Estudo da USP muda orientações da OMS para parto normal

Arte: Juliana Santos

Por Fernanda Teles

Baseada em resultados alcançados pelo projeto BOLD (Better Outcomes in Labour Difficulty – Melhores resultados em dificuldades do trabalho de parto), a Organização Mundial da Saúde (OMS) alterou suas recomendações para o parto normal. Realizado por uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP,  a pesquisa colocou em xeque a ideia de que existe um tempo ideal para um trabalho de parto completo.

O estudo, iniciado em dezembro de 2014 e publicado em 2018, em parceria com a OMS, apontou que o tempo de duração de um parto é muito variável e que não existe uma regra de velocidade para uma dilatação ideal.

Até então, a indicação era de que uma mulher em trabalho de parto deveria ter um centímetro de dilatação do colo do útero por hora. Sendo assim, como essa contagem se inicia a partir dos quatro centímetros de dilatação, o ideal era de que a grávida chegasse na dilatação desejada, de 10 centímetros, em até seis horas.

Caso isso não ocorresse, deveria haver uma intervenção médica. As duas opções mais indicadas e utilizadas são aplicação de ocitocina, para aumentar as contrações, ou a realização de uma cesária.

No entanto, essa antiga recomendação é baseada em um estudo de 1950, que foi reavaliado pela equipe da universidade. Segundo eles, essa intervenção poderia trazer malefícios para a mulher e para o bebê.

“Às vezes é dado ocitocina para melhorar a contração quando a mulher ainda não dilatou o suficiente. Isso pode gerar, por exemplo, uma lesão na vagina, na saída do bebê, porque o parto está mais rápido do que o necessário. Ou, então, acaba sendo realizada uma cesária desnecessária”, explica Lívia Ciabati, pesquisadora envolvida no projeto.

Mulher no tempo dela

Para poder verificar que a regra de “um centímetro por hora” estava desatualizada, os pesquisadores estudaram quase 10 mil casos de mulheres em trabalho de parto. Os dados foram coletados a partir de 13 maternidades diferentes, localizadas na Uganda e na Nigéria.

A escolha dos especialistas por esses países se deu devido aos seus grandes índices de mortalidade materna. Segundo a CIA World Factbook, a taxa nesses países em 2015 foi de 343 e de 814 a cada 100 mil nascidos vivos, respectivamente.

O resultado da pesquisa indicou que um trabalho de parto demorado, levando em conta o tempo de dilatação do colo do útero, não era um fator de risco, nem para a mulher, nem para o bebê. “Existem mulheres que vão de quatro a 10 centímetros em apenas duas horas, caracterizando um tempo de parto muito curto. Mas existem mulheres que são mais lentas, que vão demorar 12, ou até, 18 horas e isso não traz risco”, explica Lívia.

Segundo os pesquisadores, há outros aspectos que devem ser priorizados na hora do parto, como a avaliação dos batimentos cardíacos e o posicionamento do bebê.

Partos no futuro

A OMS sugere agora que cada mãe seja avaliada de maneira individual, já que as “linhas de alerta do partograma” – que indicam o tempo de dilatação da mulher – não têm mais tanta validade na hora do parto. É importante ressaltar ainda que tais recomendações apresentam valor mundial.

Agora, a intenção do grupo de pesquisa da USP é fazer uma ferramenta específica para substituir o antigo partograma, e também para avaliar e entender um pouco mais sobre os partos das mulheres no Brasil. “A principal alteração do partograma seria a remoção das linhas indicativas de intervenção, focando mais em sinais observados na mulher e no bebê”, explica Lívia Ciabati.

Segundo a pesquisadora, a principal mensagem desse estudo é a de que se deve dar tempo para a mulher parir. “Não precisa apressar: ela simplesmente precisa do tempo dela”.