Denúncias de estupro são chamadas de “fofocas” na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto

Cartazes fixados em mural acusavam relatos de violência de serem falsos e caluniosos

Os pôsteres foram exibidos nos corredores por quatro dias. Fotos: Coletivo Feminista Capitu

Por Maria Clara Rossini

No início deste segundo semestre, alunas da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP/USP) foram surpreendidas com cartazes que acusavam a ocorrência de falsas denúncias de estupro. Três pôsteres expostos no mural institucional da faculdade pediam para que as reclamações parassem.

Segundo a equipe responsável pela avaliação e fixação de anúncios no painel da Faculdade, ele é utilizado apenas para divulgação institucional. Os cartazes em questão foram repassados pela Assistência Acadêmica.

De acordo com a diretoria da faculdade, tratavam-se de anúncios para o evento “Violência, gênero e atividade conciliatória: limites e possibilidades”, organizado pela Comissão sobre Violência de Gênero da FDRP/USP.

Apesar disso, conforme observado nas fotos dos pôsteres, nenhum deles fez menção ao evento. Os cartazes foram retirados no dia 9 de agosto.

O Coletivo Feminista Capitu publicou uma nota repudiando o ocorrido e apresentando estatísticas sobre a violência contra a mulher. Segundo elas, o real problema não são as denúncias falsas, mas a falta de denúncias e o descrédito das mesmas.

Conforme questionário aplicado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), estima-se que haja 527 mil casos de estupro anualmente no Brasil, dos quais apenas 10% são reportados à polícia.

Não é de hoje

No início de 2017, o atual diretor da Faculdade de Medicina, José Otávio Auler, discursou na semana de recepção aos calouros fazendo um apelo para que as alunas e alunos não levassem eventuais casos ou problemas para a mídia.

Para Heloísa Buarque de Almeida, professora e pesquisadora de Antropologia,  o silenciamento tem duas causas. Uma delas é o discurso de desencorajamento (e consequente descrédito) das vítimas – como tentar abafar casos sob a justificativa de “preservar a reputação da faculdade”.

Heloísa Buarque de Almeida, fundadora da Rede USP Não Cala. Foto: Wender Starlles

A outra é a camuflagem das denúncias por meio de um silenciamento mais sutil: achar o caminho para denunciar, reviver a experiência e passar por situações e questionamentos que desmerecem o relato da vítima fazem parte do difícil processo de acusação.

Heloísa é fundadora da Rede USP Não Cala, que nasceu com o crescimento de denúncias de estupro na universidade. Inicialmente, ela ouvia relatos de alunas após o término das aulas. Hoje, diversas professoras buscam essas informações em cada unidade da USP.

Tripé de propostas

Ainda assim, muitas confidências não chegam a se tornar denúncias formais ou ultrapassar os muros da universidade.“É difícil punir porque essa é a prática dos trotes. Durante muito tempo as diretorias das universidades sabiam dos abusos nos trotes, mas isso era naturalizado”.

Em relação a casos emblemáticos, Heloísa se nega a comentar o desfecho, no mês de agosto, do processo que absolveu um estudante de medicina acusado de ter praticado estupro. “Eu não vou falar o nome dele, não bote na minha boca que eu falei o nome dele”.

Ela propõe um tripé de ações: a criação de um centro de referência, mudanças no regimento interno da USP e o estabelecimento de um atendimento jurídico. É fundamental que haja uma integração de serviços para o atendimento psicossocial e principalmente médico, já que a vítima de estupro deve procurar atendimento em até 72 horas para a realização de medidas preventivas.