Met(amor)fose

Por Mirella Cordeiro

Foi amor à primeira vista. Nunca tinha estado tão apaixonada. Sentia-me plena, inteira, completa. Vai dizer que com você também não foi assim?

Mas é como todo relacionamento. No início, a paixão ardente. Com o tempo, fui descobrindo os defeitos dela e, claro, ela foi descobrindo os meus. Ela me disse certa vez que eu não era tão inteligente quanto parecia, mas ela me quis assim mesmo.

Eu não desisti dela também, mesmo com sua falta de planejamento financeiro. Talvez seja porque sou capricorniana, mas isso me tira do sério.

Ela também parecia tão preconceituosa… Acho que é por causa do mundo em que sempre viveu: branco e elitista. Eu odeio isso nela e nós sempre brigávamos.

O primeiro mês foi comemorado no bandejão, dá para acreditar? Muita gente diz que eu exagero, mas ainda acho que foi o melhor filé de frango e a melhor goiabada que eu comi. Sim, sou uma romântica incorrigível.

Ilustração: Claudia Kodama

Todo nosso primeiro ano foi mágico. Estávamos nos descobrindo. Passávamos o dia inteiro juntas e, mesmo assim, no fim de cada dia, eu conhecia algo novo dela.

Como em 2016 teve greve, nos víamos pouco, mas todas as vezes em que nos encontrávamos era como se fosse a primeira vez. Queria gritar ao mundo inteiro que eu estava com ela. Sorria só de pensar no quão difícil foi para conquistá-la.

O nosso segundo ano juntas não foi tão mágico assim… Me senti desrespeitada algumas vezes. Nessa época, descobri que ela é machista e que, muitas vezes, não tem empatia com as pessoas que mais precisam. Mas eu ainda estava aceitando… Porque, apesar de tudo isso, ela ainda me fazia bem. Foi aí que a nossa paixão começou a se tornar amor. Amor racional, maduro.

Eu sei que não sou a melhor jornalista com quem ela já se relacionou, mas a gente se gostava e escolhia ficar juntas todos os dias quando nos encontrávamos.

O mais louco, depois desses anos, é ver que isso acontece, hoje em dia, com outras pessoas. Às vezes me pego admirando o brilho no olhar em quem acabou de conhecê-la. Ela é hipnotizadora.

Eu amava sentir que podia ser eu mesma com ela e, não vou negar, ainda sinto isso. Queria que todos tivessem essa mesma experiência… É normal querer dividir o meu amor?

O nosso terceiro ano juntas foi decisivo. Eu sentia que podia chamá-la de lar. Mas, ao mesmo tempo, ela me provocava a ponto de eu não saber por que mantinha aquele relacionamento. Não me sentia boa o suficiente para permanecer, mas acreditava que ela me engrandecia e, por isso, não cogitei fugir.

Ela também não aceita diferenças. Até parece que gosta de lidar com máquinas e não com seres humanos. É aficionada por produtividade.

A nossa comunicação? Um verdadeiro fiasco.

Tudo isso caminhou para que, no quarto ano juntas, não nos víssemos com tanta frequência. Eu comecei a ocupar outros espaços. Nenhum era como ela, é fato. Eles exigiam ainda mais de mim.

Me sentia tão exausta que, no fim do dia, não tinha mais forças para vê-la. O fim, que se arrastava para chegar, mas que ambas sabíamos que ia chegar, foi conturbado. Eu não sabia quem eu era. Não tinha tempo para as outras atividades, não tinha tempo para ela, não tinha tempo para minha saúde, não tinha tempo para minha família. Até hoje não sei onde foi parar o tempo naquela época.

Ela? Calada. Não se posicionava.

Parei de me importar com o que ela pensava sobre os outros, com sua falta de empatia, com o desprezo por quem não tem o mesmo nível, se é que isso existe.

Eu só queria me libertar. E foi o que eu fiz.

Os ensaios da bateria, as festas permitidas e as festas não permitidas na Prainha, os jogos no Cepe, os jantares horrendos no bandejão e os circulares lotados no começo do ano são as lembranças mais divertidas que eu tenho da nossa relação.

Exagerei. Circular lotado no começo do ano é triste, não divertido.

Eu demorei, mas descobri, durante esses quatro anos, que a USP não se resume em reitoria, não se resume em professores, não se resume em colegas de curso. Ela é todos eles juntos. Por isso fui capaz de tantos sentimentos diferentes: paixão, amor, desgosto, ódio.

Hoje, não nego: tenho carinho especial e uma pontinha de esperança de que a qualidade da educação, o hospital universitário, a permanência estudantil e tantas outras coisas boas não vão acabar. Também espero ver mais pessoas diferentes, mais vagas nas creches e no Crusp, mais vontade de retornar o investimento – e não gasto – para a sociedade.

Mas só sendo muito otimista para acreditar que haverá luz no fim do túnel quando se está cavando, insistentemente, para baixo.