Destino de Etec localizada na USP é incerto

Alunos destacam boa qualidade de ensino, mas temem que mudanças causem precarização
Estudantes de cursos noturnos estão felizes no campus da USP e são contra mudanças (Foto: Juliana Meres)
Estudantes de cursos noturnos estão felizes no campus da USP e são contra mudanças (Foto: Juliana Meres)

A comunidade escolar da Etec (Escola Técnica Estadual) Cepam foi recentemente surpreendida com a notícia de que terá que abandonar o prédio que ocupa desde a sua criação, em 2011, dentro da cidade universitária da USP. Outra informação que abalou os estudantes, professores e funcionários foi a do fechamento de dois dos três cursos hoje oferecidos na instituição: os de Técnico Legislativo (TL) e Técnico em Orientação Comunitária (OC). O curso de Técnico em Gestão de Políticas Públicas (GPP) será mantido, porém com o oferecimento de apenas uma turma – hoje há duas, em períodos vespertino e noturno – e com outro nome: Técnico em Serviços Públicos. Os anúncios vieram após o governo estadual decretar a extinção da Fundação Prefeito Faria Lima – Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (Cepam), em setembro de 2015. Alunos mostram-se aflitos por não saberem onde irão estudar no próximo ano, já que, até o momento, não há nenhum comunicado oficial a respeito.

“O que mais me intriga é o fato de que em uma escola em que estamos tão ligados ao processo político, de gestão, nós não temos nenhuma informação oficial. O que nós recebemos é apenas boca a boca. Para onde nós vamos? O que vai acontecer com a gente? Seremos extintos? É como esperar pelo juízo final, você sabe que vai acontecer, mas não sabe quando”, afirmou Lucas Trabuco, estudante do curso de TL.

Apesar da extinção de cursos e turmas, os alunos que hoje já estão matriculados poderão concluir seus estudos, porém eles temem uma queda na qualidade do ensino recebido: “Em nosso curso, já faltavam professores de Planejamento e de Licitação, que só chegaram agora, semana passada, na metade do semestre. Se já temos isso hoje, antes da mudança do prédio, mudança de estrutura, como vai ser agora?”, pergunta-se Larissa Tomás, aluna de GPP. “Hoje estamos satisfeitos com a qualidade do ensino, temos professores preparados, mas com o fechamento dos cursos de Legislação e OC iremos perder professores, aulas, espaço”, disse Arthur Santos, também aluno de GPP.

Para Matheus Godoy, que cursa TL, a Etec Cepam, localizada na USP, tem estrutura superior a de outras escolas técnicas estaduais: “Cursei o ensino médio em uma Etec e era totalmente diferente. Aqui é um curso voltado para as Humanas e que escuta os alunos. Onde eu estudava, não havia infraestrutura, não havia essa conversa facilitada com os docentes”, disse. Rafaela Macedo concorda com a opinião do colega de classe: “Temos aqui uma estrutura que pouquíssimas Etecs têm, temos lousa digital, sala de aula virtual, bons docentes, temos notebook, internet, wifi de graça, tudo o que nos incentiva a estudar. Não somos proibidos de usar o celular, e sim instigados a usá-lo a nosso favor, para a educação, é muito diferente da escola estadual em que eu estudo”, afirmou.

Boatos

Uma aluna não identificada contou à redação que entrou em contato com a professora Milena Duarte, supervisora responsável pelo Centro Paula Souza, que a informou que a Etec Cepam provavelmente seria alocada em um sistema de “classes descentralizadas”, que consiste na utilização, durante o período noturno, do espaço de uma escola estadual em que há o ensino regular apenas pela manhã e à tarde. “Eu acho que essa opção não cabe para nós, pois temos nossos equipamentos digitais, carteiras, biblioteca e tudo mais, e nessas ‘classes descentralizadas’ não há como alterar a estrutura da escola, é como se o curso técnico fosse só um anexo”, disse a aluna. Consultada, a Assessoria de Comunicação do Centro Paula Souza apenas informou que realiza estudos para abrigar a Etec Cepam em um endereço próximo ao atual.

Já o diretor da Etec Cepam, Ricardo Freire, afirmou que é quase certo que a escola ocupará a sede de alguma das escolas estaduais a serem fechadas pelo sistema de reestruturação da rede que atualmente está sendo implementado pelo governo. “Até o início da semana que vem o Centro Paula Souza irá se pronunciar por ofício sobre essas questões, mas eles disseram que é bem provável que nós iremos para um dos prédios da Secretaria de Educação, em função desse remanejamento que está ocorrendo. Alguns prédios que estão sendo desocupados irão agrupar algumas Etecs e a nossa é uma dessas”, garantiu.

O diretor ainda negou os boatos de que a Etec utilizará o espaço de escolas ativas e também afirmou que não existe a possibilidade de diferentes cursos ocuparem diferentes espaços físicos, outro receio de muitos alunos: “Teremos um prédio próprio, a nossa estrutura administrativa nem daria conta dessa divisão, temos funcionários para apenas uma Etec”. Com relação à possível perda de professores acarretada pelo fechamento dos Técnicos, Ricardo disse que pretende abrir cursos de Formação Inicial e Continuada (FICs) aos sábados ou durante a semana pela manhã, no intuito de manter os docentes em atividade até que a situação da escola se estabilize.

Porém, o professor José Nildo, que também coordena o extinto curso de TL, afirmou que não tem interesse em lecionar em cursos não ligados à sua área de atuação: “Gosto da escola, gosto desses cursos, mas não daria aula em outros. Sou advogado, então só me atrai esse perfil de alunos. Vou tentar continuar, mas os professores trabalham por vocação. Recebemos R$17 por hora/aula, eu, como advogado, ganho muito mais por meia hora. Então é óbvio que vai haver uma evasão de professores”, disse.

Infraestrutura

Todos os equipamentos, mesas, lousas, biblioteca e demais materiais escolares foram doados pelo Cepam à Etec. No entanto, a indefinição em relação às novas acomodações da escola também trazem dúvidas quanto à permanência de toda essa infraestrutura.

O aluno Lucas Trabuco conta que ajudou a fazer o inventário da antiga biblioteca do Cepam, que possuía 14 mil títulos, e presenciou o descarte de parte das obras: “Livros da década de 30, em francês, alemão, inglês, foram descartados e mandados para reciclagem. Não houve nenhuma preocupação de digitalizá-los, pelo que eu saiba. Alguns realmente eram casos de descarte, livros em que há mudanças anuais, porém a maioria dos descartados era livros raros, não encontrados facilmente. Isso porque não tínhamos espaço para guardá-los aqui”, conta. Lucas se mostrou indignado com a situação: “Foram sacos e sacos de livros, livros quase impossíveis de serem achados, como, por exemplo, um livro de História muito procurado, ‘O Livro das Bestas’. O mesmo aconteceu com livros históricos do Direito. Então, os livros foram descartados, os estudantes vão ser despejados, a mudança já está ocorrendo. E agora que vamos mudar de espaço, não sabemos o que acontecerá com os livros que sobraram”, disse.

O diretor Ricardo Freire disse não ter conhecimento do descarte indevido de livros.

Por Juliana Meres