Estudantes reviram vida cultural uspiana

Mesmo enfrentando dificuldades, alunos ainda realizam eventos artísticos dentro da Universidade

Shows, exposições, oficinas, debates, filmes, festa: durante um dia, artes de mulheres tomaram a programação na ECA. A Revirada Feminista foi organizada por estudantes e expôs produções de alunas, atraiu público externo, foi divulgada em grandes veículos e também teve confirmados nomes de peso, como a militante trans Luiza Coppieters, da página Feminismo sem Demagogia, a MC Luana Hansen e Anna Muylaert, diretora de “Que Horas Ela Volta?” — que cancelou sua presença uma hora antes do início do debate.

A programação foi contínua durante todo o dia 26 de novembro entre departamentos da ECA, a Vivência e a Prainha, com destaques como a peça “Erêndira” e a Oficina de Siririca Libertária. Com o objetivo de desmistificar a masturbação feminina, a oficina lotou uma sala do Departamento de Rádio e Televisão (CTR). A maioria das atrações era feita por gente de fora da USP.

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A exposição fotográfica “Mulheres e pelos”, de Isabel Praxede, na Revirada (foto: Barbara Monfrinato)

Anna Guedes, estudante de Educomunicação, conta que a ideia surgiu para expandir o debate sobre feminismo para além do coletivo e, sobretudo, ocupar o espaço. “A USP é perigosa para a mulher principalmente porque é muito vazia. E já que somos uma Escola de Comunicações e Artes, vamos fazer uma coisa que incentive isso: a mulher nas artes, nas oficinas e na produção cultural”, explicou ela.

Tudo só foi possível graças a um crowdfunding que arrecadou R$1500 pela internet e ao apoio com dinheiro e equipamentos de entidades estudantis de outras unidades da USP, como o Instituto de Física, a FEA, o IME e a FFLCH. Também foi importante o trabalho de voluntárias, que se disponibilizaram para ajudar na produção ao lado das cerca de 15 organizadoras principais.

Uma das dificuldades sentidas foi reservar espaços dentro dos departamentos; a administração da ECA não ofereceu apoio ao evento. A Uspreta, Semana de Artes Negras da ECA, promovida pelo coletivo Opá Negra, também sofreu com isso para organizar sua segunda edição, em novembro deste ano. Foi difícil conseguir autorização para grafitar as paredes dos prédios; no CMU, não foi permitido. Aryani Marciano, estudante de Artes Visuais, considera isso “um meio também de impedir que as coisas aconteçam: ficar burocratizando, colocando empecilhos”, opina.

Iniciativas culturais acontecem pela USP, como cineclubes e grupos de teatro. No Instituto de Psicologia (IP), a produção é independente: alunos se unem para começar uma horta, fazer grafites, promover saraus. Desde 2013, estão garantidos sempre um ou dois saraus por semestre, organizados pelos alunos.

A Poli mantém atividades em grupos culturais, como o Rateria (bateria), o Polidance (grupo de dança) e o Grupo de Teatro da Poli (GTP), que existe desde 1956 e está apresentando peças de encerramento de ano. O Acappolli é o grupo mais recente: desde 2014, cerca de 20 alunos interessados em canto acappella — sem acompanhamento de instrumentos — se reúnem para ensaios semanais. No repertório, músicas do Coldplay, Florence + the Machine, Gotye, Beatles, Queen e, mais recentemente, os nacionais: Chico Buarque e Skank.

Assim como no GTP, qualquer um que se interesse pode participar dos ensaios. Para Marcelo Favilla, estudante de engenharia civil, os benefícios do Acappolli vão além de se divertir, melhorar a percepção musical e a timidez: também tem a ver com apropriação do espaço da faculdade. “Os alunos podem ter uma boa relação com seu espaço de convívio e um dia a dia mais leve, não só bitolado nos estudos ou indo pra casa quando se cansa deles”, diz. “Quem não gosta de passar em um lugar e ouvir alguém cantando?”.

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Oficina de Hip Hop na Revirada Feminista (foto: Barbara Monfrinato)

Fazer isso funcionar não é muito fácil. Um dos principais problemas é a falta de estrutura: o grupo tem que recorrer ao GTP e ao Grêmio Politécnico para usar salas de ensaio e equipamentos de som. “Os vídeos das nossas apresentações costumam ser de baixa qualidade. Não temos equipamento de estúdio pra gravar uma música, por exemplo”, comenta Marcelo. “Estamos estudando formas alternativas de financiamento, mas nada ainda muito concreto foi conseguido”. A Poli não oferece apoio ao grupo.

Os alunos já fizeram atos sociais em lares de idosos, mas suas apresentações normalmente acontecem em espaços da Poli. Difícil é a burocracia para consegui-los: deve ser feito um ofício, enviado com antecedência e aprovado pela administração. Uma apresentação do Acappolli chegou a ser cancelada por isso, no final do semestre passado, de última hora. Enquanto se preparavam para uma apresentação, os alunos foram impedidos por um segurança que exigia o ofício em mãos. “Não sabíamos, porque não tinha sido cobrado antes”, explica Marcelo. “Como alternativa, nos apresentamos na Share Wood, um espaço de vivência do Grêmio que também fica no Biênio, mas com meia hora de atraso e nem metade do público que teríamos”, completou. Em outros institutos onde o grupo já havia se apresentado, como o IP, o ICB e a FAU, o ofício nunca havia sido cobrado.

Arranjar público

A Semana de Artes da Poli (SAPo), organizada pelo Grêmio Politécnico há 26 anos, tem enfrentado um problema: cancelar eventos por falta de inscritos. “A dificuldade em se organizar se dá principalmente em atingir o público”, relata Giovanna Cabral, estudante de engenharia de minas e uma das organizadoras do evento. Ela atribui o esvaziamento das atividades à falta de interesse e de divulgação; uma das estratégias adotadas neste ano foi espalhar poemas pela Cidade Universitária.

A SAPo já recebeu apoio financeiro da faculdade, mas há dois anos isso não acontece mais. Hoje, o dinheiro vem do próprio Grêmio ou de patrocínios. A administração também barra alguns eventos da Semana, principalmente por causa da proibição de festas, segundo Giovanna. “A diretoria achou que nossos eventos dariam abertura para o álcool e comemorações maiores dentro da faculdade, então proibiram os eventos no período da noite. Também barraram eventos como oficina de drinks e degustação de vinhos”, conta.

São cinco dias de programação gratuita de música, dança, teatro, degustações e exposições, além das oficinas, que são pagas. A organização acolhe grupos da própria faculdade, como o GTP e o Acappolli, mas também aceita apresentações de artistas de fora, como a Filarmônica de Pasárgada.

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Oficina de origami no SAPo (foto: Gabriel Mello)

Na EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), existe esforço em aproximar a comunidade da Zona Leste dos eventos na faculdade. Já foram realizados o Sarau Perifeira Invisível, uma batalha de poesia com o Slam da Guilhermina, intervenções nos tapumes com o coletivo Levante Popular da Juventude e atividades com crianças na Semana da Consciência Negra, em 2014. A Feira do Livro da EACH geralmente traz atrações culturais, como maracatu e sarau.

Essas atividades costumam acontecer ao ar livre, onde basta “chegar junto”. Dayara Cardoso, estudante de Gestão de Políticas Públicas, conta que lá a burocracia não atrapalha: reservar auditório é questão de responder um formulário e enviar por e-mail. Mas a estudante destaca a pouca adesão dos alunos também como parte da “cultura organizacional”: há mais interesse em frequentar festas do que saraus ou cine-debates.

A divulgação dos eventos também é feita de maneira independente. Para Aryani, da ECA, para driblar essa dificuldade seria importante ter um canal comum de divulgação dos eventos na universidade e atrair mais pessoas para cá. “A maior dificuldade dos eventos que acontecem na USP é ultrapassarem a USP. O Facebook ajuda muito, mas como não ficar só para o público daqui?”.

Por Barbara Monfrinato