Estudantes da USP relatam assédios em vídeo

#meuassédionausp. O Jornal do Campus reuniu em vídeo alguns depoimentos de alunas da USP sobre assédios que sofreram na Universidade. Em casos em que as estudantes não se sentiram à vontade para gravar, seus relatos foram interpretados por outras meninas no vídeo. Nas últimas edições, o JC vem abordando a questão de assédio e violência sexual na USP – leia sobre casos na Faculdade de Medicina (FMUSP) e em moradias estudantis.

Ainda existem poucos dados sobre a dimensão do problema. Segundo uma pesquisa de 2013 coordenada pela professora Maria Fernanda Tourinho Peres, da FMUSP, 43% dos alunos de Medicina contaram já ter passado por assédio ou violência sexual no curso de Medicina. O Núcleo de Mulheres de Relações Internacionais, em 2015, fez uma pesquisa com estudantes Instituto de Relações Internacionais (IRI) e recebeu 69 respostas, de um total de 150 alunas. Dessas, cerca de 75% já sofreram machismo na unidade e 64% afirmaram já ter passado por alguma situação de assédio.

Abaixo, relatos de alunas e ex-alunas da USP que a reportagem recebeu de situações de assédios vividos na Universidade. A pedido de algumas delas, seus nomes foram protegidos e substituídos por nomes fictícios (indicados por asteriscos).

Dado irônico: enquanto nossas repórteres caminhavam pela USP para gravar a peça, foram assediadas por um motorista, que gritou “coração!” ao vê-las elas atravessando a rua.

Relatos

Vanessa* – Biblioteconomia

Na calourada um garoto chegou pra mim (tipo do nada) e perguntou se eu não queria ir até o mato com ele. Eu estava sozinha, meus amigos tinham ido dar uma volta. Tive medo, pois ele não queria soltar meu braço. Então meu amigos voltaram, e ele foi embora.

Carla* – Ciências Sociais

Fui estuprada numa festa na USP, e um cara que dizia ser meu amigo sabia disso. Na semana seguinte, eu estava passando por um momento horrível e as últimas coisas que eu queria saber na vida eram transar ou beijar alguém, mas esse cara insistia em me beijar, ficava forçando selinho, às vezes beijo de língua mesmo, e eu me afastava e falava: “eu não quero beijar ninguém”.
Consegui afastá-lo com a desculpa de “se eu peguei alguma DST, eu não quero passar pra ninguém, então não me beija”, enquanto eu tomava o coquetel, porque cortou toda a minha boca (por dentro e por fora) devido à medicação forte.
Não sei de onde ele tirou que tinha o direito de me beijar – ainda mais estando naquela situação – só porque ficamos algumas vezes antes de aquilo acontecer.

Isabela e Paula – Jornalismo

Isabela: Meu primeiro assédio na USP foi no semestre passado, quando eu e a Paula fomos assinar a lista na sala de um professor. A lista estava na mesa e, quando a gente foi abaixar pra assinar, ele falou umas coisas bem asquerosas, tipo “gosto de ver vocês curvadas”. Minha sensação foi de vergonha, constrangimento total. Eu não sabia o que fazer. Eu só queria sair dali.

Paula: E aí é óbvio que eu não ia fazer a mesma coisa na hora de assinar a lista, então eu agachei, pra ficar no nível da mesa. E ele falou “você não vai se curvar, você só vai se agachar?”, num tom malicioso da voz que dá arrepio de lembrar. Saí da sala me sentindo muito mal.

Isabela: A gente não falou nada e a gente não sabe pra quem falar, se algo vai ser feito. É um dilema muito forte entre berrar, expor, e só esquecer, só querer que aquilo nunca tenha acontecido. A minha vontade é que ele não esteja mais aqui. Não quero mais ver ele aqui, não quero que mais nenhuma aluna passe por isso.

Paula: Porque a gente sabe que não foi a primeira vez com esse professor, e não vai ser a última.

Isabela: mesmo que a gente queira esquecer, acho que a gente tem que criar força pra denunciar. E é isso que eu vou tentar a partir de agora.

Victória – Psicologia

Eu estava passando pelo corredor e um cara vinha passando na minha frente. Antes de eu passar totalmente por ele, ele já começou a virar a cabeça pra baixo, como quando eles vão olhar para sua bunda. E nesse dia eu tive coragem e gritei: “você estava olhando pra minha bunda?”. Ele respondeu, rindo: “claro que eu estava, você está mostrando”. Tinha algumas pessoas perto, e elas não falaram nada. Não é agressão física, sabe aquela coisa velada, que as pessoas acham que é normal? Foi muito significativo para mim porque ele admitiu e ficou rindo da minha cara. Descobri essa semana que ele trabalha na biblioteca do Instituto de Psicologia e já teve casos de violência verbal com outras meninas. Fico imaginando se eu estivesse sozinha na biblioteca e ele aparecesse, fico com medo.

Larissa – Psicologia

Eu sempre passo e dou bom dia para todos os vigias. Numa das vezes que eu estava passando com uma colega minha, passei sorrindo e dei bom dia, aí ela virou e me disse: “nossa, ele deu uma secada absurda na sua bunda”. Fiquei bem constrangida. Tô dando um bom dia e acontece isso.

Bruna* – Física

Na época, eu cursava bacharelado em Física noturno. O professor passava lista de presença com linhas referentes aos três dias da semana e algum garoto começou a escrever “gata” no espaço do meu nome todos os dias, fraco, a lápis e com a letra disfarçada, mesmo se eu faltasse.
Acabei largando o curso por esse e outros assédios que sofri.

Marina* – Direito

Foi em uma festa. Estava conversando com o amigo de um amigo, também pós-graduando na USP, e acabamos nos beijando. Mas então ele achou razoável abrir a calça e puxar o meu cabelo para que eu me ajoelhasse na frente dele. Eu consegui me soltar e pedi para o meu amigo me levar embora, mas nunca contei a ninguém o porquê.

Juliana – Jornalismo

Era semana dos bixos ainda, e a turma da ECA fazia um tour pelo campus guiada por alguns veteranos. Assim como todos os fevereiros, o sol do meio-dia torrava a pele. Estávamos passando pelo IGc quando decido que estava calor demais para continuar com blusa, assim como um dos rapazes do grupo. Fico de top durante o resto da caminhada. Um carro aparece, com alguns homens dentro, e um deles grita ao meu lado “ai se eu pego, hein”. Me senti acuada, era a primeira semana no mundo de fantasias. Por sorte, algumas meninas do coletivo feminista estavam por lá e devolveram o xingamento. Mas nada foi feito, nenhuma rota alterada, nenhum comentário a mais. Já é normal, né?

Júlia – Gestão de Políticas Públicas

Foi a típica história: muito bêbada e dormindo na república de colegas da faculdade. Sair para beber com alguns amigos e, pelo passar da hora e pelas inúmeras cervejas, sentir uma vontade incontrolável de dormir. Lembro-me claramente de dormir no sofá e ser levada para o quarto. Lembro-me claramente de recusar seus beijos e tentar evitar que suas mãos corressem pelo meu corpo, apesar da fraqueza e de mal conseguir falar. Lembro-me claramente de acordar e ver que ele estava dormindo de cueca na mesma cama que eu… Levantei em um sobressalto, me culpando por existir. Me culpando por beber, por dormir fora de casa, me culpando por ser uma vagabunda. Me senti suja. Senti vergonha de mim.  Desejei, do fundo da minha alma, que aquele dia nunca tivesse acontecido. Busquei esquecer e negar cada segundo.
Descobri depois que ele falava por aí que havíamos transado. Eu, quando questionada,  negava, afinal, não lembro. Minha primeira reação foi pensar “Nossa, que babaca! Fica mentindo por aí pra se gabar. Escroto”. Mas depois de muito tempo comecei a pensar: “E se for verdade?”. Com certeza absoluta não foi consciente, não foi consentido. Ou seja, em outras palavras, você sabe o que significa transar com uma pessoa sem o consentimento dela? Estupro. Leia mais aqui

Natália* – Direito

Tinha acabado de completar 18 anos, ingressei na Faculdade do Largo São Francisco em 1988. Caloura, muito feliz. Primeiro dia de aula, e lá vem o trote. A princípio, muito gostoso e divertido, até que dois rapazes altos puxam meu braço e na brincadeira me convidam para conhecer o Centro Acadêmico XI de Agosto. Fui, afinal, que calouro não quer conhecê-lo? Ao entrarmos naquele porão, esses dois rapazes que já estavam cursando o último ano e, portanto, estavam prestes a se tornar advogados, prensaram-me contra a parede e forçosamente tiraram da minha carteira 10 contos para uma cerveja. Saíram rindo, felizes com a conquista e com o assédio bem sucedido. Após cinco anos de Faculdade, fui encontrar um deles na posse de um Concurso Público. Como me esquecer daquele indivíduo pobre de espírito… triste!

Thaís – Jornalismo

Toda vez que você está com roupa de corrida aqui na universidade é bem difícil andar porque todo mundo fica mexendo com você. Na bicicleta é pior ainda, acho que tem algum estigma de você estar montada em alguma coisa, não sei. E aqui é um lugar ótimo, mas você se sente acuada por conta disso.

Jéssica – USP

Professor, primeiro semestre, estávamos em grupo só de meninas, fazendo trabalho, e eu o questionei sobre por que ele ainda não tinha lido apenas a minha parte. Ele então se levantou, e começou a passar a mão no meu rosto dizendo que iria me dar a devida importância, que eu era especial e etc. Fiquei sem reação, assim como todas na sala. Saí me sentindo horrível.

Thaís – Economia

Às vezes vou no banco e passo pelo ponto de táxi da ECA e vejo que os taxistas olham. As pessoas olham pra você só porque você está de shorts. Quando eu vinha pra cá de ônibus, dificilmente vinha de shorts ou saia, sempre calça.

Fernanda* – Geografia

Tudo começou no dia em que saiu a primeira lista de chamados da Fuvest. Logo umas 30 pessoas me adicionaram no Facebook, e um veterano logo veio falar comigo. Eu, inocente e querendo ser a bixete legal e enturmada, dei trela. Depois de uns dias conversando, ele veio com umas ideias estranhas, dizendo que gostava de pés e que gostaria de ver os meus. Querendo ser zoeira, enviei a foto do pé de um amigo na época. Ele caiu. Disse ter gostado bastante, que era um pé lindo e que jamais o esqueceria. Um dia depois disso, um número começou a me mandar mensagens no Whats pedindo fotos do meu pé e dizendo-se meu admirador secreto. O problema foi quando ele começou a enviar fotos do pau dele dizendo coisas do tipo “olha só como eu fico só de pensar no seu pezinho”. Eu fiquei em choque, claro. A pessoa tinha meu número, sabia quem eu era, onde estudava e eu o que sabia dela? Achava que era o veterano que eu tinha conversado até então, mas ele disse que não. Fiquei aterrorizada. Estava sofrendo uma violência que eu nem sabia de onde vinha, e não tinha nem começado as aulas! Passei meu trote inteiro com meninas e com medo. Não achei que minha primeira impressão da universidade seria essa.

Por Barbara Monfrinato e Jessica Bernardo

<div data-configid=”13347118/34092529″ style=”width:746px; height:540px;” class=”issuuembed”></div>
<script type=”text/javascript” src=”//e.issuu.com/embed.js” async=”true”></script>