Costurando histórias

Conheça a vida da figurinista responsável pela vestimenta dos alunos de artes cênicas

Bianca Kirklewski
Foto: Bianca Kirklewski
Foto: Bianca Kirklewski

Dentro do Teatro Laboratório do Departamento de Artes Cênicas (CAC), as portas permanecem entreabertas. Com olhos e ouvidos atentos, é possível descobrir histórias sendo construídas e desconstruídas por detrás de cada uma delas. No canto direito do final do corredor, um par de portas dá de cara com uma escadaria iluminada pelo sol que bate na grande janela do sótão. Lá, as narrativas não são construídas pela fala, mas pelo badalar comedido das máquinas de costura.

Há 10 anos, essa é a cenografia principal da vida de Ray Lopes. Com a ajuda de Silvana de Carvalho e Vanda da Conceição, é ela quem traz vida às peças produzidas pelos estudantes de artes cênicas da ECA, criando seus figurinos. Conheça a história da costureira do CAC.

Ray demorou quatro décadas para assumir sua vocação. “Eu comecei a costurar quando tinha 7 anos. Minha mãe era professora da Vogue [escola de costura], tinha uns 50 alunos e eu ficava assistindo. Só que eu não sabia que tinha esse dom, porque não o aceitava”. Com uma irmã que sonhava se tornar advogada, a pequena Ray acreditava que sua aptidão era menos requintada. “Eu chorava, e dizia que minha mãe não gostava de mim, porque minha irmã ia ser doutora e eu costureira”, lembra.

Depois de se casar e criar três filhos, ela decidiu ajudar a renda familiar construindo um pequeno atelier em casa. “Eu tinha uma máquina e fazia meus modelinhos. O pessoal perguntava: você é costureira? E eu não admitia”. Aos 40 anos, Ray foi encorajada por sua irmã, que trabalhava (como advogada) na reitoria da USP, a prestar um concurso público para figurinista do CAC. “Prestei o concurso em 2006. Fiz brincando pois sabia que não ia passar, afinal, não era costureira mesmo”. Acabou ficando em primeiro lugar. “Aí que eu admiti que era costureira”.

Foto: Bianca Kirklewski
Foto: Bianca Kirklewski

A figurinista conta que encontrou no Departamento de Artes Cênicas a liberdade. “Quando entrei, estava em depressão. Me curei aqui, porque nesse lugar eu consigo ser eu mesma. Não preciso pôr máscaras”. Agora, além de criar vestimentas, ela atua como segunda mãe dos estudantes. “Alguns que moram em outras cidades vêm me pedir conselho, porque estão longe da família”, revela.

Costurando o invisível

Ray reconhece trabalhar com fantasias. “Quando chega o aluno e pede para eu fazer um figurino, não estou falando com a pessoa, e sim com o personagem. Eu converso com o personagem invisível e tenho que fazê-lo existir”.

Ao ser questionada sobre as vestimentas mais interessantes que já teve que construir, a costureira se perde. “Terminamos o figurino e já queremos que ele vá embora. A gente nunca fala o que fez porque acaba esquecendo”. Apesar disso, logo se recorda de um exemplo.

Em uma ocasião, lhe foi encomendada uma roupa de vento. “Nunca vou me esquecer do vento. Eu pensei: puxa vida, até que enfim me pegaram. Mas eu consegui fazer”. Para tal proeza, ela utilizou palha, sacos de estopa e algodão. “Ficou muito bonito”, admite.

Segundo a costureira, a USP falha ao não apoiar adequadamente o setor. O acervo de figurinos, por exemplo, não conta com nenhuma forma de controle de empréstimos. “Eles não são catalogados. Além disso, falta iluminação, ventilação e conservação adequada”. Ainda assim, Ray acredita que a área é valorizada, principalmente dentro do departamento. “Eu sinto que meu trabalho faz parte do processo do teatro. Se não for eu, vai ser outra pessoa, mas o trabalho, essa área, é muito importante dentro do teatro. Fala muito alto”.

Foto: Bianca Kirklewski
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