Cem anos de João Batista Vilanova Artigas

Um dos idealizadores do brutalismo paulista, o arquiteto e docente da USP recebe homenagens em seu centenário

Em junho de 2015 Vilanova Artigas completaria 100 anos. O arquiteto foi professor da Universidade de São Paulo na Escola Politécnica e na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). No início dos anos 60, foi responsável pelo projeto de construção de vários prédios situados na cidade universitária Armando de Salles Oliveira, como algumas áreas do Conjunto Residencial da USP (CRUSP), o edifício dos departamentos de história e geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e a própria FAU.

Artigas não se limitou a ser um bom profissional. Como arquiteto, demonstrava sua paixão pelo ofício se dedicando não só a suas obras, mas também ao crescimento da área. Foi um dos fundadores do departamento de São Paulo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Sempre bastante ativo politicamente e membro do Partido Comunista, utilizou sua arte como ferramenta de luta contra a repressão da ditadura, procurando dar um caráter de formação humanista em suas obras.

Por ser militante, enfrentou uma aposentadoria compulsória após o Ato Institucional 5, uma prisão pelo DOI-CODI em 1974 e um breve exílio no Uruguai. Como docente, se envolveu na elaboração e reformulações do curso de graduação da FAU, conseguindo reconhecimento de colegas e alunos. Ainda no período ditatorial, ao ser demitido da faculdade em decorrência de sua militância, encontrou apoio nas reivindicações de estudantes para retornar ao cargo e foi convidado para ser paraninfo em diversas turmas de formandos.

O professor associado da USP São Carlos, Miguel Antônio Buzzar lançou, no final de 2014, o livro João Batista Vilanova Artigas – Elementos para a compreensão de um caminho da arquitetura brasileira, 1938-1967, fruto do seu mestrado defendido em 1996, na época, o primeiro trabalho acadêmico sobre o arquiteto.

Segundo o docente, o que o atraiu foi a relevância de Artigas para a arquitetura moderna brasileira. Sobretudo, suas realizações como um dos principais idealizadores da Escola Paulista, uma corrente moderna que foi influenciada por projetos de Le Corbusier, na Europa. A corrente/Escola Paulista, também chamada de brutalismo, cria obras cuja finalização era feita com o próprio concreto, preservando a sua forma e rugosidades. O objetivo era não só transparecer como também valorizar o processo construtivo, ao invés de ocultá-lo com revestimentos de acabamento.

Segundo Buzzar, a técnica contém um caráter que vai além da estética, dando um sentido ideológico para as obras: “a arquitetura moderna brasileira sempre esteve vinculada a ideia de se associar ao desenvolvimento nacional. Artigas tem uma visão dessa modernização, do momento em que o Brasil passa por uma transformação de um país agrário pra um país industrial. A sua obra expressa justamente as tensões dessa transição, que ficou inacabada. Ele utiliza a simbologia do concreto para mostrar justamente as dificuldades desse processo de desenvolvimento. Então, ao invés de apresentar uma arquitetura refinada, que esconde todo o processo de acabamento, ele vai expressar o processo de desenvolvimento da construção civil, que agrega aspectos arcaicos e modernos. Por exemplo, o concreto armado é um material moderno, mas o canteiro de obras é, no Brasil dos anos 50 e de certa forma até hoje, muito arcaico, com mão de obra explorada”.

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Acervo da família Artigas

Artigas explorava o caráter social em suas obras. É possível observar que em seus projetos os espaços de convívio, como as salas e pátios, são maiores que os aposentos individuais, como quartos. “Existe uma relação simbólica de que os ambientes coletivos estariam se dando na formação de um sujeito, um indivíduo mais apto a uma vida coletiva. E que transporta essa vida coletiva para a cidade e para uma vida pública”, explica Buzzar.

Naturalmente, esta é a concepção de Vilanova ao projetar e não necessariamente o que acontece. De toda forma, o raciocínio é relevante e acaba por influenciar outros arquitetos da época, além de ainda hoje provocar uma discussão interessante sobre a função social do arquiteto, sobretudo em momentos instáveis como a ditadura. De acordo com Miguel Buzzar: “é criada uma dimensão de espaço de formação social e política, em contraposição ao regime militar, uma realidade de opressão”.

Por conta do centenário de Artigas, uma programação de eventos está sendo realizada. Em 1 de julho, sua filha, Rosa Artigas, lançará o livro Vilanova Artigas, que analisa mais de quarenta projetos do arquiteto, inclusive inéditos. No final de 2014 foi colocado no ar o site www.vilanovaartigas.com, que abriga uma linha cronológica com toda a história pessoal, de militância e de produção do homenageado.

Sua neta, Laura Artigas, também disponibilizou no site vários vídeos que compõem uma websérie com depoimentos de conhecidos. Ainda para este ano, o documentário Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz, dirigido por ela, será divulgado. Tanto o livro quanto o documentário serão lançados na Ocupação Vilanova Artigas, do Itaú Cultural. A exposição também será composta de projetos e manuscritos do arquiteto, debates e oficinas.

Ocupação Vilanova Artigas
De 24.06 à 9.08
Terça à sexta das 9h às 20h [permanência até as 20h30]
sábados, domingos e feriados das 11h às 20h
Itaú Cultural – Avenida Paulista, 149, Paraíso, São Paulo/SP

Por Jullyanna Salles