USP terá Centro de Referência para mulheres

(Foto: Iolanda Paz)

Projeto trará acolhimento para vítimas de violência de gênero e está em fase de implementação

Por Iolanda Paz

Demanda antiga do movimento feminista da USP, a proposta do Centro de Referência de Atendimento à mulher e vítimas de violência de gênero foi aprovada em reunião com o Reitor Marco Antonio Zago, no dia 18 de agosto. Um grupo de trabalho foi formado sob responsabilidade do Pró-reitor Adjunto de Graduação Gerson Tomanari para tentar viabilizar a implantação, mas o centro está sob risco de não ter contratação de profissionais. Estruturado por alunas com auxílio de professoras da Rede Não Cala!, o centro objetiva garantir suporte jurídico, psicossocial e de saúde física às mulheres da comunidade uspiana.

Para isso, serviços já existentes serão reunidos em uma malha descentralizada, com diferentes locais oferecendo atendimentos especializados. Farão parte da rede, por exemplo, o Hospital Universitário (HU), o Instituto de Psicologia (IPUSP), o Hospital das Clínicas – por meio do Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual (NAVIS) – e o Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa da Faculdade de Medicina da USP, pelo programa Conflitos Familiares Difíceis (CONFAD).  

Por mais que uma sede física tenha sido solicitada ao centro, todos os serviços serão porta de entrada para os demais, sem que haja um único local com a função de concentrar os diferentes tipos de atendimento. A proposta é que cada um dos pontos da malha atue como referência em sua especialidade – seja médica, ginecológica, obstétrica, psicológica ou jurídica – e possa, ainda, orientar as mulheres em situação de violência para outros equipamentos dos quais precisem.

Na futura sede do centro, será realizada a gestão e articulação da rede, além da sistematização do trabalho desenvolvido. Dados referentes às denúncias realizadas e aos números e tipos de atendimento serão compilados. Nesse espaço, trabalharão uma coordenadora e uma assistente, além de dois estagiários que estarão em contato com o Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito (FDUSP), para o aconselhamento jurídico sobre os possíveis caminhos para denúncia – tanto dentro da Universidade como na justiça comum.

Implementação

Para o funcionamento adequado do centro – além do espaço físico, da coordenadora e da assistente –, o projeto prevê a contratação de dois psicólogos para o IPUSP, dois profissionais para o CONFAD e dois para o HU. O cálculo considerou a atual falta de funcionários nesses serviços e, com o intuito de não sobrecarregá-los ainda mais, esses números foram propostos como mínimos para viabilizar o atendimento.

Na reunião de aprovação do projeto, as alunas Sarah Botelho e Letícia Li, que participaram da elaboração dele e estavam presentes no dia, contaram à reportagem do Jornal do Campus que o Reitor Marco Antonio Zago adiantou que não haverá contratação de profissionais para o centro. Por conta da crise orçamentária da USP, em abril de 2014, o reitor já havia anunciado que suspenderia as contratações de pessoal por tempo indeterminado.

O Pró-reitor Adjunto de Graduação Gerson Tomanari disse ao JC que, no momento, o grupo de trabalho busca soluções para viabilizar a existência do espaço físico e dos recursos humanos necessários ao projeto. “Estamos trabalhando para que o centro possa estar em funcionamento tão logo quanto possível.” Até o fechamento desta edição,  tinham sido realizadas três reuniões semanais para implementação da proposta.

Sarah conta que uma das saídas estudadas é o cargo de coordenadora ser preenchido com convênio externo – para que fosse possível ser alguém da Secretaria Estadual de Saúde, por exemplo – ou, então, uma professora da USP que se voluntariasse e passasse a ter dedicação exclusiva ao centro. “Não podemos criar um centro precário nem abandonar o projeto, porque esta é uma oportunidade ímpar”, ela afirma.

Para os profissionais do HU, IPUSP e CONFAD, estudam-se parcerias com instituições privadas que tenham sensibilidade com a causa feminista. Também se cogitam bolsas para alunos de pós-graduação. “São formas de conseguir profissionais qualificados sem necessariamente ser por meio de concursos”, diz Letícia. “Nosso projeto já é adaptado: o ideal seria um centro físico que concentrasse todos os serviços e que funcionasse 24h”, pontua.  

A professora Elizabete Franco, da Rede Não Cala!, considera essencial que a Reitoria apoie a iniciativa do centro, principalmente com recursos que viabilizem o projeto, priorizando as contratações, por exemplo. “Dada a relevância, os recursos não devem ser considerados como gastos e, sim, como investimentos”, diz. “Se a violência existe, é responsabilidade da universidade cuidar das pessoas e oferecer o melhor cuidado.”

Além das contratações dos oito profissionais já mencionadas, também é necessária a criação de 20 vagas com bolsas de estudo para estagiários de cursos como Psicologia, Direito, Enfermagem, Obstetrícia, Medicina e Comunicação Social, por exemplo. Outro ponto do projeto é a estruturação de um sistema eletrônico, similar ao Júpiter ou ao Janus, que integre todos os equipamentos do centro e as comissões de Direitos Humanos das unidades – que são possíveis portas de entradas para denúncias de violência de gênero.

O sistema terá que contar com formulários específicos para as diversas áreas de atendimento, além de campos para preenchimento de dados da vítima – idade, curso, tipo de violência, acusação, dentre outros –, sob o cuidado de preservá-los e mantê-los em sigilo. Os formulários evitam que as vítimas tenham de relatar repetidamente o mesmo fato e reviver o episódio de violência. 

Conquista das alunas

Em abril de 2016, a sede da Superintendência de Assistência Social (SAS) foi ocupada como estopim dos protestos contra a omissão institucional aos casos de violência contra a mulher no CRUSP. Nessa época, a então representante discente Julia Machini fez apelo no Conselho Universitário para que o Reitor se posicionasse em relação à questão de gênero na universidade. Zago respondeu dizendo que estava à disposição para que uma reunião fosse marcada. Segundo Julia, foi um longo processo, de muitas ligações, mas o encontro aconteceu no dia 31 de maio daquele ano.

Nele, a carta reivindicatória elaborada no II Encontro de Mulheres Estudantes da USP, em novembro de 2014, foi apresentada como síntese das demandas do movimento feminista. Julia conta que Zago considerou o documento abstrato, pedindo que as meninas escolhessem uma única solução. Foi dado prosseguimento ao projeto do Centro de Referência: ficou combinado que as alunas desenhariam a proposta e a apresentariam em outra reunião.

Sarah explica que o processo de elaboração foi trabalhoso e demorado, mas que foi impulsionado quando as estudantes procuraram a Rede Não Cala!, formada por professoras e pesquisadoras que, desde 2015, lutam pelo fim da violência sexual e de gênero na USP. O projeto foi escrito em parceria, com ajuda e orientação das docentes.

Segundo a professora Elizabete Franco, o centro é fundamental porque muitas mulheres sofrem violência na universidade e, por receio de serem expostas ou desacreditadas, não contam para ninguém. Assim, acabam não tendo nenhum tipo de apoio nem uma escuta qualificada que não as culpabilizem. Com o centro, a vítima poderá decidir o que prefere fazer. “O acolhimento poderá acontecer sem a denúncia”, diz. “Mas temos que dar suporte para quem está sofrendo violência.”