Alunas da Poli criam página de denúncia

No Facebook, são postados relatos de machismo e opressão por parte de alunos e docentes

Alunas encaram mural de cartazes do #MeuQueridoPolitécnico no prédio da Engenharia Mecânica (créditos: Carolina Pulice)
Alunas encaram mural de cartazes do #MeuQueridoPolitécnico no prédio da Engenharia Mecânica (créditos: Carolina Pulice)

A Escola Politécnica (Poli) é um lugar composto predominantemente por homens. De acordo com o Anuário da USP, em 2014 existiam 1596 alunas mulheres, entre graduação e pós-graduação, contra 5914 estudantes do sexo masculino, o que contribui para um ambiente machista e opressor para aquelas que estudam e trabalham ali. Como forma de denúncia dos diversos casos que já viveram, um grupo de alunas de todas as engenharias criou a página do Facebook Politécnicas .R.existem, na qual são postados relatos acompanhados das hashtags #meuqueridopolitecnico e #meuqueridoprofessor.

 

Surgimento

A ideia nasceu durante conversa num grupo do aplicativo Whatsapp, criado justamente para se discutir sexismo vivido na universidade, seja na internet ou na sala de aula. As frases divulgadas tanto na página como nos cartazes espalhados por todas as unidades da Poli são obtidas através de formulário on-line, o que permite que qualquer aluna possa participar anonimamente.

13165869_235530040145520_6101937277417571825_nA resposta do público foi tão grande que, no primeiro dia, conseguiram 2 mil likes – hoje, menos de um mês depois da criação, estão com mais de 5 mil. “A iniciativa é interessante, porque, de fato, existe ainda uma diferença entre homens e mulheres. Ou seja, como conscientização a ideia é boa. Mas acho que há um certo exagero em como as coisas são expostas”, opina Maíra Mariani, estudante da Engenharia Mecatrônica que não faz parte da administração da página.

Ao ler as denúncias publicadas, é possível perceber o machismo presente nas atitudes tanto dos estudantes como dos professores. De acordo com alunas, os docentes agem e falam como se elas não devessem estar na engenharia por não serem tão inteligentes quanto os homens, impedindo-as diversas vezes de operar as máquinas durante as aulas. Nos cursos em que há menos mulheres ainda, como na Naval, há casos de slides com mulheres semi nuas sem qualquer relação com a matéria que está sendo dada. “Reclamar é quase impossível, a não ser que você tenha muita coragem. Os professores têm muito poder”, afirma Giovanna Lia, aluna da Engenharia Civil.

Nos casos de reclamação por parte da turma, a reposta é uma represália por parte do professor. No segundo semestre de 2015, após receber um relatório — elaborado a partir de uma avaliação feita pelos alunos, processo comum na Poli — que apontava a existência de piadas machistas em suas aulas, um docente passou a dar a matéria de modo desleixado, prejudicando a classe, que teve sua média diminuída.

Em nota, a diretoria da faculdade afirmou não tolerar discriminação, desrespeito, assédio ou abuso relacionado a gênero, bem como qualquer manifestação de ódio. “A Poli possui canais de comunicação para denúncias, que são recebidas pela assistente acadêmica e encaminhadas à vice-diretora da Escola, para evitar constrangimentos. Todo o processo é anônimo”, diz. Em relação à página, a diretoria pede que o grupo faça uma denúncia formal: “uma minoria covarde de alunos, que se esconde atrás do anonimato para praticar crimes como os citados no perfil, merece ser responsabilizada”.

Ainda de acordo com o Anuário de 2014, o número de docentes do sexo masculino é sete vezes maior do que do sexo feminino. A disparidade incomoda as alunas, que sentem falta de professoras mulheres ao longo do curso. Não é raro estarem no terceiro ano de faculdade e só terem tido aula com três professoras, sendo que parte delas é de outros institutos.  Isso desestimula e afeta psicologicamente as estudantes. “Por causa dos professores, para subir um degrau, a gente precisa fazer muito mais força, porque tem muita gente que abaixa nossa perna”, diz Beatriz Marques, estudante de Engenharia Química.

Em relação aos alunos, a opressão vai além da sala de aula, atingindo o ambiente virtual, principalmente em questões políticas. Para Lia, o local de fala da mulher politécnica é bastante limitado. “#MeuQueridoPolitécnico me disse que uma mulher nunca seria presidente no CA dele”, diz um dos cartazes. As festas também são frequentemente citadas nos relatos feitos: “#MeuQueridoPolitécnico foi expulso de uma festa por suposta agressão e se gabou disso para os amigos”.

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O próximo passo

O plano é juntar todas as denúncias em um dossiê e enviá-lo ao diretor da Poli, José Roberto Castilho Piqueira — o qual já mostrou seu apoio —  para que uma atitude seja tomada. Segundo as alunas, atualmente, a diretoria não toma conhecimento desses casos porque eles são barrados antes. Pretendem criar um canal curto e seguro entre estudantes e administração, mediado por uma comissão formada por ambas as partes.  Também planejam levar o projeto a outras faculdades e criar um movimento maior, já que uma maioria dos estudantes e professores homem é uma característica de todos os cursos de engenharia, não apenas da USP.

 

Outras iniciativas

O machismo por parte dos docentes e dos colegas de curso não se restringe às faculdades de exatas. O uso de frases e hashtags vem sendo muito utilizado pelas mulheres de vários cursos para expor ao que são submetidas diariamente: nesse ano, foram colados diversos cartazes pela Faculdade de Letras, Filosofia e Ciência Humanas (FFLCH) e no Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP. 13164251_233926833639174_310735516550953661_n

O Coletivo Zaha, da Arquitetura do Mackenzie, também espalhou cartazes com declarações opressoras de professores com a hashtag #esseémeuprofessor. Mais recentemente, o Coletivo Feminista Aurora Furtado, do Instituto de Psicologia da USP, criou a sua campanha #elevaiserpsicológo para apontar casos de opressão por parte de pessoas que se tornarão profissionais da saúde.

Para Mancini, iniciativas como essa criam espaço de resistência às opressões e união das mulheres, ao mesmo tempo que atinge uma parcela de pessoas que estava alheia ao machismo do dia a dia das faculdades, mostrando-as que há algo errado.

Giovanna Lukesic