Repressão em Curitiba suscita debate

Nas redes sociais, reações à violência policial demonstram empatia do público em relação aos professores, que seguem lutando contra condições de trabalho deterioradas pela crise econômica

O dia 29 de abril de 2015 marcou a história do Paraná. A polícia militar do estado, em ação para proteger a votação de um projeto de lei, deixou mais de 200 pessoas feridas – em sua maioria, professores. Em oposição à ideia de “confronto”, muitos estão escolhendo a palavra “massacre” para nomear o episódio. Escolha feita por gente influente como Priscilla Placha Sá, advogada criminalista e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mas também por muitos internautas que, através das redes sociais, compartilharam impressões com suas redes – menores, mas não menos importantes – de influência. Através de uma análise topográfica desses compartilhamentos, o portal InterAgentes constituiu o grafo que ilustra o final desta reportagem, traçando um panorama amplo das reações virtuais ao incidente.

A partir da obtenção desses dados, o portal mostra que o episódio trouxe à população paranaense ânimos bastante distintos daqueles gerados por situações semelhantes, em momentos e estados brasileiros diferentes. No gráfico, a área marcada pela tonalidade rosa confirma o que a escolha vocabular majoritária já indicava: diante do ocorrido, a maior parte dos internautas condenou os policiais e defendeu os professores. A área indicada pela cor roxa, extremamente menor e isolada das demais, corresponde aos 5,4% que defenderam o comportamento da PM, concordando que, se houve violência, foi somente porque os guardas foram obrigados a reagir. Segundo a professora Priscilla, esse pretexto é comum diante de ações policiais truculentas, quando se procura explicar a agressividade pelo caráter “perigoso” de determinados grupos. Seja nas ruas ou no discurso, é a presença deles que tranquiliza a mente desses 5,4%, além de todos os que, diante daqueles outros momentos em outros estados, concordam que os “confrontos” nunca acontecem por culpa da polícia.

Pátria Educadora

A reação particular ao episódio paranaense parece encontrar explicação na profissão das vítimas. Em um momento histórico em que a insatisfação toma conta de uma grande parte dos brasileiros, uma das demandas mais recorrentes é a que pede maior atenção à educação. O “massacre”, portanto, daqueles que são peça-chave no alcance dessa meta não poderia ter tido repercussão diferente.

Além das imagens e dos relatos marcantes do 29 de abril curitibano, no entanto, está a violência silenciosa que os precedeu. “Violência do descaso”, como disse o analista político Paulo Vannuchi sobre os professores paulistas, em entrevista à rádio Brasil Atual. Apesar dos Estados diferentes, os momentos em que esses profissionais se encontram são tudo, menos isso.

Enquanto a USP passa pela maior crise financeira dos últimos tempos, as universidades estaduais paranaenses passam por dificuldades análogas. “Elas estão passando pelo arrocho mais profundo de sua história”, conta Érico Ribas Machado, professor do departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). “Cada uma está tendo que negociar mês a mês com o governo do estado, para conseguir pagar suas contas”. Segundo ele, os problemas econômicos que atingem vários estados estão sendo repassados a áreas essenciais, como a da educação. “Atualmente, o que verificamos como mais presente nas políticas educacionais e na gestão do trabalho pedagógico é uma lógica empresarial”.

Secretário de Educação paranaense até dia 6 de maio, Fernando Xavier Ferreira veio de instituições privadas e tinha uma experiência ínfima na área da educação antes de assumir o cargo. Segundo Romualdo Portela de Oliveira, professor do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da USP (FE/USP), essa origem é, por si só, problemática. “Pessoas vindas do setor privado têm uma visão muito montada por essa origem, supondo que as relações são hierarquizadas como em empresas”, explica. “O sistema público de educação não funciona assim, é preciso ter diálogo com os professores”.

Esse diálogo está em falta, e não só no Sul. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, vem negando na mídia a greve de seus professores estaduais, que alegam estar paralisados há mais de 50 dias. Sem poder negar a presença e o barulho dos manifestantes em frente ao Palácio Iguaçu, sede do governo do Paraná, o governador Beto Richa parece ter sido obrigado a encontrar uma maneira de silenciar os seus. O pretexto para a convocação de 1.500 policiais militares à região era a votação de um projeto de lei proposto pelo próprio Richa, do qual discordam não só a maior parte dos professores estaduais, mas também diversos outros servidores públicos.

A lei sancionada por Richa no dia 30, altera o plano de financiamento da ParanáPrevidência, responsável pela previdência dos servidores estaduais. “Existe uma conta que estima que, antes dessa situação, havia uma projeção de 59 anos com fundos para pagamento”, explica o professor. “Agora, com a nova lei, pode ser que daqui a 10 anos o estado não tenha mais dinheiro para pagar aposentados”.

Confronto, massacre, estopim

O episódio curitibano do dia 29 de abril esclareceu, para os que deram volume à mancha rosa do gráfico, a ideia de que nenhum grupo ou indivíduo, por mais “perigoso” que seja, justifica a violência policial. Depois de chocar, esse dia sangrento pode também abrir questionamentos sobre o que teria permitido atingirmos essas cenas tão marcantes.

Diante da truculência da polícia, já foram organizadas diversas manifestações, inclusive em São Paulo, em solidariedade às vítimas. Em assembleia na terça-feira, dia 5, a manutenção da greve foi decidida. Vanessa Rodrigues, professora da Universidade Estadual do Centro Oeste Paranaense (UNICENTRO), exalta a luta dos professores. “Atualmente, a desconfiança e resistência são nossas principais armas e escudos”, diz.

O grafo representa a repercurssão do “massacre” na internet. A área rosa corresponde aos compartilhamentos que defenderam os professores (Grafo: InterAgentes).

Por Giovana Feix