Exposição dissemina arte da xilogravura

USP apresenta mostra sobre Casa da Xilogravura, maior museu brasileiro a respeito do tema
Avô está em casa (1989), xilogravura de Wei Zhi Ren, impressa e exposta na mostra localizada na ECA
Avô está em casa (1989), xilogravura de Wei Zhi Ren, impressa e exposta na mostra localizada na ECA (Foto: Vitória Batistoti)

 

A xilogravura mais antiga de que se tem notícia foi descoberta na China e data do século IX. Ao longo do tempo, a técnica se tornou importante também em ilustrações de livros, revistas e jornais, além de seu próprio papel artístico. Visto a relevância dessa arte, a exposição Uma Casa para a Xilogravura, aberta no último dia 24 de setembro, na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), busca apresentar parte da história e dos princípios da xilo – como é carinhosamente conhecida.

Organizada pelo Centro de Preservação Cultural (CPC), a exposição traz a São Paulo itens da Casa da Xilogravura, único museu no Brasil dedicado ao tema. O acervo fica em Campos do Jordão e pertence a Antônio Costella, ex-professor da ECA. Formada por 19 painéis fotográficos, a mostra do CPC também traz ao público uma breve apresentação sobre a coleção disponível no museu. A exposição permanece na ECA até o dia 6 de dezembro, no saguão do prédio principal, das 8h às 22h.

É a terceira vez que a exposição acontece em São Paulo: a primeira foi em 2013, na própria sede do CPC – a famosa Casa de Dona Yayá -, e a segunda, no primeiro semestre deste ano, no Parque Cientec. O Centro também já ofereceu o programa para os campi do interior. A mostra foi pensada em formato itinerante, justamente para que pudesse atingir uma maior variedade possível de públicos e localidades. “Promover exposições itinerantes permite ampliar a difusão do conhecimento e a troca de ideias, que é o papel da universidade pública”, afirma a professora Mônica Camargo, diretora do CPC.

Além disso, a ideia é que a Casa da Xilogravura se aproxime cada vez mais da USP, uma vez que o museu passará à posse da universidade quando o fundador vier a falecer. O processo de integração começou ainda em 2002, e o acordo final foi selado dois anos depois. “Eu mandei uma carta para o reitor, propondo se a USP queria ficar com o museu, com a condição de mantê-lo aberto ao público”, conta Costella.

Assim, o prédio da Casa da Xilogravura e todo o seu acervo serão administrados, no futuro, pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU). Atualmente, a PRCEU já coordena 14 museus, além do Museu Paulista e do Museu de Zoologia, que apesar de terem vínculo com a USP, possuem administração independente. A professora Mônica explica que, embora o museu ainda não seja oficialmente da USP, já existe uma interação entre as instituições. “A Universidade criou um grupo de trabalho para acompanhar a doação do professor Costella e criar as condições necessárias para receber esse rico acervo de forma responsável”, diz.

Além de colecionador, Costella também produz xilogravuras
Além de colecionador, Costella também produz xilogravuras (Foto: Roberta Vassalo)
Um lar para a arte

A Casa da Xilogravura foi fundada em 1987, no que então era a residência do professor Costella em Campos do Jordão. O docente iniciara sua coleção de xilogravuras em 1981, e conta que a ideia de abrir o museu surgiu da vontade de compartilhar com o público sua coleção. “A minha sala de estar tinha essas gravuras, aí eu ficava vendo e dizia ‘poxa, isso é muito bonito, seria razoável que as outras pessoas pudessem ver também’”.

Quando abriu o espaço pela primeira vez, Costella possuia coleções com cerca de vinte artistas. Hoje, o acervo abrange mais de quatrocentos, com milhares de obras nacionais e estrangeiras. “O que está exposto é cerca de 8% da coleção, porque não tem espaço pra todos os artistas”, explica. Entre as obras, estão ilustrações do próprio Costella, que além de professor, também é artista e escritor.

A princípio, Costella vivia no mesmo prédio do museu, mas à medida que o número de obras foi crescendo, o professor teve de se mudar com a esposa, Leda – que é formada em Belas Artes e diretora técnica do acervo. “Eu fui ampliando e mesmo assim não tinha mais onde eu morar, chegou uma hora que não dava mais”, lembra. “Então eu me mudei pra uma casa que eu tenho do outro lado da rua e aqui ficou só o museu”. Por volta de 2000, após uma cirurgia do professor, a casa fechou as portas. Em 2004, após uma grande reforma, Costella reabriu o museu, que passou a ocupar todo o prédio e desde então o mantém com o lucro vindo da Editora Mantiqueira, fundada por ele próprio.

Para reunir o grande acervo, o professor entrou em uma busca – que dura até hoje – pelas obras dos diferentes artista e épocas da xilogravura, principalmente das brasileiras. “Uma parte [das obras] eu compro, uma parte eu ganho, uma parte eu troco”, diz. Exposições temporárias de artistas atuais também são realizadas no espaço. Costella cobra um terço do valor das eventuais vendas do artista na exposição e pede para que o artista deixe uma de suas obras para o museu.

Em seu testamento, escrito em 2004, o professor determina, como condição para que o acervo e o museu permaneçam em posse da USP, a manutenção do túmulo de seu cachorro, Chiquinho, no quintal do museu. Segundo o professor, Chiquinho tem grande importância para a sobrevivência do espaço, já que foi por sua causa que a editora de Costella começou a dar lucro, após quase 20 anos de existência – e é com os rendimentos da editora que o professor mantém o museu.

A editora

A história é inusitada. Costella conta que em 1989, quando ministrava aulas na Fundação Casper Líbero, foi convidado para dar um curso na recém-criada Escola Superior de Jornalismo do Porto, em Portugal, que tinha convênio com a faculdade brasileira. Lembra que teve de levar seu cachorro na viagem, uma vez que o animal não comeria na ausência dos donos. Após o final do curso, o professor ainda atendeu a outros compromissos na região e fez viagem a passeio pela Grécia. Ao retornar, escreveu um livro em que Chiquinho contava a viagem, “Patas na Europa”.

O professor, que além de livros acadêmicos sobre comunicação, escreve também livros de contos, criou a Editora Mantiqueira para a publicação de suas obras “não-comerciais”. Após a publicação do livro de Chiquinho em 1993 – o primeiro dos quatro da série -, o sucesso foi grande. Graças ao livro, Costella participou do Programa do Jô e ganhou uma matéria na Folha de S. Paulo, e a partir daí, decidiu ampliar a abrangência de publicações da editora. “Resolvemos levar mais a sério essa parte e continuamos com a editora publicando livros de outros autores sobre respeito aos animais, legislação a respeito de coisas da natureza, aí acabei botando também os livros meus de comunicação”, diz. Hoje, a publicação principal da editora é um guia anual de Campos do Jordão.

O que é xilogravura

A xilogravura utiliza a técnica da xilografia, em que se utiliza a madeira como uma espécie de carimbo, de modo que o artista entalha primeiro em uma matriz de madeira, para depois carimbar o trabalho em papel.

Durante o século XX, a xilografia foi extremamente importante para a ilustração de livros e jornais, incluindo literatura de cordel. Na era pré-fotografia, usava-se uma matriz para ilustrar publicações jornalísticas. “Por exemplo, para se ilustrar uma matéria de um navio afundando, se encomendava de um xilógrafo, que desenhava e entalhava um navio afundando e mandava a matriz pro jornal. No dia seguinte, o jornal imprimia aquela matriz junto com o texto e ficava como ilustração”, explica Costella. Assim, com apenas uma matriz, várias cópias podiam ser feitas. “Mas com a chegada da fotografia, essa função se perdeu”, diz.

Por Carol Oliveira e Roberta Vassallo