Tempos nebulosos: previsão de incertezas

É, não é só você e a JoutJout, tá todo mundo mal mesmo

Até pouco tempo, reinava Cunha no Congresso. Base forte, homem influente. Quem tem medo do lobo mau? Imagino, hoje, todos aqueles ex-irmãos perguntando diante de seu antigo rei. Antes, muitos de lá eram unha e carne; agora, só restam para ele os 450 tiros políticos. Digo que mereciam todos aqueles 10 closes errados. Mas você já pensou o quanto isso reflete o nosso dia a dia? Não apenas no campo da política gourmet, mas da política da rua, aquela que nós vivemos.

Quantas amizades e amores você já “perdeu” pois não vinham mais a calhar? Se distanciou pois a pessoa não acrescentava mais nada? Nestes tempos nebulosos, temos cultivado relações que são convenientes. Não que façamos isso por mal. Mas é que tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Às vezes, precisamos escolher entre um rolê e outro. Entre almoçar com a família ou ir no churras com os amigos. Entre terminar um relacionamento ou tentar mais uma vez. Entre cassar (e ficar bem na fita) ou honrar o antigo compromisso com o aliado derrotado.

Nossas relações são políticas, e pequenas escolhas impactam diretamente o modo como vivemos. Talvez não sejam apenas os tempos nebulosos: nós estamos nebulosos. “Não dá pra confiar em mais ninguém”, gritaria o tio no almoço de domingo. Me pergunto o quanto ele confia nas pessoas. O quanto confiam nele. Quão considerada é a palavra dele. Quão honrados são os compromissos dele. Assim como aquele outro rolê que você disse que iria, mas não foi. Como a Marta que fez propaganda pró Haddad, e agora concorre com ele à prefeitura de São Paulo. Como a Dilma disse que não iria vender o pré-sal, mas vendeu. Como aquele nude que você espalhou, mas que prometeu guardar.

Tentativa falha de demonstrar ao mundo que está tudo bem, que “sou uma pessoa legal”, que fala “me chama, que eu vou” ou “confia na mãe” – mas cujo caráter real não é aquele demonstrado. Pelo menos, não aquele como o do Facebook. No Instagram, somos todos felizes. No Twitter, todos contra a corrupção. Somos hipócritas, essa é a verdade. É aquele chokito que você roubou, mas que condenou o adolescente por roubar seu celular. É discursar contra o crime das pedaladas, mas ser réu por improbidade administrativa ao não cumprimento do piso. Talvez sejamos apenas autosabotadores de nós mesmos – como o clássico “faça o que eu digo, não o que eu faço”. A grama do vizinho, assim, sempre será mais verde.

Fingimos o tempo inteiro e não conseguimos sair da mesmice. A inércia do discurso inflama, enquanto a ação fica inerte. Ativistas de sofá. É difícil sair da zona de conforto. É difícil nos dedicarmos a algo. É difícil. Os likes são contados, e os egos, inflados. É muito mais fácil o plano imaterial da internet do que o real das nossas vidas. Lembre-se: nunca leia os comentários. O extremismo visto nas redes se perpetua do âmbito da vida pessoal para a vida coletiva.

Nestes tempos incertos, impor as próprias concepções é mais fácil do que tentar compreender as dos outros – os “outros”, tão diferentes do “eu”. A vida pessoal é inseparável da vida política e coletiva. Teoricamente, deveríamos saber separar melhor. Deveríamos saber nos colocar mais no lugar dos outros. Primeiro dia de aula, Empatia I: escutando o outro. De “Escola sem partido” para “Escola com ouvido”. Se informar, para, então, entender. Não é proibindo o posicionamento político que se resolve problemas e divergências políticas (tão naturais à democracia): a falta de diálogo apenas distancia o eu do outro.

Crédito: Tuxa
Crédito: Tuxa

Distanciamento não apenas político, mas afetivo. Tenho achado muito engraçado (ou trágico?) como nossas relações amorosas se desenvolvem na internet – e como tem se modificado a partir do uso dela. “Miga, ele visualizou e não me respondeu”; “Se eu mandar mensagem agora, ela vai achar que tô afim demais”. Talvez ele não podia responder na hora, e esqueceu. Talvez ela não ia achar nada, e tudo bem, também.

As pessoas estão com medo de se entregar, de mostrar quem elas realmente são. Do plano amoroso para o mundo. Não demonstramos quem somos, não conseguimos confiar nos outros pois não sabemos quem eles são. Estamos com dificuldade para manter relações duradouras, daquelas face a face. Das relações que mantemos, o fazemos enquanto é conveniente. Vide Dilma, vide Cunha. Uma, injustiçada; outro, justiçado. E ambos traídos por seus aliados. Para além de Brasília: quando os gênios não baterem mais, block and delete – e espero que nunca tenhamos tecnologia suficiente para bloquear pessoas ao estilo da série Black Mirror.

Bloqueamos, então, pois não nos sobra paciência… e nos falta tempo. Afinal, tem muita coisa acontecendo. E precisamos ser mais. Muito mais, sempre. Veja só as revistas. Grandes histórias de sucesso, de vidas ideais. Dinheiro, fama, tranquilidade. É difícil entender que essa não é a vida real. Vida real, que é dura, e machuca. Queremos ser como os outros, e então nos enchemos de coisas – das quais não temos sequer tempo para nos aprofundarmos. Afinal, quando é que aos 23 anos não estamos milionários?

É, não estamos. E tá tudo bem, a vida é muito mais do que dinheiro ou fama. É felicidade, é amor, é confiança. Precisamos nos entregar, e viver intensamente o momento. Cultivar relações, convidar para um café, e aprender que amizade é muito mais do que um like da pessoa. Para tudo isso, é necessário tempo. Tempo para conversar, para se encontrar. Tempo, inclusive, para não fazer nada. Olhar para o teto, para o céu. Refletir sobre a vida, sobre nossas ações. Olhar no olho, e não apenas no celular. Olhar até onde chegamos, e ter pelo menos duas certezas: a primeira, é que o Temer tem que cair; a segunda, é o quanto ainda podemos fazer para sermos felizes. Previsão do tempo: os dias melhores que virão começam agora mesmo.