Renda extra: “a gente tem que fazer de tudo”

Funcionário revende doces na Universidade para pagar as contas da família

Por Beatriz Gomes

“A impressão que eu tenho aqui é que os alunos têm uma boa recepção sobre a questão da venda. Eles sabem que hoje em dia não está fácil. Cada um se vira da melhor forma possível”. Foto: Beatriz Gomes

Chego na USP e observo um senhor sorridente e carismático, arrumando uma estrutura de metal onde, logo em seguida, coloca uma lona e começa a organizar delicadamente a disposição de algumas caixinhas.

Aproximo-me, curiosa para saber o que contém dentro daqueles espaços enfeitados e postos em cima daquela lona. São trufas, pães de mel e tortinhas de mousse de maracujá e limão. Fico em dúvida do que pedir — afinal, são muitas opções a preços tentadores. “É 1 por três reais e dois por cinco”, diz o senhor simpático.

Não sei muito bem o que esperar, mas compro minha tortinha de maracujá e fico ali conversando com ele. Pergunto há quanto tempo está ali: “desde 2014”, mas com idas e vindas, pondera. Voltou com mais força neste início de 2019 porque “as coisas apertaram em casa”.

Emprego como motorista

Funcionário da USP há 22 anos, ele conta que começou a trabalhar na Universidade como motorista do Hospital Universitário (HU). Depois de anos na função decidiu, em 2016, pedir transferência. Segundo ele, naquele momento havia muitas demissões ocorrendo e, com o medo de ser mais um, decidiu pedir transferência para outro instituto e mudar de área.

Desde 2016, ele trabalha na área administrativa em um dos institutos da USP. A mudança foi mais difícil do que ele esperava, havia novas tarefas, diferentes das que executava. Mas não foi apenas a nova função que mudou, o salário era bem menor: “Foi uma mudança com uma parte boa e outra ruim, em termos econômicos né?! Com a transferência eu perdi benefícios que eu não esperava perder”.

O jeito foi se adaptar à nova realidade. “Vender doces é um ganho extra. Como o meu salário não aumenta mais há cinco anos, eu falei: preciso fazer alguma coisa. Ficar reclamando e chorando pelas paredes não vai resolver nada”.

Sua esposa, que faz bicos, sem carteira assinada e esporadicamente, começou a fazer cursos de confeitaria e a produzir diversos tipos de doces para revender. O esposo viu uma oportunidade de ajudar a esposa nessa tarefas.

Doce jornada extra

Todas as noites, quando chega do trabalho, o funcionário da USP ajuda a embalar os doces feitos pela esposa durante o dia. São laços e colheres, colocados com muito carinho e delicadeza. A dupla jornada não apaga o sorriso simpático do vendedor.

Algumas tardes, enquanto o pai trabalha na Universidade, sua filha, também desempregada, vende doces na USP. Com o interesse dos alunos em comprar os produtos, ele conta que acabou adquirindo uma máquina de cartão, o que ajudou no aumento das vendas.

Entre outros planos, ele explica que sua esposa irá concluir um curso de confeitaria em maio deste ano e depois dará início aos cursos de salgados, buscando novos públicos. “Eu procuro sempre fazer alguma coisa diferente para atrair os clientes, além do preço atrativo. Hoje em dia, na vida, a gente tem que fazer de tudo”, conclui.