Diretor da FFLCH fala com exclusividade ao JC sobre estudante baleado

Sérgio Adorno garante que tomará medidas de apoio ao estudante ferido e afirma que não havia macas para atendimento no local. Estudante Alexandre Cardoso foi baleado na noite de ontem, próximo ao prédio da Letras
Sérgio Adorno
Sérgio Adorno, diretor da FFLCH. Foto: Reprodução NEV

O estudante Alexandre Cardoso, do quarto ano de Letras, foi baleado ontem na FFLCH após tentativa de assalto. Na manhã de hoje, o diretor da unidade, professor Sérgio Adorno, foi entrevistado com exclusividade pelo Jornal do Campus e falou sobre o posicionamento da FFLCH a respeito do caso, além de comentar sobre a situação da segurança na USP.

De acordo com informações recebidas por Adorno, Cardoso foi socorrido por estudantes, professores e funcionários que passavam pelo local, e em seguida, levado ao Hospital Universitário (HU) em veículo da Guarda Universitária.

Adorno confirmou que o aluno de 28 anos foi carregado em uma maca improvisada, uma vez que não havia esse tipo de equipamento disponível na faculdade. Confira a entrevista na íntegra a seguir.


Que providências a FFLCH tomará como auxílio ao estudante baleado?
Faremos o que está na nossa competência. Claro, estou preocupado com o estado de saúde dele, estamos todos querendo que ele possa retomar as atividades normais.
A providência que posso tomar é dar um auxílio ao estudante baleado. Estou vendo a possibilidade de garantir para ele que esse fato não interrompa o desempenho dele no curso. Então, estou verificando como é o procedimento para que ele possa retomar até poder recuperar o conteúdo das disciplinas e poder receber assistência acadêmica didática em função dos acontecimentos de que ele foi vítima. Então o que eu posso fazer é ir acionando a Comissão de Graduação para verificar quais são as medidas que podemos tomar para que ele não tenha nenhum prejuízo em sua trajetória acadêmica no curso que está vinculado.

Uma das testemunhas ouvidas pelo Jornal do Campus afirmou que o estudante foi carregado em uma placa, pois não havia macas na unidade. A FFLCH está ciente dessa informação? Realmente não há macas na unidade? Se sim, é avaliado como necessária a existência de tal tipo de equipamento?
Sim, realmente não havia macas. A informação que obtive foi a seguinte: ele estava se dirigindo para pegar o carro dele, foi abordado, tentou fugir do assalto e foi alvejado.E ele caiu ali. Imediatamente foi chamada a Guarda Universitária, que estava próxima, e então chamaram a polícia militar e contataram o HU. Como ele estava sangrando muito, acharam que talvez não desse para esperar, então a própria Guarda Universitária recolheu no carro deles e levou pro HU.
Houve um improviso porque de fato não há macas, então o colocaram no veículo da guarda. Eu recebi uma informação, não tenho outras e não tenho como checar isso. O que nós temos aqui são cadeira de rodas. Nunca ocorreu de ter macas; o órgão que cuida das questões de segurança no prédio nunca pediu. Mas já tomei as providências agora cedo para cada prédio ter pelo menos uma maca. Essas coisas acontecem e a gente aprende com o acontecimento.

O senhor tem mais informações sobre o estado de saúde do estudante baleado?
A informação mais recente que eu tenho é que o estado dele é estável e tem um período de observação que vai de 48 a 72 horas. Agora ele está na UTI.

Após o ocorrido, a Polícia Militar prendeu três suspeitos do crime, todos menores. Já houve algum tipo de conversa com a Secretaria de Segurança Pública ou com a Polícia Militar acerca da ação de ontem?
Eu não tive nenhuma conversa, minha conversa foi direto com a Superintendência de Segurança da USP. Eles é que trataram do assunto com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e com a PM. Se tivesse acontecido dentro do prédio, aí seria outra situação. Mas trata-se de um policiamento que tem de ser feito no entorno dos prédios. A área é pública, certo?
Claro que estou à disposição para conversar e dar quaisquer informações e esclarecimentos que sejam necessários. Mas não entrei em contato direto nem com a SSP e nem com a PM.

Então, ontem, o senhor não teve uma participação direta durante o ocorrido?
Não, porque inclusive eu estava fora num evento de natureza pessoal, e só tomei conhecimento da informação por volta da 00h.

Como a FFLCH lida com sua segurança? Há um acordo específico com a Guarda Universitária e a PM, ou isso não cabe à diretoria?
Não, não tem nenhum acordo específico. Periodicamente eu recebo informações aqui de insegurança: professor, aluno, funcionário, que foi buscar seu veículo no estacionamento ou foi ao ponto de ônibus e se sentiu inseguro, ameaçado, foi vítima de um furto ou coisa parecida; nesse momento eu costumo pedir à superintendência um reforço na vigilância, as rondas, sobretudo para que as pessoas possam ter o mínimo de segurança para ter sua integridade física assegurada. Então, é isso que normalmente é feito. Não tenho nenhum acordo específico.

Como a unidade avalia a ocorrência de mais um caso de violência na USP (apenas nesse mês, já tivemos um assalto na Odonto)? Na visão da FFLCH, o novo plano de policiamento comunitário em vias de ser implantado pode ser efetivo na prevenção de situações como essa?
Isso ainda é preciso entender. Porque se você olhar a configuração da USP, é complicado porque ela facilita [a insegurança]. Então temos espaços que muitas vezes não são iluminados, ou a iluminação não é totalmente satisfatória.
Se a gente olhar o que era antes e o que é hoje, melhorou muito. Mas ainda é insatisfatória. Então, eu diria que a gente tem que ver o que está acontecendo. Eu, como pesquisador, analiso tendências, e tendências, pra mim, a gente configura num certo período de tempo. Então, acho que ainda é muito pouco. São três acontecimentos. Claro que são graves, claro que devemos ficar de olho e sobretudo verificar que medidas de curto prazo podem ser tomadas. Acho que de todo modo, ainda é precipitado a gente dizer “é por causa disso ou daquilo”.
tem-se uma visão na mídia de que a USP é um lugar absurdamente violento. Mas se formos comparar com a taxa de crimes no restante da cidade de São Paulo, a USP é na verdade muito segura.
É claro, é exatamente isto. Agora, porque tem essa grande repercussão? Porque você imagina que a USP seja altamente classificada. Se você for olhar o número de acontecimento pelo número de pessoas que circulam diariamente aqui na USP, ela é assim classificada. Mas como esses acontecimentos eram mais raros e agora tendem a ser um pouco mais frequentes, dá a entender que aqui virou o grande foco da delinquência na cidade de São Paulo.
Mas também não vamos esquecer de um dado muito importante: muitos anos atrás, a Cidade Universitária era um campus praticamente isolado da cidade, e hoje ela está dentro da cidade e a cidade está dentro da USP. Então não podemos imaginar que somos uma ilha de proteção.

Sobre o fato de os três suspeitos serem menores de idade e talvez moradores da comunidade Jardim São Remo, o senhor avalia que isso pode trazer alguma discussão preconceituosa ou fechar ainda mais as portas da universidade para o público?
Eu acho que isso é uma outra discussão. Nós como USP temos de ter uma política com a São Remo, até porque há muitos trabalhadores da universidade que são trabalhadores da São Remo, e não acredito que lá seja uma comunidade só de pessoas delinquentes. Tem muitos estudantes que moram na São Remo.
Acho que temos que discutir, sim, a polícia, pois não há solução de segurança sem polícia. Porém, não podemos reduzir o problema da segurança ao problema de polícia. Temos que ter um campus que tente criar uma relação [com a comunidade]. Porque muitos pensam que de fato a São Remo é vista como uma coisa à parte da USP. A gente tem de entender que isso é meia verdade. Nós precisaríamos ter um programa de extensão duro, competente. É possível que haja muitas ações hoje. Não estou dizendo que não haja nada. Mas acho que a gente teria que ter um programa mais visível, com maior visibilidade, que pudesse dar maior assistência a crianças e adolescentes, para que a gente pudesse conhecer melhor a situação da família.
O que podemos fazer é transferir o nosso conhecimento a favor daqueles que mais necessitam. No campo da educação, por exemplo, será que a gente não poderia ter um grupo de estudantes que pudessem dar reforço escolar para essas crianças desvinculadas do ensino regular?

Como o senhor avalia o novo projeto de segurança comunitária que a USP pretende implementar?
O fundamental é que você tenha um polícia muito bem preparada, que ao longo da sua atuação possa conquistar confiança. Sobre o modelo japonês, o Koban, tenho minhas dúvidas por conta do contraste de culturas. Não sou daqueles que dizem “não quero nem ver”; acredito que temos que discutir, temos que falar de polícia.
Eu, na área de direitos humanos, aprendi uma coisa: direitos humanos não pode abdicar de lei e ordem, lei e ordem tem que respeitar os direitos das pessoas. Relacionar direitos humanos e segurança é uma tarefa que deve ser socialmente criada.

Você acredita que realmente haverá um diálogo com toda a comunidade sobre o projeto de segurança comunitária?
Não falo por toda a comunidade, pois a USP é muito complexa. Aqui na Faculdade, o que tenho que garantir é o pluralismo, que todas as vozes dissonantes tenham direito de se manifestar. Consenso absoluto nunca vamos ter. Com o tempo, algumas medidas vão sendo vistas como legítimas, e vão sendo implementadas. É um processo longo e doloroso.

Por Carolina Oliveira e Letícia Paiva