Violência policial é contestada nos EUA

Assassinato de jovens negros gera onda de protestos em Baltimore e reacende debate sobre abordagem dos suspeitos pelos agentes e discriminação deles com minorias

Baltimore, cidade costeira na região nordeste dos Estados Unidos, é palco de intensa agitação popular. Após a morte do jovem negro Freddie Gray, causada por ferimentos incorridos durante seu tempo em custódia da polícia, protestos e movimentos sociais tomaram a cidade natal de Billie Holiday. O descontentamento de alguns que protestavam se expressou em saques e depredações. Exigindo justiça para os responsáveis pela morte e a própria desmilitarização da polícia que os integra como algumas das pautas levadas às ruas, manifestantes organizaram dezenas de ações, muitas, sob forte repressão policial. Em resposta, a prefeita decretou o toque de recolher na cidade no dia 28 de abril.

As manifestações que ainda ocorrem em Baltimore seguem a onda de insatisfação da população negra estadunidense em diversas regiões, sendo que, no final do ano passado, na cidade de Fergunson, estado de Missouri, outro assassinato de um jovem negro trouxe protestos pelo fim da violência policial estabelecida contra a comunidade afrodescendente. Com cartazes com os dizeres ”black lives matter” (a vida dos negros importa), manifestantes chamaram a atenção acerca dos diversos assassinatos de pessoas negras por membros da força policial, boa parte delas desarmadas quando mortas. O conjunto de pessoas que compõe as manifestações é bastante heterogêneo e, em sua grande parte, se organizam e articulam através da internet, por meio de inúmeros fóruns, comunidades e grupos de discussão em plataformas como Reddit, Twitter e Facebook. O grupo de estudantes que se intitula “City Bloc” no Facebook, com o qual o JC fez contato, se denomina como “Um coletivo de base política de estudantes contra a injustiça social em Baltimore”. Espécie de centro de discussões dos protestantes, a comunidade traz debates, textos de interesse e até vídeos em tempo real das manifestações.

Livres de uma mediação externa das mídias tradicionais, a conferência de pessoas que se puseram online para tratar os temas que tangem as agitações recentes nos Estados Unidos define as demandas dos protestos em diversos tópicos, sendo em sua maioria, a defesa da criação de mecanismos que controlem e monitorem a violência policial de cunho racial no país, como uma lei contra a discriminação encaminhada ao senado, a “The End Racial Profiling Act”.

Lais Tiranossauro
Imagem: Lais Tiranossauro
Bancos de dados

O engajamento em torno do monitoramento da violência policial tem se aprimorado. Grupos de defesa dos direitos civis tem se formado com esse propósito, enriquecendo o debate sobre a natureza da ação policial nos Estados Unidos. Tendo em vista que, muitos criticam os meios oficiais que realizam esse acompanhamento de homicídios perpetrados pela polícia, dizendo que, boa parte das mortes não chega à lista e, os que chegam, são apenas os tachados como “homicídios justificados”. David Klinger, um professor associado de criminologia e justiça criminal na Universidade do Missouri, especializado no estudo sobre policiamento e o seu uso da força letal, disse em entrevista ao site FiveThirtyEight: “Ninguém que conheça alguma coisa sobre o SHR (relatório de homicídios justificados) dá qualquer credibilidade aos números que eles chamam de “homicídios justificados”. Por isso, foram criados bancos de dados sobre as mortes cometidas por policiais, como o fatalencounters. org, organizado pelo jornalista D. Brian Burghart. Segundo últimas investigações dos sites responsáveis pelos bancos de dados, pelo menos 304 cidadãos negros foram mortos em ações policias em 2014 nos Estados Unidos, sendo que, mais de 100 entre os quais, estavam desarmados.

A disparidade entre o tratamento policial entre brancos e negros é espantosa e se estende a todos os seus aspectos, por exemplo: em maio de 2015, segundo dados compilados por três bancos de dados – fatalencounters. org, killedbypolice.net e uspoliceshootingdatabase – que registram os homicídios cometidos por policiais, um negro possuía quatro vezes mais chance de ser morto do que um branco e, além disso, enquanto “somente” 16% dos brancos mortos estavam desarmados, 47% dos negros assassinados estavam desarmados. O país, que por mais da metade do século XX, empregou contra seus cidadãos negros uma segregação racial institucionalizada- sancionada por lei, ainda possui muitos resquícios de sua experiência escravocrata. A demanda pela desmilitarização da polícia, bandeira também levantada por muitos grupos no Brasil , apesar de diferentes em suas conjunturas, sem dúvida, são reivindicações sociais por um mesmo propósito: o fim do tratamento marcial da polícia para com a população que, afinal, teoricamente serve.

Por: João Cesar Diaz