Desastre em Mariana apaga conhecimento sobre espécies marinhas

Água-viva extremamente rara pode ter sido extinta da costa brasileira

Mesmo após seis meses, ainda é possível perceber as marcas que o desastre ocorrido em Mariana, Minas Gerais, deixou no meio ambiente. A enxurrada de lama que tomou a cidade, devido ao rompimento da barragem da mineradora Samarco, em 5 de novembro de 2015, pode ter apagado uma série de informações sobre espécies marinhas pouco exploradas. O professor do Instituto de Biociências (IB) da USP e diretor do Centro de Biologia Marinha, Antônio Carlos Marques, cita que um desses organismos é um tipo de água-viva extremamente rara, conhecida cientificamente como Kishinouyea corbini Larson.

Essa água-viva é bem peculiar, pois diferente das outras, ela tem pouca mobilidade. Ela ficava restrita ao Litoral do Espírito Santo, região afetada pelo rompimento. Segundo Marques, essa espécie era a única conhecida do grupo Starozoa (classe Cnidária) presente na costa brasileira. Sua evolução é fundamental para compreender a origem das medusas.

A classe mencionada anteriormente abrange as águas-vivas presas em substratos. Apesar de ser mais facilmente encontrada em águas frias, essa espécie é uma das poucas habitantes da região tropical. “Esse desastre foi uma quebra muito grande da continuidade dos nossos estudos”, afirma o professor.

Água-viva K. corbini no dedo do pesquisador (Foto: Lucília Miranda)
Água-viva K. corbini no dedo do pesquisador (Foto: Lucília Miranda)

Como esses organismos ficavam fixos no ambiente marinho, os dejetos acabaram os soterrando. Assim, eles foram impedidos de respirar e de se alimentar. De acordo com a pesquisadora do Instituto de Biociências da USP, Lucília Miranda ainda não é possível afirmar com segurança como esse impacto afetou essas espécies, visto que elas eram pouco estudadas ou totalmente desconhecidas.  Além disso, a lama possuía diversos rejeitos tóxicos e como os animais estão relacionados entre si, essa toxidade pode estar acumulada na cadeia alimentar.

A análise desses organismos começou em 2008 na região da Praia dos Padres, Espírito Santo. Segundo Lucília, o projeto buscava responder questões cruciais referentes à evolução e diversidade desses animais. Para ela, um estudo sobre suas características ecológicas e fisiológicas poderia fornecer informações sobre suas adaptações para as águas quentes. “Um dado importante para compreendermos a vida em ambientes afetados por mudanças climáticas”.

Para Marques, quando se tem uma linhagem que escapa do padrão geral e habita em águas tropicais, significa que essas espécies acumulam inúmeras particularidades (relações ecológicas, complexidade dos compostos químicos e morfologia). Isso seria útil para a medicina, porque essas espécies poderiam ter uma biomolécula que se tornasse percussora de algum tratamento, ressalta o docente.

Os pesquisadores estavam iniciando o estudo do veneno desses animais. Segundo Lucília, cada água-viva produz um tipo de substância de defesa, composto por moléculas únicas, que podem ter diversas aplicações científicas. “Esta é apenas uma espécie pouco conhecida que ocorria na região. Há estimativas que até 90% da diversidade marinha mundial ainda é desconhecida”, diz a pesquisadora.

Prevenção

Para o professor, é necessário tomar algumas medidas para evitar esses desastres. Dessa forma, é preciso  haver um controle maior do licenciamento ambiental e da fiscalização. Marques critica a tramitação de uma Emenda Constitucional, PEC 65-2012, que, para ele, visaria facilitar o processo de licenciamento, tornando mais rápida a autorização dos empreendimentos.

A PEC prevê que obras não podem ser suspensas e nem canceladas após apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Os ambientalistas criticam essa Emenda, pois acreditam que a proposta praticamente acaba com o licenciamento ao permitir a construção de empreendimentos apenas com a apresentação de estudos iniciais.