Com vai e volta do MEC, futuro da educação fica comprometido

Pesquisadores relatam cenário após congelamento de bolsas Capes

Rafael Scabin, estudante de doutorado na FFCLH, foi um dos afetados pela decisão de suspensão na concessão de bolsas da CAPES. Foto: Beatriz Gomes

Por Beatriz Gomes*

Glauco Machado, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ecologia no Instituto de Biociências (IB-USP)

O que é essa tal de “ociosa”? Porque no momento em que o governo diz que recolheu 4.798 mil bolsas “ociosas”, a impressão que dá é que não existia competição e tinha bolsa sobrando. Essa ideia de que não tem aluno para ocupar essas bolsas é absolutamente patética. Definitivamente, não existem bolsas em excesso. Essa “ociosidade”, em grande parte, está relacionada ao sistema de gerenciamento da Capes. O sistema abre nos primeiros 15 dias do mês para fazer alocação de bolsas e depois fecha.

Nós tentamos entrar em contato com as pessoas que iriam usufruir dessas bolsas para explicar o que estava acontecendo, mas sem nenhuma perspectiva sobre o que iria acontecer. Basicamente, a gente estava dizendo, “olha, não tem bolsa por enquanto. Seu sonho foi roubado. Agora, o que vai acontecer daqui para frente eu não sei dizer “.

Começamos a nos indagar quem estava acima de nós na burocracia. Para saber, por exemplo, se a pós-reitoria tinha alguma informação para nos dar. Tanto é que chegou uma mensagem do pró-reitor dizendo que eles estavam tentando entrar em contato com a Capes e nem mesmo eles tinham informações a respeito.

Eu, como coordenador do Departamento de Ecologia, não recebi nenhuma mensagem da reitoria falando sobre o acolhimento desses estudantes. Não existe sequer um levantamento da USP que informe quantos alunos estão nessa situação de desamparo. Uma coisa que está clara é que há muito pouco que possamos fazer por essas pessoas.

A pesquisa brasileira está atrelada às universidades e, dentro delas,  os pós-graduandos são a mola motriz da pesquisa. Se a gente diminui o número de alunos da pós-graduação ou não dá acesso à bolsas, o impacto que isso tem na produção científica nacional é  gigantesco. É muito difícil prever, mas a expectativa é a pior possível.

Juliana Doretto, pesquisadora da ECA-USP e contemplada com bolsa de pós-doutorado numa universidade privada

A minha universidade perguntou em que mês eu gostaria de começar a bolsa. Como esse processo seletivo foi no meio do semestre e eu estava desenvolvendo outros trabalhos porque eu tinha que comer. Aí eles disseram que eu poderia começar em agosto. Eu combinei com a CAPES que eu terminaria as coisas que eu estava fazendo e começaria no segundo semestre.

Quando a minha instituição recebeu o ofício entrou no sistema e viu que ela não existe mais. Mas eu tenho e-mail comprovando que eu enviei à CAPES o aviso de que eu começaria em agosto. Que arbitrariedade é essa que não considera o que foi informado anteriormente? Em resumo, a bolsa era minha, estava selecionada. O que acontece é que estava no período de transição entre o anúncio do resultado e o começo efetivo. E eles consideraram isso como uma vaga ociosa. Se a CAPES tivesse me dito que eu não poderia começar no segundo semestre, eu daria um jeito e começaria agora.

Com a notícia eu senti um baque. Mais do que pessoal, foi em relação ao futuro do país. A desolação, a raiva, a revolta, a indignação elas foram muito grandes. Porque é de uma arbitrariedade tamanha não só comigo mas com milhares de pesquisadores. E quem é mestrando que está no começo da sua carreira? Eu não sou a ponta mais prejudicada. Afetar pessoas a partir de algo que já era certo, garantido. Isso eu não imaginava. É algo pior do que eu poderia imaginar. Muito revoltante como essa medida foi colocada.

Hoje, com o atual cenário, a pesquisa está morrendo. O mercado só investe no que te interessa. Tem tipos de pesquisa que jamais será do interesse da iniciativa privada. Se você corta no financiamento, seja cortando os orçamentos das universidades federais, cortando as bolsas ou tirando a autonomia da universidade, você sufoca a pesquisa acadêmica. Os interesses do mercado não são, necessariamente, os interesses da sociedade. Eu vou trabalhar com coisas que me paguem as contas, o que é muito diferente do que eu poder desenvolver minha carreira acadêmica livremente.

Rafael Scabin, doutorando em Letras na área de língua e literatura italiana na FFLCH

Foi sem aviso nenhum, sem critério e transparência. Pegou todo mundo de surpresa. Foi uma bomba que caiu em cima da gente. Ainda tá tudo muito confuso. Nem a secretaria de pós-graduação sabe  o que esperar. As próprias mensagens que vem da Capes e do MEC muitas vezes são ambíguas. Tô tentando me informar se há algum meio legal de recorrer da decisão, mas não sei onde ir.

Estou no segundo ano do doutorado sem bolsa. Desde que entrei não havia  bolsas disponíveis e o edital abriu somente no final do ano passado. Prestei a bolsa de pesquisa e fiquei em primeiro na lista.  Eu sou professor, então, quanto mais tenho que trabalhar, menos tempo sobra para me dedicar à pesquisa. Se eu tiver que seguir sem essa bolsa, não poder ter a dedicação exclusiva que eu esperava a partir deste ano, vou ter que fazer cortes na pesquisa e, consequentemente, a qualidade vai despencar. Acho que a minha história exemplifica o que os cortes significam  para a pesquisa, pois a inviabiliza.

Lucas Damasio, estudante de nutrição e bolsista de iniciação científica

Faço iniciação científica na Faculdade de Medicina com bolsa CNPq e, na mesma semana que soube dos cortes, fui contemplado com uma bolsa de iniciação científica da FAPESP. Fiquei extremamente feliz por ter conseguido realizar um dos primeiros passos para meu sonho, mas fico extremamente angustiado por muitos alunos da graduação não conseguirem o mesmo, tal como os da pós-graduação que não conseguirão dar continuidade em meio a uma política onde a educação é inimiga.

É difícil pensar que meu sonho, que é de outras pessoas também, pode ter que ser abortado. Acho que é inevitável não repensar nosso futuro, mediante a tudo que vem ocorrendo no país. É frustrante ver que boa parte da população vê com bons olhos essas decisões que vêm sendo tomadas, como cheguei a ouvir que os pesquisadores no Brasil só trabalham nisso por dinheiro. Definitivamente, se tem um país que, pelo dinheiro, não é interessante fazer pesquisa, esse país é o Brasil.

Eu considero a bolsa como um auxílio, pois não paga o custo de vida de ninguém. Com a bolsa que ganho, R$ 400,00 reais mensais, consigo pagar meu transporte de Guarulhos para a  USP durante o mês. Ajuda muito, mas longe de enriquecer com isso. Faço uma autocrítica aos pesquisadores por entender que se a população apoia essas ideias é porque, muito provavelmente, não estamos levando nossos trabalhos para além dos muros das faculdades.

*Usamos somente falas dos pesquisadores e por isso não utilizamos aspas.

Arte: Larissa Vitória