“A constituição nunca esteve tão viva”

Autora do pedido de Impeachment, jurista se posiciona em relação a vários temas polêmicos
(Foto: Heloísa Iaconis)
(Foto: Heloísa Iaconis)

A professora Janaína Paschoal, do departamento de Direito Penal da Faculdadade de Direito do Largo de São Francisco da USP, dá aula na cadeira de bioética e, na conversa com o JC, foi além do impeachment comentando diversos assuntos que pautaram os noticiários dos últimos meses. Confira aqui os principais assuntos abordados na entrevista.

Jornal do Campus — Recentemente fizeram uma cerimônia de enterro da constituição no largo São Francisco, você viu? O que achou?

Eu não estava sabendo, mas quando me contaram  foi um negócio intrigante, porque a faculdade estava cheia de cartazes [escritos] “Golpe”.  Respeito a liberdade de manifestação, e se estão se sentindo assim acho que têm direito de expor. Eu realmente penso que a Constituição nunca esteve tão viva e estou trabalhando para que ela seja cumprida à risca. Não posso obrigar que as pessoas pensem como eu, mas não posso me calar.

Dentro da faculdade, eu tenho tentado me manter sem falar de política nem de impeachment. Fora, eu não encaro nem como um direito, mas como um dever. Esse processo todo tem me permitido testar as minhas próprias convicções. Quando teve o ato em que fiz aquele discurso inflamado, que do qual não retiro nenhuma palavra, disseram tudo a meu respeito, inventaram mil coisas. Disseram até que eu não lavo o cabelo! Então assim, eu consegui testar as coisas que eu mesma ensino em sala de aula. Para a gente entender que o outro não é obrigado a concordar com a gente.

Você acha que vivemos numa Universidade “petista”?

Vou evitar falar a palavra “petista”. Muitos colegas já me disseram que não são petistas, são “esquerdistas”. Acredito que haja uma predominância da esquerda dentro das universidades. E não só na USP, mas em todas as federais.

E por que você acha que existe essa predominância?

Eu acho que a intelectualidade brasileira é muito esquerdista. Existe uma confusão entre fazer oposição ou ser contrário à ditadura que houve aqui. Há ditadura de direita, de esquerda, militar, civil. Eu sou contrária a todas elas. No entanto, a maior parte dos intelectuais é contrario quando a ditadura é de direita. Mas não é quando ela é de esquerda, seja civil, seja militar. Um exemplo clássico é a ditadura da Venezuela, uma ditadura militar de esquerda que toda a intelectualidade brasileira reverencia. Uma das minhas grandes críticas à presidente Dilma é essa: como pode instituir a Comissão Nacional da Verdade aqui dentro – o que é importante para um país resgatar sua história – e agora num país do lado tem gente presa sem ter feito nada, simplesmente por discordar? E ela não só fica calada, como o Lula vai para lá para apoiar o Maduro.

Você considera que “golpe” faz parte de uma narrativa?

Então, sabe que eu estou começando achar que além de eles quererem criar um discurso para a história, estão querendo criar um discurso para pedir asilo quando forem presos. Repare que na sessão da Comissão do Impeachment [do dia 2 de Junho], a defesa da presidente solicitou uma perícia internacional. Aquilo é uma maluquice sob o ponto de vista processual. O intuito era levar isso para os tribunais estrangeiros para criar uma ficção, que é o que melhor eles sabem fazer. O Cerveró entregou todo mundo e até o cabeleireiro da presidente era pago com propina, com dinheiro de construtora, então não tem mais como negar. E eu que sou golpista?

Quando eu fiz o pedido de impeachment, junto com o Dr. Hélio, não apanhei só da esquerda. Aqueles que são considerados direitistas me detonaram. Primeiro, por eu ter me aliado ao Dr. Hélio, que é sabidamente da esquerda. Então quando eu decido fazer um documento com base na Constituição e na Lei para tentar, vamos dizer assim, fazer uma revolução sem sangue e sem armas, eu consegui desagradar os dois lados. E isso é muito complicado, porque as pessoas querem saber quem é seu grupo, não querem saber o que você pensa. Mas mesmo tendo tomado porrada de todos os lados, eu não vou recuar porque acho que a gente estava na mão de uma quadrilha que começa a ser desarticulada. “Ah, mas tem gente nos outros partidos” – que caiam todos! Você reparou que um começou a entregar o outro? Isso é maravilhoso, não acontecia antes, porque eles achavam que tinham o poder.

 

Você que é do departamento penal, por que acha que é tão difícil fazer valer a lei para quem tem mais dinheiro?

Eu acho o seguinte: se é desvio de dinheiro público, tem que prender. Porque a pessoa que está na ponta, acordando às cinco da manhã, pegando bumba, ficando duas horas pendurado para chegar no trabalho para ganhar seus 1200 reais honestamente, essa pessoa tem que ver que o ordenamento existe para quem descumpre a lei. Um diretorzinho da Petrobras devolveu 98 milhões. Esse cara não merece ser preso? Eu acho que tem que prender.

Agora o sistema penitenciário está um lixo porque nenhuma autoridade pública se preocupa com ele. Tem umas escolas meia boca, umas bibliotecas meia boca, pouco incentivo à leitura, e pior: não se investe o tratamento da adição da droga.

Em relação às drogas, qual é sua opinião?

Existe um culto às drogas hoje, lícitas e ilícitas. Eu falo com todas as letras: não poderia entrar bebida na Universidade, nem na privada e especialmente na pública. Quer fazer uma festa, uma confraternização? Então sem bebida alcoólica. Já teve morte, já teve estupro, já teve briga, fora que bebida não combina com estudo. A socialização do jovem é normal e é saudável. Eu acho que, antes de qualquer coisa, eu sou uma educadora. Estou lidando com jovens que têm que ter um professor como uma referência. Isso é outra coisa que não se pode falar dentro da universidade. Não existe aqui dentro um pecado maior do que você dizer que droga e crime andam juntos. Todos os eventos dentro da universidade são para dizer que droga é bom. Eu falo com todas as letras: droga é ruim.

Não estou dizendo que todo mundo que usa tem que ser preso. Aquela pessoa que está no sistema, que sabidamente foi praticar um assalto para comprar droga porque depende dela precisa ser tratada. E o primeiro passo para a gente lutar por esse tratamento, é reconhecer que existe essa relação. Só que isso é um tabu.

Você falou sobre o estupro. Como você vê essa questão sendo abordada atualmente?

Expressando o sentimento do povo brasileiro, o estupro é um dos crimes mais graves. Eu entendo que isso está presente, seja vítima mulher, seja vítima homem. Até 2009, estupro era só o ato sexual forçado, por um homem contra uma mulher. A partir desse ano a Lei mudou, pode ser um homem forçando outro homem, uma mulher forçando outra mulher também. Eu entendo que esse crime é grave em todas as circunstâncias e tem que ser punido. A nossa Lei tem uma pena e vários agravantes que me parecem adequados, ela só precisa ser aplicada.

Só temos que tomar cuidado com o discurso radical que se tem construído: que o Brasil é um país da cultura do estupro. Quando acontece um caso, não vejo homem nenhum achando isso legal, a indignação deles é tão grande quanto a das mulheres. Temos que tomar cuidado com os discursos coletivos como  “todo homem é um estuprador” ou “toda mulher é uma submetida”. Quando muda a definição do que é estupro, automaticamente os números crescem. Em 2009 mudou a lei. Fala assim: “conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso”. Isso significa que, se uma pessoa agarrar a outra, der um beijo na boca dela ou passar a mão nela, isso é estupro. Foi uma explosão nas estatísticas. Por outro lado, quando ocorre, tem que ser punido.

Sob o ponto de vista da prevenção, tenho que falar com os jovens da minha sala de aula que eles não devem beber até perder a consciência. Ah, mas isso tudo tem a ver com Direito Penal? Talvez. Quero que eles não sejam vítimas. Mas pega mal falar essas coisas dentro de uma universidade que quer ser “moderna e para frente”.

Por Breno Leoni Ebeling