As meninas estão fazendo ciência

Projeto coordenado pelo Instituto Oceanográfico dá aulas gratuitas para estimular interesse de meninas por ciências

Por Amanda Péchy

Elysandra Cypriano, Larissa Takeda, Patrícia Novaes, Camila Signori, Cecilia Payne-Gaposchkin, Mary Sears e Rachel Carson são mulheres muito diferentes, mas com algo em comum: são cientistas.

Em uma manhã de sábado, 50 meninas de dez a 14 anos, metade de escola pública, metade de particular, se reuniram no IO-USP para aprender sobre Astronomia. A aula faz parte do projeto Meninas com Ciência, que visa fomentar o interesse de meninas do 5º ao 9º ano do Ensino Fundamental pela área.

O dia começou com uma palestra conduzida por Elysandra Cypriano, especialista em Astrofísica Estelar e professora do IAG-USP. Para falar sobre o espaço, escolheu discutir a vida do sol. Natália, 10, disse que sua parte preferida da aula foi descobrir que o astro poderá engolir a terra. “Meio assustador, né?”, perguntei, ao que respondeu: “Não! Vai demorar muito ainda”.

Ao contrário do que muitos pensam, a morte do sol não se dará com uma grande explosão. Daqui cerca de 7 bilhões de anos, o astro começará a queimar hélio. A energia liberada será muito maior, gerando uma gigante vermelha. Depois, vira uma anã branca, ao redor da qual se forma uma nebulosa – nuvem de poeira e gases. É o “Assim expira o mundo/ Não com uma explosão, mas com um suspiro”, de T. S. Eliot.

Para Naira, 10, a melhor parte foi outra. Explicando a evolução estelar, Elysandra comentou como nascem estrelas. Isso acontece no berçário estelar, onde há nuvens moleculares gigantes. Com a ação da gravidade, gases e poeira se juntam. Aos poucos, um pedaço desprendido que ganha densidade e calor passa a girar em torno de si até virar um tipo de disco. Então, átomos de hidrogênio se fundem, virando hélio. Tudo isso leva dezenas de milhões de anos.

À tarde teve mais

O encontro foi o segundo de cinco. A cada sábado, são abordadas duas grandes áreas: as meninas chegam ao final do projeto com conhecimentos de oceanografia, educação, astronomia, neurociência, física, química, engenharia elétrica, paleontologia, zoologia e microbiologia.

A segunda parte da aula foi uma experiência em laboratório. Após breve exposição da doutoranda pelo IAG, Larissa Takeda, sobre o espectro dos elementos químicos, partiram para a montagem de um espectrógrafo caseiro. As meninas observaram a dispersão da luz, “mais ou menos como fazemos nos instrumentos modernos de astronomia”, conta Elysandra. Ávidas, corriam de lâmpada em lâmpada para observar diferentes emissões: mercúrio, fósforo e tungstênio.

Depois, fizeram uma observação do sol através de telescópios com filtros solares. Patricia Novais, doutoranda do IAG, e Andreia Azevedo, cientista amadora, ensinaram as meninas a utilizar os telescópios, e falaram sobre a importância da observação na Astronomia.

Deixando brevemente o IO, 50 pares de pernas se encaminharam para o almoço. Depois do descanso, as meninas iriam para a segunda etapa do dia: neurociência. Para Elysandra, “a ciência é feita por pessoas comuns, como a gente”. Por isso, o Meninas com Ciência pretende humanizar a área. “É preciso mostrar que é só fazer perguntas.”

Desequilíbrio no gênero

Na USP, o curso de Química conta com 33,5% de mulheres. Na Matemática, são 26,3%, na Física e Astronomia, 20,3%. Geologia, 12%. Esses dados do relatório de avaliação socioeconômica da Fuvest demonstram que ciência ainda  é majoritariamente masculina.

“Dentro da cultura escolar e familiar mulheres são sempre vinculadas ao cuidado”, afirma Elysandra. Desde a infância, há uma construção do masculino e feminino que limitam oportunidades para ambos os gêneros, mas principalmente meninas. Para a pesquisadora, mulheres têm que se provar muito mais, gerando desmotivação.

Elysandra ressalta que um ambiente onde há igualdade de gênero é mais rico. “Uma área de ciências dura não se desenvolve em sua plenitude sem um perfil feminino.”

A permanência na Universidade também é muito complexa. Elysandra é graduada em Física, e conta que “é como se o curso acinzentasse as mulheres. É preciso lidar com um machismo muito forte. Quando coloca muito seu lado feminino, passa a ser criticada e julgada.”

Mesmo após a graduação, inserir-se no mercado de trabalho é um desafio. Carreira e família entram em conflito, e muitas vezes mulheres são obrigadas a escolher. “Tive uma filha há oito anos. Era pós-doc da FAPESP e não tive licença maternidade oficial. Precisei trabalhar o dobro para conseguir ser competitiva e ter renovação de bolsa depois”, conta.

Rebecca, 13, tem a percepção de que a sociedade acha que mulheres não podem, ou não conseguem, fazer certas coisas. “Mas vendo que tantas mulheres já fizeram coisas boas para o mundo, passa a questionar isso.”

Origens do projeto

O Meninas com Ciência surgiu no Rio de Janeiro, há mais de 2 anos, voltado para geologia e paleontologia. Docentes da UFSCar Sorocaba trouxeram o curso para o estado de São Paulo, em 2017. Camila Signori, professora do IO especialista em microbiologia, foi convidada para falar sobre oceanografia. Ficou muito inspirada pelo feedback das meninas e decidiu trazer o projeto para a USP.

Muitas iniciativas como essa têm surgido: Lab das Minas (EACH), prêmio L’Oréal para Mulheres na Ciência, programa Mulheres na Ciência (British Council). Contudo, Camila afirma que ainda é preciso abordar a questão diretamente na escola e família. “Às vezes por falta de conhecimento, ou tradição em determinadas profissões, meninas são orientadas a seguir um caminho muito tradicional.”

A pesquisadora é otimista com os rumos da ciência entre as mulheres. Antes, se inspirava em Mary Sears e Rachel Carson. Hoje, se inspira nas próprias colegas.