Mesmo com novo regimento, avaliação de docentes tem pouco espaço para alunos

Experiências com participação de estudantes ocorrem de modo fragmentado nas unidades

 

 

 

 

por Raphael Concli

Assim como os alunos e a própria universidade, os docentes também estão sujeitos a avaliações. A USP é responsável pela condução desse processo, reformulado recentemente pelo Conselho Universitário (CO). As mudanças interferem, sobretudo, na progressão da carreira e na criação do Projeto Acadêmico do Docente, que se torna elemento chave da avaliação. Mas neste novo quebra-cabeça de siglas e instâncias, os estudantes são peças que mal aparecem.

O novo regimento aprovado em novembro de 2016 visa integrar diversos sistemas de avaliação da universidade, dando nova organização e diretrizes ao órgão responsável por conduzi-los, a Comissão Permanente de Avaliação (CPA).

Peça maior do processo, a CPA é formada por outras partes, dentre elas a Comissão de Atividades Docentes (CAD). É essa última que deve propor as diretrizes e o calendário de avaliação dos professores, que devem ocorrer a cada cinco anos. Não se trata de simplesmente dar nota aos docentes. São essas avaliações que permitem aos professores avançar na carreira.

Segundo o regimento, deve haver participação de representante discente junto à CAD. E apenas no quinto parágrafo do artigo 26 volta a dizer: “Os procedimentos e critérios para avaliação pelos discentes deverão integrar os instrumentos de avaliação.” Não há mais detalhes de como isso deve ocorrer. Procurados pela reportagem, membros da CAD não deram retorno até o fechamento da edição.

Composta por nove membros, três para cada área do conhecimento, a CAD é também responsável por orientar e apoiar os departamentos na criação dos Projetos Acadêmicos dos Docentes. São estes que devem indicar como cada professor atuará em diversos âmbitos: didática e atividades de orientação na graduação e pós-graduação; pesquisa; extensão e cultura; funções de gestão universitária; e demais funções pertinentes à área, como outros tipos de produção de conhecimento e atuação em política científica ou cultural. Os projetos devem ser articulados àqueles dos departamentos e unidades, que deverão aprová-los.

Na USP, o piso salarial de um professor com doutorado no regime de dedicação integral à docência e pesquisa (RDIDP) é de R$10.670,76. É esse o tipo de regime de 88% dos quase 6 mil docentes da universidade, que prevê 40 horas de trabalho dedicados à instituição. Trata-se de um salário maior que o de 98% da população brasileira e 5,5 vezes maior que a mediana do salário de um professor de educação bá- sica. Quando contratado, o novo docente entra como Doutor 1, seguido por Doutor 2. Através de concurso de livre-docência poderá tornar-se professor associado, etapa com outros três níveis. A cada novo perfil alcançado, há aumento no salário.

Detalhe de “Lousa” de Winslow Homer | National Gallery of Art, Washington, EUA

Outras experiências

Não é difícil perceber reclamações de estudantes a respeito de seus cursos. Entre a própria falta de docentes e problemas de infraestrutura, professores não raro são alvo de críticas. Atrasos, faltas injustificadas, métodos de avaliação questionáveis, disciplinas desatualizadas, situações variadas de desrespeito são alguns problemas. As queixas frequentemente morrem em corredores, pelo desconhecimento de como podem ser encaminhadas ou por medo de represálias.

Há, porém, experiências variadas pela USP em que avaliações de professores contam com participação discente. A Faculdade de Economia e Administração (FEA) é uma unidade onde isso ocorre com organização da coordenadoria dos cursos. Nos questionários avalia-se num primeiro a disciplina e depois o docente, considerando critérios como assiduidade, didática, conteúdo, avaliações, relata o professor Alexandre Saes. “Sempre buscamos confrontar as análises dos alunos com a perspectiva do docente sobre a disciplina, pois efetivamente não buscamos usar a avaliação de maneira punitiva, mas sim de maneira construtiva”, afirma.

Outras unidades também realizam processos próprios, como o Instituto de Matemática e Estatística (IME), Instituto de Astronomia e Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) e Instituto de Geociências (IGc).

“Eu acho que tem muito professor que nem sabe mudar, que usa as mesmas metodologias desde que começou a lecionar e não se adapta a novas gerações de estudantes, novas tecnologias, novas pesquisas e descobertas. Alguns não sabem como, tem dificuldade mesmo, estão presos a mesma pedagogia de sempre. Outros não acham que devem se dar ao trabalho”
Louise Stahl, ex-aluna de Publicidade e Progapanda

Dentre essas iniciativas, uma das mais estruturadas se deu por um processo chamado Consulta Discente Sobre o Ensino (CDE). Criada em 2001 pelo professor Cláudio Roberto Pacheco da Escola Politécnica para os cursos dessa unidade, a CDE seria expandida e reformulada pelos professores Giuliano Olguin e André Antunha.

Entre 2009 e 2014, diversas unidades chegaram a adotar o processo, aprovado por suas diretorias e comissões de graduação. Foi o caso da Faculdade de Direito (FD), Instituto de Física (IF), Instituto de Matemática e Estatística (IME), Instituto de Oceanografia (IO) e alguns cursos da Escola de Comunicações e Artes (ECA), conta o professor Olguin.

Com questionários de múltipla escolha e comentários abertos, o método considera aspectos diversos de cada disciplina e seu processo de ensino-aprendizagem, como didática e material utilizados, coerência em avaliações e uma avaliação do próprio aluno sobre o tempo dedicado fora de sala à disciplina. Relatórios detalhados consolidando os resultados eram produzidos para serem apresentados aos professores.

Em 2013, com o programa Ensinar com Pesquisa da Pró–Reitoria de Graduação, foi criado um projeto de divulgação das informações da CDE e suas consequências no cotidiano acadêmico. “Cada docente recebia seu resultado via Representante de Classe e/ou Coordenação de Curso. Os resultados eram discutidos em reuniões entre RCs, docentes e Coordenações de Curso. Sugestões de melhorias eram discutidas e encaminhadas quando necessário” descreve Olguin. Mudanças foram observadas pelo professor, da relação entre docente e estudante até alterações na grade curricular de cursos.

Comunicação

Louise Stahl, ex-aluna de Publicidade e Propaganda na ECA, conta que o processo era bem coordenado e demandou articulação de várias pessoas: alunos, professores e coordenação de curso. Não se tratava de algo para “cutucar os professores e receber desaforo de volta”.

Um relatório detalhado com os resultados foi elaborado e entregue aos professores em reunião marcada pelo departamento de publicidade e propaganda, quando a metodologia foi explicada. A apresentação aos docentes, porém, teve seus problemas. Alguns “chegaram na defensiva negando desde a iniciativa que tinha sido acordada com o departamento, a metodologia, e a própria iniciativa dos alunos”, lembra Stahl.

No curso de jornalismo, Aldrin Jonathan foi o aluno responsável por aplicar os questionários em sua turma no ano de 2012. Segundo conta, cada sala deveria ter um representante que fizesse o mesmo. Como as reuniões para discussão do processo eram à tarde, apenas calouros participaram do processo. Recolhidos os questionários, o professor Olguin auxiliava com a produção de dados.

Segundo lembra, o processo não foi em vão: “houve uma alteração na postura de alguns professores que receberam críticas. Alguns se comprometeram a tentar mudar a forma como davam aula, ou reavaliaram a bibliografia utilizada. Da minha parte, digo que foi algo positivo porque conseguimos levar aos professores o que nós alunos gostaríamos
de melhoria das aulas”.