Luta política está nas ruas do país

As duas manifestações de maio foram os momentos mais importantes da política recente; JC cobre evento pró-Bolsonaro e analistas convidados discutem mobilização

Após chamar de “idiotas úteis” e “massa de manobra” os manifestantes do dia 15 (foto), Bolsonaro descreveu o dia 26 como “manifestações espontâneas”. Foto: João Paulo Falcão

Por Bruna Caetano

No último dia 26, a manifestação em defesa do governo de Jair Bolsonaro, motivada pelos atos do dia 15 de maio contra os cortes na educação, ocorreu em 156 cidades, segundo levantamento do G1. A mobilização foi menor do que a dos estudantes, registrada em 222 cidades.

Em menos de duas semanas, o país colocou nas ruas duas multidões que, entre outras interpretações possíveis, alimentam a radicalização política em meio a um gravíssimo retrocesso econômico.

Em 15 de maio, dos Estados Unidos, Bolsonaro classificou os manifestantes como  “massa de manobra”, uns “idiotas úteis, imbecis”, a mesma acusação que poderia ser feita, e foi, a quem compareceu às ruas dia em 26 de maio.

Para Graziella Guiotti Testa Bruce, doutora em ciência política e professora do Instituto Brasiliense de Direito Público, o governo atual tem um problema muito sério de governabilidade. “O presidente construía o governo com os partidos que o apoiavam no executivo. Ele distribuía as pastas ministeriais, principalmente para esses partidos, e eles se comprometiam a abraçar a agenda do governo, se colocando como governo também, quase um bipartidarismo. Do meu ponto de vista, isso não é repreensível moralmente

O JC esteve na Avenida Paulista, onde Jackson Oliveira, 48, compareceu para “dar força para o governo e mostrar para os deputados que quem manda no Brasil são os brasileiros, e não os políticos”. Para ele, Bolsonaro vai contra o sistema corrupto por “não se vender”.

Maria da Conceição, 80, avalia que o governo está ótimo porque “pelo menos não é ladrão”, e apoia os cortes na educação: “A hora que o Brasil melhorar, volta. Do jeito que o Brasil está endividado, não tem condições de governar.”

Mas qual o significado do que aconteceu no domingo, 26 de maio? Na tentativa de apresentar múltiplas visões da passeata bolsonarista, o JC convidou uma linguista, um psicanalista e dois cientistas políticos, a partir de suas áreas, os aspectos mais relevantes das mobilizações.

Foto: Bruna Caetano

“A postura é de eliminação dos pensamentos divergentes”

“Causa incômodo o discurso que, ao invés de ser de crítico a outros movimentos de pensamento político, a postura é de eliminação dos pensamentos divergentes. Viver em sociedade é justamente conviver com o diverso, é ver diante de si a pluralidade de ideias e de vivências.

A busca (de alguns grupos de indivíduos) pelo fim de um conjunto de ideias ou de parte da história, porque ela contradiz ou contraria o que aquele grupo compreende e entende como mundo possível, é um atentado ao processo democrático. O que é de um país sem sua história, sem a pluralidade de ideias e discursos? O que pode se tornar um país em que parte dos cidadão defende a ideia única e exclusiva, produzida e reproduzida pelo presidente e sua equipe? Quão críticos poderemos nos tornar quando apenas uma fala pode ser reconhecida como a tal “verdade”?

As manifestações são expressão legítima de uma democracia, mas o uso dessa expressão por parte dos participantes para demandar o fim de um conjunto de ideias me parece um caminho equivocado – e autoritário. Que se posicionem mas que, ao mesmo tempo, reconheçam que há outras ideias que coexistirão com as suas.”

Jana Viscardi, doutora em linguística pela Unicamp e produtora de conteúdo

Foto: Bruna Caetano

“Enunciação consolatória e sem a veemência”

“As manifestações de 26 de maio acusaram a reversão do discurso antipetista em nacionalismo afirmativo. Elas representam o tamanho mais exato do bolsonarismo, cujo correlato, na maior parte do mundo, não passa de 20% da população.

Destaca-se a súbita subtração da pauta anti-corrupção, talvez um efeito de escândalos sucessivos envolvendo Queiroz, os filhos do presidente e os candidatos “laranjas” do PSL. A defesa de reformas, da previdência, administrativa, do Supremo Tribunal Federal e das leis de repressão ao crime, aparece sob enunciação consolatória e sem a veemência que caracterizou os apoiadores do presidente, durante a campanha eleitoral. O declínio do ânimo e a rarefação dos participantes é compatível com a gradual perda de prestígio e decepção que cerca os primeiros meses de governo.”

Christian Dunker, psicanalista e professor da USP

 

“Manifestação não foi sucesso, mas também não foi pífia”

“O primeiro ponto que me chama atenção é que a ideia inicial era partir para um ataque contra o Congresso Nacional, o “centrão”, Rodrigo Maia, a chamada velha política, e, em um outro ponto, ao Supremo Tribunal Federal. O governo entendeu que isso poderia esgarçar ainda mais o tecido institucional e democrático.

Outro ponto que me chamou atenção é que a manifestação não foi um sucesso como o governo e os bolsonaristas queriam, mas também não foi pífia como os adversários gostariam. Nesse sentido, o saldo final para o governo é positivo. Ele ganha capital político. A grande pergunta é: o que ele vai fazer com esse capital político? É um ganho em um momento difícil para o governo.

As manifestações são legítimas. Sendo favoráveis ou contrárias à qualquer governo, dentro da legalidade e sem violência, são legítimas. Agora, a pergunta é: o governo vai, com esse capital político, propor uma agenda positiva e negociação e diálogo, ou vai insistir em um enfrentamento constante?

Por um outro lado, aqueles que de alguma maneira, evidente ou latente, foram atacados, vão aceitar esse ataque e, fragilizados, vão acatar o tratamento dispensado pelo presidente Bolsonaro? Vão sair para uma noção intermediária de uma agenda pautada em pontos comuns e vão partir para o momento de governabilidade melhor? Ou, no outro polo, vão atacar o governo e a governabilidade, que já é bastante fraca? Isso está em aberto.

Esse filme está se desenrolando, e ao longo dessa semana vamos ter decantadas as posições favoráveis e contrárias ao governo, e especialmente ver como esses atores políticos, senadores e deputados, entendem esse processo e como vão se posicionar publicamente sobre isso.”

Rodrigo Prando, cientista político e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Foto: Jonas Santana

“Convocação foi uma falha de avaliação do cenário”

O governo não está conseguindo ter habilidade de construir a coalizão para aprovar sua agenda. Somado à isso, têm uma queda vertiginosa na popularidade, em comparação especialmente às eleições, muito mais rápido do que esperado para esse momento que a gente costuma chamar de “lua de mel”. É no primeiro ano de mandato que os presidentes tendem a conseguir aprovar as pautas mais controversas e difíceis, porque é quando têm mais apoio. Acabou muito rápido esse período do Bolsonaro. A convocação das manifestações teve muito a ver com isso.

As manifestações foram muito mais diversas, porque a convocação é uma, mas quem convoca não tem total ingerência sobre o que vai acontecer e sobre o que vai ser pedido. Sempre tem momentos que, para qualquer cientista político, são altamente assustadores, como os pedidos de fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal. Isso leva a pensar que os culpados pela ausência de governabilidade e dificuldade de articulação são as instituições corrompidas, e não um erro de cálculo e uma conjuntura ruim.

Bolsonaro passa a perder o apoio do Congresso justamente quando ele começa a cair nas pesquisas de opinião, então acho que a convocação das manifestações foi uma tentativa de retomar o apoio para ver se fazia uma via inversa, da população para o parlamento, para voltar a conseguir governabilidade. Acho que é uma falha de avaliação do cenário. A principal expectativa é como ele vai tentar construir a governabilidade daqui em diante, e o quanto isso vai impactar nessa formação de agenda reformista atual que é tão cara para o governo, e na avaliação de muitos, tão importante.

Graziella Guiotti Testa Bruce, doutora em ciência política pela  USP, professora do Instituto Brasiliense de Direito Público

Foto: Jonas Santana