Como surge uma mostra do Cinusp?

Funcionários do cinema da USP explicam como funciona o processo de criação da programação
Foto: Aline Naomi
Foto: Aline Naomi

Desde sua criação em 1993, o Cinusp tem entretido centenas de espectadores de segunda a sexta, às 16h e às 19h exceto aos feriados. Só em 2016, foram 33 mostras e sessões especiais. Nesse ritmo, é impossível não se perguntar como surgem as ideias para cada mostra e os filmes que as compõem. Foi sobre isso que o Jornal do Campus conversou com Ayume Oliveira e Rena Zoé, estagiários e integrantes da equipe de produção e programação.

“Cada mostra nasce de um jeito diferente, a gente tem vários jeitos de trabalhar”, afirma Ayume. Ela explica que algumas mostras já são tradição e acontecem todo ano. É o caso da Mostra de Animação, que este ano teve sua quinta edição e 24 filmes. Dentre as obras, estão desde o blockbuster DivertidaMente até Wood & Stock – Sexo, orégano e Rock’n’Roll, não recomendado para menores de 16 anos. Esta mostra, por ser composta majoritariamente por filmes infantis e ter acontecido durante as férias de julho, atraiu um público infantil que não está presente nas outras.

Outra mostra tradicional é a Novíssimo Cinema Brasileiro, também em sua quinta edição em 2016. A ideia é representar e refletir sobre a produção nacional contemporânea. Dentre os 17 filmes que a compuseram, 2 foram pré-estreias: Ato, Atalho e Vento e Garoto. 4 contaram com debates: Marina Person e o elenco debateram Califórnia, Anna Muylaert debateu Que Horas Ela Volta?, Jordana Berg debateu Últimas Conversas e Loucas Para Casar contou com um debate com a crítica.

Zoé afirma que duas mostras terão segundas edições em 2017: Obscena: sexo no cinema, criada em 2014, e À Esquerda da Tela, criada em 2015. A primeira pretende discutir o sexo e os limites entre erotismo e pornografia. A primeira edição contou com 25 obras que abrangem desde Azul É A Cor Mais Quente até Garganta Profunda, o primeiro filme pornográfico a ser exibido em salas de cinema convencional.

À Esquerda da Tela se propõe a reunir filmes influenciados pelo marxismo. A descrição da mostra no site do Cinusp explica essa relação: “No momento de crise econômica, o resgate crítico desse cinema é imperioso, uma vez que ele aponta caminhos possíveis para respondermos diversas questões que pairam sobre nós e, por conseguinte, sobre o próprio cinema na atualidade”. Em 2015, foram apresentados 18 filmes de diretores que inseriram suas visões políticas em sua obra, em forma e conteúdo.

As mostras que se consagram como “tradicionais” são as que têm uma resposta positiva do público. Mas o que isso significa? “É principalmente sobre audiência, mas também sabemos pelo boca a boca, ouvimos as pessoas comentando sobre as mostras pela USP”, afirma Rena. E Ayume completa: “Também vemos bastante os eventos no Facebook, as curtidas e os compartilhamentos”.

Quanto à audiência, também varia muito de acordo com a programação. Um público médio varia entre 15 e 20 pessoas. Uma mostra de grande público atrai cerca de 60 espectadores é o caso das anuais, mas também de mostras novas, como a Monstra: Cinema Queer, que propôs debates sobre identidade de gênero e diversidade sexual. Além dos filmes, esta mostra também trouxe Dário Neto, professor da Universidade Estadual do Paraná, ex-conselheiro estadual LGBT de São Paulo. Uma sessão especial de curtas metragens também contou com performances drag e debate com realizadores e performers.

Os estagiários do Cinusp Ayume Oliveira e Rena Zoé, que auxiliam na escolha dos filmes. Foto: Aline Naomi
Os estagiários do Cinusp Ayume Oliveira e Rena Zoé, que auxiliam na escolha dos filmes. Foto: Aline Naomi

As mostras atraem públicos distintos, não só em quantidade: enquanto a Mostra de Animação tende a atrair muitas crianças, a Nuberu Bagu (sobre a Nouvelle Vague japonesa) atrai principalmente a comunidade japonesa. Esta última foi composta por 15 filmes produzidos no Japão entre 1959 e 1971, quando o capitalismo passou a ser inserido no país

Sobre a escolha dos filmes para cada mostra, ambos afirmam que existem diferentes eixos que pautam as decisões. Algumas mostras são temáticas, o que significa que o traço em comum entre os filmes é o tema; foi o caso da Filmes de Morte Para Ver Antes de Morrer, por exemplo. Neste caso, foram escolhidos 14 filmes de diferentes contextos e autores, unidos por pautarem a morte. Em algumas mostras, esse eixo é a nacionalidade dos filmes (como foi o caso em Cinema Grego: Família e Ruína), ou o autor (Farocki: Destrinchando as Imagens, por exemplo), e assim por diante.

A representatividade também é importante na hora de decidir os filmes que entrarão na programação. “Sempre tentamos ter um protagonista negro, uma diretora mulher, uma produção brasileira. A gente tenta ser bem plural, para não ficar uma cinematografia muito europeia, feita por diretores homens brancos”, explica Ayume.

Além da escolha do tema e dos filmes, o grupo também escolhe as imagens e artes que ilustrarão os cartazes, folhetos e outras formas de divulgação das mostras. Também são escritos os textos de apresentação para o site e, para algumas mostras, são publicados os livros que compõem a Coleção CINUSP.

Só rindo para não chorar

2016 certamente não foi fácil para ninguém. Para aliviar um pouco da tensão que foi este ano, a programação em cartaz no Cinusp coloca o riso para ser a válvula de escape do público. Intitulada de 2016: Rir para não chorar, a mostra do Cinusp encerra o ano privilegiando o gênero da comédia e exibindo obras que marcaram a história do cinema.

Rena Zoé conta que a própria programação do Cinusp durante o ano foi densa. “Ela refletiu um pouco o peso deste ano, cheio de acontecimentos políticos caóticos e desilusões”, explica. “Queríamos rir um pouco e pensar no cinema com o potencial de aliviar a carga do cotidiano, mas sem desconsiderar o que há de crítico na comédia”.

Um dos filmes que ilustra essa união entre comédia e crítica é O grande ditador, primeiro filme inteiramente falado de Charles Chaplin, que dirigiu a obra e também atuou nela interpretando dois personagens ao mesmo tempo. O filme, de 1940, é uma sátira à Segunda Guerra Mundial e critica o regime nazista existente naquele momento.

“Várias coisas são problematizadas, mesmo que isso não seja o nosso foco no momento”, comenta Rena. “Queremos que as pessoas riam e essas questões apenas estão lá. Elas não deixaram de existir apenas porque o riso está presente”.

Ayume Oliveira explica que a escolha pela comédia aconteceu por conta da bem sucedida mostra Monstra Cinema Queer, cujo recorte temático era o cinema LGBT. “A grande maioria dos filmes que encontramos era melodrama. Achamos que isso não era nada afirmativo e escolhemos comédias ou filmes experimentais que fogem disso e fomos muito bem sucedidos, porque tem filmes nos quais você ri muito, mas há uma crítica”.

A programação conta com alguns clássicos da comédia, como  Apertem os cintos… O piloto sumiu, considerado um dos filmes mais engraçados do cinema, e Quanto mais quente melhor, que tem a participação de Marilyn Monroe. Há ainda Os fantasmas se divertem, obra dirigida pelo famoso diretor Tim Burton e que mescla comédia, horror, ficção científica e fantasia.

Divide espaço com esses filmes dois títulos do cinema brasileiro, no qual a comédia sempre foi bastante presente. Um deles é O batedor de carteiras, filme de 1958 dirigido por Aloísio T. de Carvalho, e o outro é O Auto da Compadecida, um sucesso da comédia brasileira inspirado na obra do autor Ariano Suassuna.

Além desses filmes, também está presente na mostra um título lançado neste caótico 2016: Vizinhos 2: O despertar da sororidade, com a participação do ator Zac Efron. “É um filme recente que fala de feminismo tirando sarro do machismo, e você não consegue parar de rir porque é muito engraçado ver uma quebra de paradigma em um besteirol”, conta Ayume.

Os responsáveis pela organização da mostra explicam que havia a intenção de deixar esta mostra o mais plural possível, assim como ocorreu com as outras durante o ano. A programação mescla clássicos hollywoodianos com o cinema independente americano, incluindo títulos latino-americanos e europeus, com um representante da comédia italiana.

A mostra 2016: Rir para não chorar vai até o dia 18 de dezembro e as sessões ocorrem no Cinusp Paulo Emílio durante a semana e no Cinusp Maria Antônia aos finais de semana. A entrada é gratuita.

 

Por Luiza Missi e Aline Naomi