Eu não torço para NENHUM time

Por Bruna Arimathea

Arte: Júlia Vieira

Na primeira vez que fui fazer entrevista para uma vaga de estágio em esportes, me deparei com uma sala cheia de homens. Não fiquei surpresa. Na avaliação, a pergunta direcionada a mim era sobre o time que eu torcia.

ㅡ Eu não torço para nenhum time.

Silêncio.

No país do futebol, crescer sem nenhuma referência futebolística é algo que acontece em uma a cada 1000 casas. A minha era uma.

Sem pai ou mãe apaixonados, sem time do coração, sem os jogos ligados nas tardes de domingo. Quer dizer, a TV até estava ligada, mas sem minha mãe na sala e o meu pai sempre dormindo. Não sei nem em que momento nem como eu me vi como uma pessoa que gostava daquilo. Acho que quando é pra ser, é.

Entre repórteres esbeltas na beira do campo e a minha não frequência na academia (sim, convenceram meu subconsciente inseguro de estudante que “só vai pra TV quem é magra”), sinto que é muito mais difícil assimilar qualquer coisa, como torcida, por exemplo. Sinto que cada “a” publicado no Twitter precisa ser milimetricamente correto e, quando me vi naquela primeira entrevista, eu não tinha essa confiança.

Quando cheguei em São Paulo, o mundo pareceu mais volumoso. Das experiências que pude experimentar – e que quis experimentar – uma me saltou os olhos e mexeu com um negócio estranho dentro de mim. No estádio de um bairro nobre, eu me encantei e pedi pra voltar. Uma, duas, várias vezes.

Minha punição não foi só ser mulher e ter descoberto que gostava de futebol. Foi ser mulher e ter descoberto muito depois de todas as pessoas do mundo. Ah, se eu tivesse sido criada para isso. Se o futebol não fosse só dos meninos na educação física… É bom ver que hoje essa dinâmica encontra força para ser diferente. Mas não foi assim que eu cresci.

E aí, abrir a minha boca pra falar se torço ou não torço me faz pensar no que eu vou encontrar. Saber de cor todos os números e fatos do passado. As conversas ao meu redor fluem de uma forma que eu nem entendo como a memória consegue captar e guardar tanta informação. E eu tentei, mas a minha parece não funcionar igual a deles.

Hoje eu enxergo um espaço que não existia antes. Graças a mulheres maravilhosas que abriram caminho e que, dia sim e outro também, recebem desde olhares tortos até palavrões e outras manifestações insultuosas da arquibancada. É muito difícil não pensar que seria diferente se eu fosse um homem.

Porque parece tão intimidador?

Ainda não sei se vou ser magra, se vou para a TV, se vou ter qualquer relação com futebol na minha vida de trabalho, mas sei que muita coisa poderia ser diferente desde o começo. Não consigo não me culpar por não encarar esse mundo de frente, mas não sei se sei me proteger do ambiente machista que existe. E sim, ele é extremamente desafiador. Só uma mulher pode dizer.

Por isso, que a minha resposta, amigos, está na ponta da língua. Por mais que eu assista os jogos, fique brava e queira demitir o elenco inteiro. Por mais que eu esteja morrendo de vontade de voltar naquele estádio. Hoje eu não torço para nenhum time.