Remédio é opção para prevenção de HIV/Aids

Equipe com cientistas da USP aprovou uso do Truvada; país tem mais de 40 mil casos por ano
Foto: Helena Mega
Campanha para teste rápido de HIV e sífilis promovida pela FMUSP. Foto: Helena Mega

Nos últimos cinco anos, o Brasil registrou uma média de 41,1 mil novos casos de Aids ao ano. Os dados são do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, atualizado anualmente na véspera do Dia Mundial de Luta Contra a Aids. Ainda que a mortalidade pela doença tenha diminuído em 42,3% nos últimos 20 anos no país, a constância das novas infecções, que cresceram entre grupos mais jovens (de 15 a 24 anos), é preocupante.

Com foco na prevenção, pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foram convidados em 2014 para formarem o PrEP Brasil, um programa para avaliar a eficácia da implantação da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) no país em um prazo de dois anos.

Assim, uma importante etapa do estudo foi concluída em 2016 e os resultados obtidos foram positivos: a partir do acompanhamento de 500 voluntários, o método foi em geral bem recebido e não houve infecção por HIV entre os que seguiram o tratamento corretamente. Os efeitos colaterais do remédio costumam ser sentidos apenas no primeiro mês e podem incluir gases, um pouco de enjoo e fezes mais amolecidas e frequentes.

A PrEP é um meio de prevenir novas infecções pelo vírus da Aids e consiste na ingestão do Truvada (medicamento que contém dois antirretrovirais) por pessoas não soropositivas. O nível de proteção a novas infecções chega quase a 100% caso ingerido diariamente. É indicado para o público mais vulnerável à doença.

O infectologista Ricardo Vasconcelos é o coordenador e pesquisador do PrEP Brasil pela USP e explica que, entre os mais vulneráveis ao HIV, estão homens que fazem sexo com homens, travestis e transexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas. Eles são os que concentram o maior número de novos casos de HIV por ano.

“Desde 2014, a Organização Mundial da Saúde recomenda que o Brasil utilize esse método de prevenção para as populações chave, que são, há 35 anos, os mesmos grupos. A diferença é que estamos vendo cada vez mais casos entre os mais jovens”, explica o médico.

Com a PrEP, tem-se, pela primeira vez, uma alternativa de prevenção ao uso do preservativo, que não funciona para todo mundo, seja por atrapalhar o momento da relação sexual, causar desconforto ou até mesmo alergia — informação que foi ignorada por muitos anos. “Enquanto houver gente transando, vai ter gente tendo problema com a camisinha. A PrEP é melhor do que usar preservativo? Não, é pior: só protege do HIV, e não das outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), e não protege 100%”, lembra Ricardo.

Ainda assim, a Profilaxia Pré-Exposição tem duas indicações muito precisas: para pessoas que têm relações com vários parceiros (ou várias parceiras) e não se sentem bem usando camisinha, e para casais sorodiferentes, em que uma pessoa tem HIV e a outra não.

No caso de uma exposição específica, é possível recorrer à PEP (Profilaxia Pós-Exposição), oferecida pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e que pode ser aplicada em até 72 horas após o risco de infecção pelo HIV, diminuindo as chances de sobrevivência e multiplicação do vírus no organismo. São, então, 28 dias de terapia antirretroviral.

Em uma comparação feita por Vasconcelos, a PrEP seria como o anticoncepcional para as mulheres, remédio que é tomado regularmente e oferece maior liberdade de escolha sobre o próprio corpo. Já a PEP seria como a pílula do dia seguinte, que funciona para casos não periódicos.

Segundo o Ministério da Saúde, a PrEP deverá estar disponível gratuitamente via SUS no início do próximo ano. Hoje, o medicamento pode ser adquirido em farmácias, sendo importado dos Estados Unidos. Para quem mais precisa, no entanto, ainda é pouco acessível.

1º de dezembro
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Foto: Helena Mega

No Dia Mundial de Luta Contra a Aids, a Faculdade de Medicina da USP promoveu, por meio do SEAP (Serviço de Extensão ao Atendimento de Pacientes HIV/Aids), uma campanha de teste rápido para detecção do HIV e sífilis.

O teste de HIV é feito com amostra de fluido oral (saliva) e demora meia hora para ficar pronto; para a sífilis — DST que sofre epidemia no país —, é colhido sangue com um furo no dedo.

No mesmo dia, através do Programa USP Diversidade, coordenado pela professora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP) Ana Paula Morais Fernandes, foram distribuídos preservativos nos campi da USP do Butantã e de Ribeirão.

Ana Paula também coordena do Grupo de Estudos em HIV/​Aids (GEHA), vinculado ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP. Ela explica que o estigma associado à Aids é a maior dificuldade na vida de uma pessoa soropositiva. Por isso, é importante atrelar o enfrentamento da epidemia a uma questão de direitos humanos.

“O reconhecimento do acesso universal e gratuito para a prevenção, diagnóstico e tratamento são importantes no combate ao HIV/Aids. Fazem parte as campanhas de prevenção com a disponibilização de preservativos, testes para o diagnóstico e tratamento para aqueles que forem diagnosticados”, coloca.

O infectologista do Hospital das Clínicas Ricardo Vasconcelos, que coordenou a campanha no SEAP, no entanto, lamenta que o alerta sobre o HIV apenas surja nessa data. “Se falar só uma vez por ano não adianta, tem gente transando o ano inteiro”, diz.