Atlas mostra geopolítica da exclusão educacional no estado de São Paulo

Pesquisa evidencia a gestão da desigualdade territorial das escolas paulistas

Por Luciana Cardoso

ATLAS DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO

Está sendo lançado o Atlas da Rede Estadual de Educação de São Paulo, que entre outras descobertas, escancara a exclusão geográfica promovida pelo programa “São Paulo faz escola”, em vigor de 2008 até o ano passado. O Atlas constata que a escola pública está mais precarizada, com fechamento de mais de 80% dos laboratórios de ciências, 40 mil professores exonerados nos últimos 10 anos e 308 escolas fechadas.

Para o organizador do Atlas, o professor de geografia Eduardo Donizeti Girotto “temos um programa que apesar de se chamar São Paulo faz Escola, deveria ser chamado de São Paulo desfaz escola”. A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Ensino e Material Didático (LEMADI), do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo.

Ainda segundo Girotto, “esse atlas cumpre o papel que deveria ser cumprido pelo poder público, de prestar contas sobre a política educacional. Mas o governo substitui uma política, modifica radicalmente e não diz se a anterior teve algum efeito”.

Para analisar as políticas educacionais, os pesquisadores utilizaram os dados oficiais da Secretaria Estadual de Educação e perceberam que o governo estava fechando escola onde estava aumentando o número de matrículas, em áreas de alta especulação imobiliária. O processo excludente vinha acontecendo nos últimos 20 anos.

Desmistificando a realidade

‘Essa política educacional produz violência que tem cor, corpos e lugares específicos da cidade’, diz Girotto. Foto: Luciana Cardoso

Os dados do Programa de Educação Integral (PEI) também foram analisados. Se, a princípio, a proposta parece ideal, com alunos mais tempo na escola, professores com dedicação exclusiva e recebendo um aumento salarial de até 75%, uma análise cuidadosa mostra o contrário.

Para a estudante de geografia e uma das autoras do livro, Jaqueline Marinho, “o programa é vendido como oferta incrível, mas quando você chega na escola vê essas pessoas adoecendo. O professor vira um gerador de relatórios e o aluno gerador de provas. Apesar de ter dedicação exclusiva, os professores não têm estabilidade no cargo e sua continuidade depende diretamente dos resultados”.

Ao entrevistar diretores, Jaqueline relata que eles se orgulham de seus alunos ingressaram na universidade. Mas a grande maioria era aprovada instituições privadas. Em conversa com alunos, alegam desistir das escolas de tempo integral ainda no primeiro bimestre; outros chegam a ter problemas com alcoolismo diante da pressão por resultados.

Uma nova política educacional está em processo de construção em São Paulo, mas sem apostilas: os professores só foram avisados disso no início de 2019. “O governo estadual segue uma lógica de fazer política pública com baixo compromisso público. Em lugar um pouco mais sério a política seria anteriormente debatida com professores, sindicatos e universidade e não chegaria pronta. Na nossa avaliação, essa falta de debate e construção coletiva é um dos fracassos da implantação da política”.

Necropolítica educacional?

ATLAS DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO

Os pesquisadores usam um termo forte para se referirem à geopolítica da exclusão: necropolítica educacional, uma política perversa que exclui estudantes da escola. Quando se cruzam os dados de abandono escolar com o aumento do encarceramento juvenil e da morte de jovens, percebe-se que quem deveria estar na escola é justamente o excluído pela política educacional.

Para Girotto, o pior de tudo é que a rede estadual oferece duas escolas diferentes de forma intencional. “Não é uma falha da política, é a intenção da política produzir duas escolas para dois sujeitos diferentes. Essas escolas referências estão localizadas nas áreas mais bem localizadas da cidade de São Paulo, perto de metrô, museus e outros bens públicos, além de áreas com baixa vulnerabilidade social. Não se tem o vestibulinho, mas tem uma seleção subjetiva dos alunos”.

Para uma escola entrar no sistema PEI, turmas noturnas são obrigatoriamente fechadas. Observando a distribuição dessa escolas, pode-se ver o quão geograficamente estão distantes das áreas onde se concentram os analfabetos, a população preta e as áreas de maior vulnerabilidade social.

Parafraseando o geógrafo Milton Santos, ser mais ou menos cidadão depende de que ponto do território se está.