contratado diretamente.

A aprovação do projeto também não tem sido bem recebida por centrais sindicais e movimentos sociais, que têm articulado paralisações por diversas cidades, e prometem greves caso a mudança seja efetivada. Em 15 de abril, data definida como dia de mobilização nacional, grupos tomaram as ruas pelo país inteiro. Em São Paulo, o ato principal contou com 40 mil manifestantes, na contagem dos organizadores, ou 3,8 mil, segundo a polícia.

Após a discussão sobre as emendas, o projeto segue para votação no Senado e, caso aprovado, para sanção presidencial. É esperado que a presidente Dilma Rousseff, se alinhada com a votação dos deputados do PT, vete a mudança, ao menos em parte. A Câmara e o Senado, porém, podem derrubar o veto e optar por manter a nova lei.

“Projeto interessa só às grandes corporações”
Contrária à aprovação do projeto, Valdete Severo, juíza do trabalho e integrante do grupo de pesquisa Trabalho e Capital, ligado à Faculdade de Direito da USP, classifica as mudanças na legislação como o retorno “à situação de barbárie que determinou o surgimento de um direito do trabalho”. Em entrevista ao JC, falou sobre as críticas à nova lei:

JC: Um argumento favorável ao PL 4.330 é que ele formalizará a terceirização não regulamentada. A nova lei é necessária? Ela representa proteção ao funcionário?
Valdete: A lei permitirá apenas mais precarização nas relações de trabalho. O projeto interessa só às grandes empresas, que querem enxugar gastos à custa dos direitos dos trabalhadores. Não há necessidade de lei sobre terceirização, o que precisa é o combate à essa forma de atravessamento na relação entre capital e trabalho.

A informação de que a lei, caso aprovada, gerará empregos, também é mentirosa. O emprego da grande empresa será extinto e, em seu lugar, trabalhos precários, mal remunerados e muitas vezes informais, é que surgirão. Retornaremos à situação de barbárie que determinou o surgimento de um direito do trabalho.

JC: A aprovação da lei afeta a todos os trabalhadores?
Valdete: Afeta a todos os brasileiros. O que ocorrerá é o rebaixamento do patamar mínimo civilizatório. Os ministros do TST, quando lançaram um manifesto de repúdio, ressaltaram os problemas sociais que decorrem da terceirização: déficit na arrecadação das contribuições sociais, maiores gastos do Estado com doenças e acidentes de trabalho, redução da renda com prejuízo à economia.

JC: Com a terceirização, o funcionário continua protegido pela CLT. Como a mudança compromete os direitos assegurados?
Valdete: O dano é mais perverso e profundo. É verdade que o empregado terceirizado terá sua carteira de trabalho assinada. Mas grandes empresas que mobilizam grandes categorias se sujeitam a normas coletivas que fixam valores mínimos de remuneração, e o piso não beneficiará os terceirizados. O projeto admite que a mesma empresa contrate sucessivas prestadoras para os mesmos serviços, e isso incentiva contratações de até dois anos para evitar que os trabalhadores fruam férias. Há o que mudar na legislação trabalhista para que efetivamente as normas sejam observadas. A terceirização é o caminho oposto.

Por LAURA VIANA