Ode à desgraça

Por Henrique Votto

O resultado da corrida presidencial está pavorosamente traçado. A cada dia, o país observa o flerte intragável com o abismo se transformar em um perigoso casamento, com prazo de validade incerto.

Em uma eleição de tamanha importância democrática para um Brasil politicamente remendado dos pés à cabeça, desponta como vencedor um projeto imprevisível de desmonte de direitos civis e sociais, sustentado por uma ideologia imprudente, autoritária e altamente tóxica. Este ciclo eleitoral apenas aguarda a mensagem apocalíptica da próxima noite de domingo para concretizar seu legado de “perda total”.

Arte: Amanda Péchy e Pedro Vitória

O JC levanta aqui uma questão de ordem! não houve qualquer renovação do poder legislativo. O perfil dominante dos representantes se mantém: homens brancos, ricos e de idade avançada – muitas vezes, jurássicos na política. E há um preocupante adicional: a escalada assombrosa da onda conservadora, representada na figura do PSL, de Jair Bolsonaro.

O “mito” e seus capitaneados foram de legenda insignificante à segunda maior bancada em Brasília, na formação convicta de um palanque do capitão, chefiado pelo filho-marionete, o garoto de 34 anos que ameaça abertamente o funcionamento do Supremo Tribunal Federal.

É possível pescar algumas vitórias expressivas nesse mar de lama, mas a composição do Congresso Nacional e da Assembleia Legislativa de São Paulo escancara a materialização de um discurso carregado de ódio e paranoia que conquistou milhões de brasileiros.

O resultado das eleições mais importantes do país desde 1990 é sombrio, resultando numa sociedade assolada por induzida polarização ideológica, que faz da violência a arma para resolução de conflitos, como em muitos episódios noticiados pelo país. Trata-se de um povo retroalimentado por uma máquina de desinformação. Não concorda? Basta munir-se de cinismo e chamar um jornal de “comunista”, denunciar o fake presente em suas news.

Fake news virou, da noite pro dia, um sinônimo de verdade que não agrada? Aqui vai um fato desagradável: a realidade bate à porta. Bate à porta dos apartamentos estudantis da USP, pichados com suásticas. Bate à porta dos candidatos ao governo do Estado, que, diante do desmonte da universidade, não reservam um segundo de suas tresloucadas acusações pessoais para comentar o assunto.

Bate à porta do jornalismo e anuncia sua crise. De um lado, vê veículos buscando reverter a narrativa que financiaram nos últimos anos, e tentar, em três semanas, virar o jogo em prol da democracia e da liberdade de expressão. Do outro, a desonestidade prefere confiar uma denúncia de crime eleitoral a uma fabulação desesperada de um partido desmoralizado. Desespero… só pode ser piada.

Não sabemos o país que nos aguarda a partir do dia 29 de outubro. Mas ele bate à nossa porta, e não há possibilidade de abstenção em uma semana tão decisiva.

Fato é que o Brasil marcha, de maneira dissonante, em direção à desgraça.