“USP não está próxima de lugar nenhum”, diz geógrafo

(Foto: Arquivo/2016/Heloísa Iaconis)

A tese de doutorado “A cidade sob quatro rodas”, defendida em 2004 pelo geógrafo Jaime Tadeu Oliva, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), analisou como o desenho urbano e as políticas paulistanas de mobilidade, ao longo das últimas décadas, foram orientados pela inserção maciça do automóvel na cidade, produzindo espaços marcados pelas grandes distâncias e o isolamento. A quantidade de marginais e grandes avenidas, praticamente os únicos meios de conexão entre as regiões da capital, são exemplos da situação. O número de carros é notável: de acordo com o IBGE, há mais de 5 milhões.  

Hoje professor no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), Jaime  também percebe como esses fenômenos também se repetem na Cidade Universitária e em sua relação com o seu entorno. “O campus Butantã da USP não fica perto de lugar nenhum, nem das regiões vizinhas”, diz. “Isso não é um acidente geográfico ou de natureza, mas uma construção.”

Segundo Jaime, por mais que, nos últimos anos, medidas como a construção da Estação Butantã na Linha 4 – Amarela do Metrô tenham contribuído para a integração daquela região com o resto da cidade, a USP ainda é considerada um lugar isolado e de difícil acesso. Isso ocorre devido à falta de elementos que estabeleçam uma real integração da Universidade com os espaços externos. O acesso de carros e ônibus, por exemplo, é limitado no campus; a Cidade Universitária é mantida dentro de cercas, em vez de construir pontes ou caminhos mais diversos com as regiões vizinhas; as atrações que estão lá dentro são apenas voltadas à comunidade uspiana, entre outros fatores.

“A ideia de próximo e longe passa pela ideia de integração. A USP é um ambiente fechado, que não repercute sobre o ambiente externo e não deixa o lado de fora influenciá-la”, diz. Ainda hoje, ele exemplifica, é difícil para docentes e pesquisadores organizar eventos voltados a públicos de não universitários, justamente pela possibilidade de muitas pessoas não marcarem presença no campus.

No campus Também são destacadas as condições de deslocamento no interior da Cidade Universitária. Para Jaime, é como se o campus fosse um arquipélago: as longas distâncias entre as unidades e a falta de trajetos interessantes para a locomoção a pé, inibindo a circulação das pessoas, fazem com que os institutos pareçam “ilhas” isoladas entre si. “O mundo da Poli é muito separado das humanidades, por exemplo. Mesmo durante o dia, a gente não observa, nas áreas verdes do campus, muitas pessoas andando de uma unidade para outra”, diz.

Entre as razões para o isolamento, o professor aponta o desenho urbano (marcado pela presença de rotatórias, entre outros elementos desfavoráveis à passagem de pedestres), a falta de espaços de convivência entre as unidades (como livrarias e cafeterias) e medidas como a inserção de catracas em determinados institutos. A própria trajetória dos ônibus circulares, que são longas e limitadas, não incentivam a construção de caminhos mais ágeis dentro do campus.

“Num local como uma cidade universitária, onde todo o conhecimento está presente, espera-se que as instituições proponham a integração, o convívio e as relações constantes entre estudantes de diversas áreas”, afirma Jaime. “Mas constatamos que não há isso.” O professor ainda destaca benefícios que a integração poderia trazer para a segurança no campus. Num ambiente ocupado, ele diz, os próprios passantes contribuiriam para a vigilância de ruas e outros espaços abertos.

Alternativas Guilherme Vidal, estudante de Ciências Sociais, pedala há pelo menos 2 anos pela USP e desde então se engaja com a causa dos cicloativistas, participando de assembleias e fóruns, além de promover a mobilização através de grupos no Facebook como “Bike na USP”. Segundo ele, ser ciclista é ter que disputar espaço com os carros, “tomar as famosas finas”, conviver com o perigo de ser atropelado e ser roubado. Os benefícios, no entanto, compensam os perigos: economia de tempo e dinheiro, autonomia para fazer os próprios horários e a liberdade de ocupar os espaços de convivência. “Isso que não estamos nem falando de ganhos na qualidade de vida ou no impacto no meio ambiente”.

A preocupação com a sustentabilidade segue uma tendência global, na qual os meios de transporte cumprem um importante papel. Para este ano, por exemplo, a Reitoria quer lançar luz no Programa de Mobilidade – Mobi USP, que foi apresentado pela superintendente de Gestão Ambiental da Universidade, Patrícia Faga Iglecias Lemos, durante a 13ª edição da reunião dos dirigentes da Universidade, no campus de Piracicaba, em dezembro do ano passado. O projeto prevê o desenvolvimento de ações na área de integração de modais, de compartilhamento de veículos e de bicicletas e de desestímulo ao uso do automóvel.

Recentemente, a Superintendência de Gestão Ambiental abriu edital para um concurso cultural que visa eleger as melhores propostas de mobilidade no campus da USP Cidade Universitária. O objetivo é buscar soluções que auxiliem a mobilidade no campus e na criação de espaços mais agradáveis nos quais as pessoas possam se encontrar, conversar, conviver. “o concurso é bem aberto e incentiva a participação de todos, com projetos de diferentes áreas do conhecimento. Pode ser uma ação cultural, um espaço, uma norma ou um aplicativo, por exemplo”, afirma Patrícia em entrevista ao Jornal da USP.

*Nome fictício.