O que as smart drugs não podem fazer por você

Especialistas alertam sobre o uso das substâncias inapropriadas por alunos universitários

Por Bruna Arimathea e Júlia Vieira

Os anos avançam, a vida universitária também. Pouco se fala da rotina exaustiva de alguns cursos, da pressão por um bom desempenho e das grades curriculares pesadas da graduação. A soma de tudo isso pode acabar adicionando um elemento a mais aos estudos: as chamadas smart drugs.

Enquanto LSD e MDMA, apresentados como “doce” e “bala”, rolam nas festas, na mesa de estudo ritalina e modafinil figuram entre os mais populares. Ambas as substâncias são classificadas como “tarja preta” e só podem ser comercializadas com receitas específicas, indicadas por médicos especialistas. Ainda assim, não é difícil encontrar as drogas entre os estudantes.

Lara*, recém formada nutricionista, contou ter recorrido ao uso de metilfenidato, a Ritalina, para estudar para uma prova da graduação. Sem nunca ter feito uso da droga, soube que a substância poderia ajudar nos estudos e decidiu experimentar.

De acordo com o médico psiquiatra Eduardo Humes, coordenador do GRAPAL (Grupo de Assistência Psicológica ao Aluno) da FMUSP, o caso de Lara, como outros, foca na melhora do processo avaliativo e é confundido com o processo de aprendizagem. “Ela poderia, inclusive, (por exemplo) ter tomado o estimulante na hora da prova, que não ia mudar nada, porque a questão é a sua performance”.

Com o consumo em dois dias seguidos, a estudante percebeu efeitos colaterais indesejados, como arritmia, pressão baixa e ataque de pânico.

“Vindo para esfera psiquiátrica, os efeitos colaterais gerados podem ser o aumento de sintomas ansiosos, sintomatologia depressiva e até uma virada maníaca — quando a pessoa sai de um estado normal ou de um quadro depressivo e vai para um estado de euforia, podendo desencadear sintomas psicóticos.”

Esses efeitos colaterais não são comuns nas pessoas que têm prescrição para o uso de estimulantes. No caso de Lara, que não tem circulação dopamínica no cérebro, o uso dos estimulantes gera uma sobrecarga de dopamina, noradrenalina, que pode desencadear todos esses sintomas. A experiência bastou para que Lara encerrasse o uso da substância. Mas não é o que ocorre em muitos casos.

Em outro depoimento, o estudante de medicina Pedro* relatou que utilizou modafinil, outro tipo de fármaco, por pouco mais de um mês, todos os dias. A rotina do estudo e trabalho obrigava o aluno a recorrer ao método.

Conhecida como “pílula da inteligência”, o medicamento é indicado apenas para o tratamento de narcolepsia. Assim como a Ritalina, a droga age no sistema nervoso central e estimula as atividade dos neurotransmissores.

Por indicação de amigos, Sofia*, hoje graduada em biologia marinha, fez uso de Aderall, similar a Ritalina, por cerca de um ano. A estudante conseguia o medicamento por conhecidos, de forma ilegal. “Eu não tomava para ficar acordada, porque café pra mim já resolve, mas era pra ajudar a concentrar”.

O surgimento dessa demanda tem uma razão. A necessidade de ter bons resultados acadêmicos juntamente com todas as outras atividades universitárias se torna uma carga grande a ser carregada.

“De maneira geral, as pessoas vão atrás porque percebem que estão tendo uma performance pior do que elas gostariam. Não necessariamente está associada a um adoecimento psiquiátrico, muitas vezes é estar em um curso de alta demanda e não conseguir suprir essa alta demanda, ou porque é intangível ou a pessoa tem uma necessidade de dormir, quer fazer outras coisas além deste curso”, afirma Humes.

O outro lado da pílula

Arte: Daniel Medina

Uma pesquisa apresentada pelo professor Flávio Guimarães, médico psiquiatra do Hospital das Clínicas da USP, aponta que cerca de 81% dos usuários entrevistados admitiram melhora na concentração diante dos estudos. Entretanto, segundo ele, esses efeitos testados na comunidade externa e em outros pacientes psiquiátricos não apresentam os resultados indicados pelos estudantes. Os dados foram reunidos pela Universidade do Porto, em Portugal.

“O que se observa de fato é que há um aumento da motivação e do ânimo e uma maior satisfação obtida, ou seja, o efeito motivacional é mais importante que o efeito real”. O estudo indica que a maior parte dos estudantes tem como benefício a motivação e não a ação da droga em si, similar a um efeito placebo.

“Mal comparando, é como a pessoa que usa droga em uma festa e acha que está se dando bem, quanto os outros ao redor vêem que ela está passando vergonha, por exemplo. A sensação subjetiva nem sempre reflete um real aumento de desempenho”, explica Flávio.

Humes fala sobre estudantes procurarem psiquiatras se queixando de dificuldade na atenção: “Às vezes a pessoa tem um quadro depressivo, um quadro ansioso, tem um outro adoecimento que está determinando prejuízo no funcionamento”, explica. “Temos que sair da questão de medicar o sintoma para medicar o adoecimento que ela tá apresentando”.

O psiquiatra alerta para a procura de assistência médica, pois a dificuldade de concentração pode ser por questões alheias ao diagnóstico psiquiátrico. “A gente tem que tomar cuidado, porque a maioria dos casos não é uma questão de tomar estimulante. Como que uma pessoa que não dorme direito, que não está se alimentando corretamente e que não está tendo uma rotina de atividades de lazer, vai conseguir um desempenho adequado?”.

*Os nomes verdadeiros foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados.

O Hospital Universitário fornece atendimento psiquiátrico. Para entrar na lista de espera, faça seu agendamento online em http://www.hu.usp.br/agendamentos/