Impressos fazem parte do projeto pedagógico

Transformar os jornais-laboratório em versões somente on-line exigiria reestruturação do curso

Foto: Iolanda Paz

Texto: Iolanda Paz

Reportagem: Fredy Alexandrakis, Giovanna Querido, Iolanda Paz, Isabel Marchenta e Laila Mouallem

Diante do novo valor de impressão dos jornais, o Chefe de Departamento Dennis de Oliveira reuniu-se com a Direção da Escola de Comunicações e Artes (ECA) para manifestar a impossibilidade de o CJE arcar com o custo, conforme reportagem da página anterior. Nesse encontro em agosto, Dennis conta que foi sugerido, pela direção, que os impressos se transformassem em veículos exclusivamente on-line. “Eu recusei, porque essas disciplinas são de impresso”, ele lembra. “Não se pode mudar o projeto pedagógico em função de dinheiro”, afirma.

Um dos objetivos do curso de Jornalismo da USP é formar profissionais que dominem as diferentes linguagens jornalísticas, de acordo com as modalidades e meios de comunicação. Aliados às matérias teóricas, é por meio de laboratórios que os alunos exercitam a profissão na prática. Além de disciplinas de rádio, TV e on-line, três jornais impressos estão previstos no atual projeto político pedagógico do curso: Notícias do Jardim São Remo (NJSR), Jornal do Campus (JC) e Claro!.

Importância dos jornais

“Não sei se isso se aplica a todas as profissões, mas tenho a convicção de que o Jornalismo se aprende fazendo”, afirma Paula Scarpin, repórter da revista Piauí e ex-aluna do CJE. Para ela, os jornais-laboratório permitem que os estudantes vivam a experiência de redação ao transitarem por várias funções diferentes – como reportagem, edição, tratamento de imagem e diagramação –, além de fortalecerem o trabalho em equipe.

“Os alunos desenvolvem aptidões não apenas jornalísticas, mas também capacitação para planejar, organizar, liderar e executar uma publicação”, diz Eun Yung Park, professora responsável pelo suplemento mensal do JC. O propósito do Claro! – último laboratório impresso do curso – é que os estudantes exercitem um jornalismo criativo. Nele, pensam pautas e abordagens pouco recorrentes no mercado, além de ousarem nas artes gráficas e diagramação.

Com maior periodicidade do que o Claro!, o Jornal do Campus – segundo laboratório impresso – aborda os principais acontecimentos da USP. Produzido quinzenalmente pelos alunos, possui independência e liberdade editorial para pautar temas segundo o interesse público da comunidade uspiana. “Sempre falo que o JC não é um jornal do DCE, não é um jornal da ADUSP, não é um jornal institucional: é uma publicação do curso que pratica o Jornalismo”, diz Alexandre Barbosa, docente atualmente responsável pela parte editorial do laboratório.

Como conta José Coelho Sobrinho, orientador do JC por décadas, o antigo reitor José Goldemberg (1986-1990) dizia que o Jornal do Campus era a coisa mais importante para sua administração, porque precisava lê-lo para saber o que fazer, já que o periódico falava sobre aquilo que não gostaria de ouvir. “Então, o jornal sempre teve esse tipo de importância não só do ponto de vista pedagógico, mas também de discussão da própria Universidade – o que é a nossa função”, afirma Coelho.

Os jornais impressos têm relação direta com os públicos para os quais são pensados. “Tem muita coisa que acontece aqui dentro que não ficamos sabendo, e o Jornal do Campus que expõe isso para a gente”, diz Maria Simplicio, segurança do IME. “O JC é uma forma de integrar os estudantes aos acontecimentos da USP, e sinto que realmente pertenço à universidade”, diz André Hokama, aluno de administração na FEA.

Diferente dos outros impressos, o Notícias do Jardim São Remo não é pensado para o público da USP e, sim, para a co- munidade São Remo, que fica ao lado da Universidade. Ele é um periódico mensal no qual os alunos do primeiro ano executam o jornalismo comunitário. Segundo a moradora Janete Sousa, as pessoas leem e se interessam principalmente pelos assuntos que rodeiam a comunidade. A ex-aluna Eliane Scardovelli, que hoje trabalha no Profissão Repórter da TV Globo, conta que o NJSR influenciou seus caminhos profissionais. “As questões sociais com as quais me deparei na elaboração do jornal até hoje ecoam no meu trabalho”.

Por que imprimi-los?

De acordo com Alexandre, existem aprendizados que são melhor desenvolvidos no impresso. Decidir, por exemplo, se uma notícia entra do lado esquerdo ou direito da página, acima ou abaixo da dobra do jornal, colabora para o entendi- mento dos processos jornalísticos de hierarquização. “Conhecimentos que, apesar de serem usados no impresso, são aplicáveis a qualquer outro tipo de mídia”, comenta. Além, disso, o jornalismo impresso possui uma limitação de espaço característica que faz os alunos trabalharem critérios de seleção e noticiabilidade.

Outra questão pedagógica desses laboratórios está relacionada à distribuição dos jornais, feita pelos alunos às unidades da USP e à comunidade São Remo. Para Dennis, que também é professor da parte editorial do NJSR, esse momento é importante para ter contato com o público e perceber como ele reage ao conteúdo. Além disso, Luciano Guimarães, professor responsável pela parte gráfica do NJSR e do JC, diz que os jornais-laboratório são pensados para estarem ao alcance dos leitores e os instigarem. “Olhar para a capa de um jornal, ter vontade de folheá-lo e ler”.

Segundo Luciano, o impresso ainda traz maiores possibilidades de utilização do espaço, de posicionamento de elementos e de experimentação visual. “O jornalismo on-line não tem tanta riqueza no relacionamento entre texto e imagem”, diz. Para ele, é possível fazer um formato digital que dê conta de uma maior variação visual, mas isso exigiria um tempo de programação maior, uma outra equipe e um suporte técnico diferente. “Porque o jornalismo on-line que fazemos aqui [CJE], para ser rápido da forma como é possível trabalhar no digital, é hoje um formato quase de blog”, analisa.

E se fossem on-line?

Rosa de Fátima de Santos, moradora da São Remo, confessa que não leria o jornal comunitário. “Não mexo muito com computador”, diz. Para Janete, se houvesse apenas a versão on-line, seria péssimo, porque a maioria das pessoas que leem o NJSR não costuma acessar a internet. Por esse motivo, os moradores pretendem entregar uma carta aos reitoráveis na qual defendem a importância do jornal para a comunidade. Ela está sendo organizada pela ONG Projeto Alavanca Brasil e, até o fechamento desta edição, estava em fase de finalização.

Quanto ao Jornal do Campus, o estudante André Hokama diz que gosta do jornal físico e que ele é de fácil acesso, mas que também o leria no on-line. “Com menos frequência, porque seria no smartphone e me distrairia muito acessando redes sociais”, diz. Já Rodrigo Martins, aluno de Estatística no IME, comenta que só leria o JC se, de maneira digital, chegasse a ele, pois não manteria o costume de ler a edição se tivesse que procurá-la ou baixá-la em um site.

O ex-aluno e repórter da BBC Brasil João Fellet diz não achar necessariamente ruim que os jornais deixassem de ser im- pressos, desde que houvesse um empenho em transformá-los em bons veículos on-line. “De certa forma, essa transformação seguiria uma tendência mundial do jornalismo”, afirma. “Mas não basta, e nem seria desejável, fazer uma mera transposição do impresso para o on-line, publicando as páginas diagramadas em formato PDF, por exemplo.”

Para João, é preciso explorar as diversas possibilidades que o meio virtual traz, como contas em redes sociais e vídeos. “É uma outra lógica e são outras ferramentas, mas uma coisa não substitui a outra”, afirma Dennis. De acordo com o Chefe de Departamento, a diversidade de plataformas que o curso de Jornalismo da ECA possui é essencial, e não faria sentido perder uma delas – no caso, a de jornalismo impresso.

Quanto à possibilidade de os jornais não serem mais impressos, Alexandre comenta que não é só uma questão fi- nanceira, mas uma questão de projeto pedagógico. “Se fosse ser repensado, não seria de uma hora para outra”, diz. Para essa transformação, Eun esclarece que muitas discussões e debates teriam que ser feitos para a estruturação de um novo programa constituído por disciplinas reelaboradas ou inéditas. “Essa mudança teria que nascer aqui dentro do departamento e não ocorrer por um motivo distinto do pedagógico”, pontua.