Transporte na USP: para além do metrô

USP tem dívida com o transporte, mas metrô não é a única solução. Que tal ser prático?

A Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira (CUASO) é tão grande que nem seu nome oficial coube na primeira linha da matéria. Mas não há mesmo muitas coisas na USP que caibam em algum lugar: seu campus, que ocupa “discretos” 4,7 milhões de metros quadrados, põe à prova a paciência de uma geração que, na média, não optou pelo carro.

Nem no país que um dia foi casa do império automobilístico de Detroit. Segundo artigo de Amy Chozick publicado no The New York Times, americanos nascidos entre 1981 e 2000 não listam uma única montadora entre suas 10 marcas favoritas. Com Nike e Google à frente da General Motors (GM), a dona do Camaro não amarelou e pediu até ajuda da MTV para a ofensiva comercial motorizada. Batalha perdida, já que 46% dos jovens americanos entre 18 e 24 que dirigem ficariam com acesso à internet em detrimento a um carro se precisassem escolher um dos dois, segundo pesquisa encomendada pela emissora para a montadora.

São Paulo, que acorda todos os dias com mais um pedacinho de asfalto pintado de vermelho, segue a tendência: as maiores taxas de rejeição à implantação de ciclovias estão justamente entre os mais velhos, segundo o Datafolha. 93% dos jovens apoiam as vias exclusivas para as magrelas, contra 66% dos mais velhos.

Embora não seja mistério que o universitário de hoje prefira formas alternativas de locomoção, quem atravessa os portões da USP pela manhã logo vê uma desagradável surpresa: uma rotatória. Uma não, várias. A linha 177H (Metrô Santana – Butantã USP) encara cinco delas em seu trajeto pela USP. O 702U (Parque D. Pedro – Butantã USP), oito, e o 8012 (Circular 1), inacreditáveis quinze, algumas repetidas. A força das curvas torna uma tarefa quase impossível se manter em pé nos ônibus durante as “redondas” de maior diâmetro, quem já esteve pendurado nos balaústres amarelos sabe disso. Para os pedestres, as travessias se tornam distantes e difíceis.

Esse é um problema simbólico: o viário da USP foi feito para os carros. Suas largas vias e enormes áreas verdes, filhas antiquadas de Brasília com um parque em péssimo estado de conservação, são absolutamente inadequadas à locomoção a pé. As calçadas irregulares terminam sem aviso prévio e estacionamentos espremidos entre os prédios e as avenidas simplesmente não permitem a passagem de pedestres. Qual será a melhor forma de resolver o descompasso entre o ideal de cidade do jovem e o campus da USP?

História e Metrô

Discutir mobilidade na USP significa falar de metrô, e metrô pede uma volta no tempo. No século XVII, o que hoje corresponde ao corredor formado pela rua da Consolação, a avenida Rebouças e a rua dos Pinheiros (o traçado da Linha 4 – Amarela) se chamava “Caminho para Pinheiros”, e era uma estrada de aparência rural. A trilha dá acesso ao Largo da Batata, centro de um bairro com mais de 400 anos que foi, em sua gênese, aldeia indígena. O próprio nome de Pinheiros, segundo algumas das versões, foi uma interpretação errônea dos colonizadores para Pi-iêrê, palavra indígena que se traduz por ‘derramado’, em referência às enchentes do rio. O local em que a ponte Eusébio Matoso cruza o canal de água é preferido para a travessia desde antes da chegada dos portugueses.

Após o rio se abrem três caminhos para o interior: a rodovia Raposo Tavares, que leva nome de bandeirante, a Francisco Morato (no mapa, “Estrada para o M’Boy”), e a Corifeu de Azevedo Marques, antigamente chamada “Estrada para Osasco”. São Paulo, sem organização, cresceu às margens desses eixos, que hoje possuem enorme demanda por deslocamento.

Enorme mesmo. A Linha Amarela, que quando concluída seguirá até Taboão da Serra, carregará 1 milhão de passageiros diariamente. Ela é sobreposta em trajeto a um corredor de ônibus criado em 2003, que leva algo em torno de 320 mil passageiros todos os dias. A centenária estrada de terra leva o equivalente a um décimo da população do município de São Paulo.

Ou seja: o metrô, por vários motivos, ainda não levou a USP em consideração. Uma questão de prioridades. Ele segue os caminhos mais antigos de São Paulo, que são, não por coincidência, os mais frequentados até hoje. Para passar pelo campus, ele deixaria de atender o bairro do Butantã, de demanda imensa e tradicional, proveniente dele próprio e de suas cercanias, para servir a uma área segregada da cidade, que sequer pode ser acessada aos domingos. A linha, vista no mapa, deixa claro: passar pela USP desviaria o trajeto do eixo Régis Bittencourt / Raposo Tavares, famoso por congestionamentos imensos, população carente e transporte insuficiente.

Futuro?

O Plano Integrado de Transporte Urbanos de 2020, feito pela Secretaria dos Transportes Metropolitanos, prevê uma estação de metrô na USP. Seria a ponta norte de uma linha que terminaria em Diadema, fazendo integração com a estação Conceição da Linha Azul, a estação Morumbi da Linha Esmeralda e a própria estação Butantã. O plano pode ser alterado, e a previsão de conclusão é utópica. Não fosse a ineficiência do governo estadual, talvez a estação estivesse mais próxima da realidade.

Além do metrô

Se você faz graduação em veterinária, sua sala de aula fica a quase 3 km em linha reta do Restaurante Central. Mesmo com a construção de uma fictícia estação na CUASO, o sistema de ônibus circulares continuaria sendo imprescindível para qualquer um que não estudasse no entorno imediato do metrô. Há alternativas intermediárias melhores entre trens subterrâneos de alta capacidade e simples ônibus. Veículos articulados em corredores exclusivos ou um veículo leve sobre trilhos (VLT), espécie de neto do bonde, são duas alternativas de implantação mais barata que permitem maior número de paradas e atendimento mais flexível. Veículos leves tem melhor capacidade de atender gente dispersa em uma área de baixa densidade, como a USP, enquanto trens de metrô com capacidade para mais de mil passageiros a cada três minutos são mais apropriados para esvaziar um local pequeno que concentre grande quantidade de pessoas.  

Problema, mesmo, é o péssimo uso das alternativas disponíveis hoje: das nove linhas de ônibus que circulam na USP, apenas a de pior intervalo (Lapa — Rio Pequeno) atravessa a Portaria 2, e nenhuma sai pela Portaria 3. Nenhum dos circulares gratuitos dá acesso às estações de trem Cidade Universitária e Villa-Lobos Jaguaré, mais próximas do campus que o próprio metrô Butantã. Isso significa obrigar o morador da Zona Oeste, que poderia sair pelo P3, a perder no mínimo meia hora para ir embora no sentido oposto ao de sua casa. Para quem vem da Zona Norte, a impossibilidade de cruzar a ponte do Jaguaré e acessar a região da Lapa, local de transferência tão próximo e ao mesmo tempo tão distante, tira pelo menos uma hora do dia do estudante. Quem vai para a Zona Sul durante a noite não tem boas lembranças do escuro acesso à estação da CPTM.

Mais barato, útil e prático que uma estação na Praça do Relógio seria cobrar o que é possível em curto prazo: conexões eficientes e seguras com as estações da CPTM, distribuição de linhas através dos três portões principais e aplicação de veículos articulados nos horários de maior demanda, entre outras medidas. A carência de transporte público da USP é relativa: com três estações em seu entorno, ela está mais bem servida de trilhos que boa parte da cidade de São Paulo. O problema é conhecimento e vontade política, tanto de quem aplica quanto de quem cobra, para usar os recursos disponíveis com eficiência.