“A resistência do movimento estudantil e sindical tem impedido que a USP vá pro ralo”

Demitido por suas atividades sindicais, o ex-funcionário Claudionor Brandão fala sobre as irregularidades dos processos que sofreu e de sua militância como diretor do Sintusp

Claudionor Brandão, funcionário da USP demitido em 2008, falou ao JC sobre os processos que sofreu, sua demissão e os movimentos sindical e estudantil na USP. Atualmente, os trabalhadores da USP lutam por sua reintegração ao corpo de funcionários, e o processo aguarda decisão de recurso em Brasília. Diretor do Sintusp desde 1988, ele segue militando na universidade e recebe do sindicato um auxílio financeiro correspondente ao que seria seu salário. Símbolo da repressão anti-sindical na USP, ele ressalta: “Isso não se refere só a minha pessoa, acontece com atuais diretores do sindicato, ex-diretores, ativistas, etc. A perseguição é generalizada, como está acontecendo agora também.”

 

(Foto: André Meirelles)
(Foto: André Meirelles)
Perseguição

Os processos que conduziram à minha demissão foram três. Em 2002, houve uma greve na USP, e o pessoal da SAS, do restaurante da Física, tinha aprovado a adesão à greve. Só que a chefia e mais umas três pessoas disseram que não iriam aderir, e que iam trabalhar. Então o pessoal pediu pra gente ir lá conversar com eles. Fomos conversar no primeiro dia da greve, mas eles não quiseram nem ouvir a gente. Nós tínhamos uma reunião na prefeitura e depois uma assembleia na frente da reitoria. Então nós do Sintusp fomos até a prefeitura, fizemos a reunião e descemos juntos em passeata até a reitoria. Terminada a greve eu fui intimado a depor num processo administrativo de sindicância. Bom, problemas”. Foi o suficiente para o pessoal se assustar e parte deles decidir voltar a trabalhar. O pessoal do Comando de Greve da FAU pediu para que alguém fosse lá para conversar com o pessoal. No outro dia, fomos lá eu e o Givanildo [diretor do sindicato]. Reunimos as pessoas que estavam em greve lá, cerca de 150 e fizemos uma reunião. Dissemos que só havia uma solução para aquilo, já que o diretor tinha ameaçado os trabalhadores a voltarem a trabalhar na marra. A gente propôs fazer o inverso: entraríamos lá pra conversar, se eles quisessem retornar à greve eles sairiam e montaríamos um piquete na porta, e nem o diretor entraria. Isso foi aprovado por aclamação. Estávamos informando o pessoal do que havia sido decidido quando o diretor entrou com 200º de febre: “Aqui ninguém vai vir constranger, ninguém vai vir aqui ameaçar os trabalhadores, não vou permitir”. Ele chegou falando como se a gente estivesse de fato ameaçando as pessoas. Aí eu falei pra ele “quem ameaçou as pessoas aqui foi você, e se você vai gritar nós vamos responder no mesmo tom. Cargo de diretor aqui pra gente não vale nada.’’ Ele continuou gritando, e eu disse que se as pessoas estivessem de acordo, elas iriam sair e íamos fechar aquela biblioteca. Então nós nos retiramos. Passados cinco minutos, os funcionários da biblioteca saíram. O diretor mandou eles se retirarem e só voltar quando ele os convocasse. E mandou trancar a porta da biblioteca. No dia seguinte circulou um documento dele na FAU dizendo que o sindicato, a frente de 150
do que eu estava sendo acusado? Depois que eu saí do restaurante da Física, alguém jogou quase um litro de amoníaco no salão. O cheiro daquilo é insuportável, e as pessoas se mandaram [e não puderam trabalhar]. Levou semanas para sair o cheiro. Eu era acusado de ter feito isso. Tinha pelo menos quatro centenas de testemunhas indo para a reitoria comigo no mesmo horário em que eu era acusado de jogar o produto, e ouviram várias delas. Conclusão do processo: eles disseram que não havia provas de que eu houvesse sido autor do ato, mas que haviam reunido provas robustas de que eu havia contribuído para que outras pessoas o tivessem feito. Eu fui condenado a cinco dias de suspensão por haver concorrido para que um grupo de pessoas, que eu não sei quais foram e quem são, houvesse jogado amoníaco no salão do restaurante da Física.

Discussão com diretor

Em 2005, houve outra greve na USP. Nós tínhamos conseguido aprovar na Lei de Diretrizes Orçamentárias do estado um aumento das verbas da universidade dos 9,57% para 10,05% do ICMS. Só que o governador, Cláudio Lembo, vetou. Então convocamos uma greve para derrubar esse veto. Os funcionários da FAU aderiram com muita força à greve, inclusive os da biblioteca. Então, o diretor da FAU na época, prof. Ricardo [Toledo Silva], foi para a biblioteca aos berros e disse “a minha biblioteca ninguém vai fechar”, como se a biblioteca fosse dele e não da FAU. “Ou vocês abrem a biblioteca ou vamos terproblemas”. Foi o suficiente para o pessoal se assustar e parte deles decidir voltar a trabalhar. O pessoal do Comando de Greve da FAU pediu para que alguém fosse lá para conversar com o pessoal. No outro dia, fomos lá eu e o Givanildo [diretor do sindicato]. Reunimos as pessoas que estavam em greve lá, cerca de 150 e fizemos uma reunião. Dissemos que só havia uma solução para aquilo, já que o diretor tinha ameaçado os trabalhadores a voltarem a trabalhar na marra. A gente propôs fazer o inverso: entraríamos lá pra conversar, se eles quisessem retornar à greve eles sairiam e montaríamos um piquete na porta, e nem o diretor entraria. Isso foi aprovado por aclamação. Estávamos informando o pessoal do que havia sido decidido quando o diretor entrou com 200º de febre: “Aqui ninguém vai vir constranger, ninguém vai vir aqui ameaçar os trabalhadores, não vou permitir”. Ele chegou falando como se a gente estivesse de fato ameaçando as pessoas. Aí eu falei pra ele “quem ameaçou as pessoas aqui foi você, e se você vai gritar nós vamos responder no mesmo tom. Cargo de diretor aqui pra gente não vale nada.’’ Ele continuou gritando, e eu disse que se as pessoas estivessem de acordo, elas iriam sair e íamos fechar aquela biblioteca. Então nós nos retiramos. Passados cinco minutos, os funcionários da biblioteca saíram. O diretor mandou eles se retirarem e só voltar quando ele os convocasse. E mandou trancar a porta da biblioteca. No dia seguinte circulou um documento dele na FAU dizendo que o sindicato, a frente de 150 pessoas estranhas à faculdade, havia ocupado a biblioteca, ameaçado de agressão física os funcionários, colocado em risco o acervo, e por não haver condição de garantir a integridade física dos funcionários e a integridade do acervo, ele havia decidido fechar a biblioteca e dispensar os funcionários até segunda ordem. Então o Comando de Greve tirou um documento bastante desaforado dizendo que ele estava mentindo. Terminada a greve, começa um processo administrativo. Contra quem? Contra o Brandão. A acusação era que nós havíamos invadido a biblioteca, ameaçado as pessoas, colocado o acervo em risco e insultado o colega de trabalho (o diretor), ferindo assim o código de ética da universidade. Bom, esse processo administrativo rodou também, isso em setembro de 2005, e foi pra gaveta.

 

Greves na "Era Brandão" (Arte: Laura Viana)
Greves na “Era Brandão”
(Arte: Laura Viana)
Solidariedade com as terceirizadas

O tempo passou e no ano seguinte, 2006, entrou uma nova empresa terceirizada que começou a trabalhar na USP, com cerca de 500 funcionárias de limpeza. No final do mês de março começa a chover as queixas no sindicato. A situação foi ficando cada vez mais precária, até um grupo de funcionárias da Educação chegar e dizer que não dava mais: a encarregada tinha chegado a mandar elas comerem no banheiro. Nós não podíamos atuar como interlocutor dessas trabalhadoras junto à empresa porque não somos o sindicato delas, mas nós temos o direito e o dever da solidariedade, e podemos atuar com elas junto à reitoria. Já havíamos feito isso várias vezes em outras situações com trabalhadores terceirizados, de limpeza, de construção civil e de segurança. É uma prática que a gente tinha e mantemos até hoje. Chamamos todo mundo pra porta da reitoria no dia seguinte. Estávamos lá, com cerca de 100 funcionárias da limpadora pressionando para que a reitoria atendesse. Eles diziam que estavam esperando a empresa chegar. Mas antes disso, chegou uma kombi sem identificação nenhuma e desceram dela uns dez caras enormes, e eles não chegaram pra conversar. Eles chegaram sentando o braço em todo mundo que estava lá e bateram em mulheres grávidas. Fomos espancados igual tamborim em ensaio de samba. Quando eu consegui me desvencilhar dos “bate-paus”, tentei entrar na reitoria para ligar pro sindicato e pedir ajuda, lá tinha uma reunião com mais de 100 pessoas. Mas a segurança fechou a porta. Eu bati na porta pra abrir até que quebrou e cortou todo o meu braço. Nesse meio tempo chegou a polícia com gás de pimenta aqui, cacetete ali e levou os feridos, inclusive eu, pro hospital, agressores pra delegacia. No final foi aberto um processo administrativo em que fomos acusados de insultar a diretora de serviços gerais da Educação, de aliciar trabalhadores terceirizados a provocar tumulto na reitoria, no meu caso dano ao patrimônio, já que eu quebrei a porta. Como eu quebrei a porta acidentalmente, o sindicato pagou os vidros. A sindicância concluiu da seguinte forma: “Constatou-se que o acusado não pode ser responsabilizado pelos seus atos, visto que estava sob efeito de espancamento violento e por consequência, não era senhor de seus atos. Sugere-se a abertura de processo administrativo para averiguar porque ele não estava no trabalho e o que estavam fazendo na porta da reitoria nesse horário.”
Nessa época eu não estava liberado para o sindicato. Mas era o dia da reunião mensal do Conselho de Base. Então havia sido concedida a liberação de todo mundo, inclusive a minha. Como a gente havia acompanhado a situação das trabalhadoras, nos ausentamos da reunião e estávamos com elas. O processo sugeriu uma suspensão de 20 dias por eu haver extrapolado os limites da minha função sindical e atuado em defesa de interesses alheios à USP, já que as trabalhadoras em questão eram terceirizadas. Então o próprio patrão determinou o limite da minha ação sindical, me julgou por ter ultrapassado esse limite e me deu 25 dias de suspensão por isso. Eu cumpri essa suspensão entre outubro e novembro de 2008, e retornei. Pisei na prefeitura no dia 9. O assessor do prefeito me chamou e disse que tinha uma notícia que não era boa para me dar, mas que vinha da reitoria. Era demissão por justa causa. Qual o motivo? Eles desenterraram o processo que estava parado há três anos na FAU, que era a briga com o diretor, me condenaram nesse processo, e o consideraram reincidência [do processo da confusão da reitoria, que aconteceu depois]. Então, a partir disso, eu fui demitido por justa causa.

(Foto: André Meirelles)
(Foto: André Meirelles)
Ilegalidades

Há uma série de irregularidades nos processos e na demissão. Primeira: diretor de sindicato é portador de estabilidade sindical, nesse caso o empregador não pode conduzir um processo que leve a demissão, porque ele é interessado. Teria que entrar na justiça com a solicitação de um inquérito de falta grave conduzido pela justiça, e se ela concluir pela ocorrência da falta grave, então ela autorizaria o empregador a rescindir o contrato. A USP tomou pra si a atribuição da justiça do trabalho, julgou e demitiu. Segunda questão: Eu sou contratado por CLT e nela não existe o perdão tácito: se você cometeu uma falta e o patrão entende que justifica uma punição, ele tem o prazo de 30 dias pra tomar as medidas que ele julgar necessárias. Transcorridos os 30 dias ele não pode mais fazer isso, porque sucumbe o prazo para a punição. Dos dois primeiros processos passaram mais de dois anos. Terceira questão: um fato ocorrido em 2005 não pode ser considerado reincidente em relação a um fato ocorrido em 2006. A condenação [pelo episódio da FAU], sim, aconteceu em 2008, mas o fato em si aconteceu em 2005. E ele foi considerado reincidência em relação ao fato ocorrido um ano depois [a confusão na frente da reitoria], então outra manobra também. E uma série de irregularidades no processo.

Luta na USP

A qualidade de ensino na USP hoje não é a mesma das décadas de 80 e 90. Ela sofreu uma expansão sem ter a contrapartida de investimento. Se não fosse muita luta contra o governo para aumentar as verbas, ela estaria muito mais sucateada hoje. Se não fosse muita greve para manter os níveis salarias dos bons professores e bons técnicos, a qualidade do ensino hoje e a condição de pesquisa teria retroagido muito mais do que retroagiu. Muito longe de prejudicar os estudantes como as greves são acusadas, se deve a elas a qualidade que resta. Se essa universidade hoje não cobra mensalidade, isso se deve a uma greve de estudantes, professores e funcionários que em 2000 obrigou o deputado Vaz de Lima a retirar o projeto que propunha abertamente a cobrança de mensalidade. Se a FFLCH continua existindo hoje na USP se deve a uma greve de 106 dias de estudantes que paralisaram a faculdade para obrigar a reitoria a contratar 180 professores. Tinha aluno que não tava conseguindo se formar porque ele dependia de matéria que não tinha professor. Hoje muitos desses 180 professores que devem seus empregos e suas localizações na carreira à greve de estudantes dizem que “greve na universidade é um crime”. Mas ele deve o emprego dele à greve. Essas medidas de resistência do movimento estudantil e sindical têm impedido que a universidade vá pro ralo.

Por: Fernando Magarian e Mariana Miranda