USP é alvo de CPI das Universidades

Entidades representativas temem perseguição ideológica; presidente da comissão garante ser questão de transparência

Por Laura Barrio

À sua maneira, São Paulo contribui com o momento em que a Educação ocupa o centro da agenda de debates no Brasil. As universidades estaduais paulistas USP, Unesp e Unicamp são alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada em 24 de abril na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). O objeto da CPI, conforme consta no Diário Oficial, é “investigar irregularidades na gestão das universidades públicas”.

Para o deputado Wellington Moura (PRB), autor da proposta e presidente da CPI, há inúmeros indícios de gastos indevidos nas contas dessas instituições. Ao JC, o vice-líder da bancada do governo disse que o alerta sobre as supostas irregularidades partiu da “grande imprensa”, de relatórios do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e de acusações do Ministério Público referentes ao pagamento de supersalários a alguns servidores. Em relação à pertinência da investigação, a deputada Beth Sahão (PT) lembra que as contas das universidades são periodicamente auditadas pelo TCE e pela própria Alesp.

Em nota, o Fórum das Seis, que reúne as associações de docentes e os sindicatos de trabalhadores das três estaduais, afirmou ser “estranha a ausência de motivo relevante e explícito que possa ser investigado”, e que “o requerimento de abertura da CPI não deixa clara suas intenções”. Avaliação semelhante faz Beth Sahão, para quem o projeto apresenta “objeto vago”, e, portanto, não preenche os requisitos previstos na Constituição estadual e no regimento da Alesp. A deputada ajuizou mandado de segurança no Tribunal de Justiça contra a abertura da CPI. O pedido foi negado.

Segundo Daniel Freitas, coordenador do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, os deputados “alegam má gestão financeira, baseando-se apenas no gasto acima da folha de pagamentos, sem levar em consideração a falta de reajuste do repasse do ICMS”, que seria uma das reais causas da crise de financiamento que assola as universidades. O estudante de História acrescenta que, na avaliação do DCE, a CPI “possui uma ‘máscara’ de fiscalização de gestão, para poder agir nos meandros e ferir a autonomia universitária”.

Ao JC, Wellington Moura apontou que, reiteradas vezes, o TCE determinou em seus relatórios que os reitores não pagassem salários acima do teto a servidores, mas que as determinações não têm sido acatadas. O deputado diz que, como o tribunal é um órgão fiscalizador, sua ingerência nas universidades não caracteriza violação à autonomia financeira universitária.

Moura ainda afirmou que as estaduais paulistas não têm feito prestação de contas, o que seria crime de responsabilidade fiscal. O presidente da CPI argumentou que os reitores são obrigados a encaminhar relatórios sobre os gastos públicos à Comissão de Fiscalização e Controle da Alesp, até 30 dias antes da assembleia geral ordinária o que não estaria acontecendo há anos. Mas a norma a que o deputado se referia, a lei 4.595 de 1985, versa sobre “empresas estatais”, sem nenhuma referência às universidades no texto legal.

Foto: Carol Jacob e Marco Antonio Cardelino / Alesp

Controle de gastos ou de pensamentos?

Grande parte das críticas à CPI parte do entendimento de que existiriam outras intenções por trás da motivação oficial. Declarações do próprio Wellington Moura legitimariam a preocupação. A um jornalista do O Estado de S. Paulo, o deputado declarou sobre a CPI: “Vamos analisar como as questões ideológicas estão implicando no orçamento”. Já ao JC, Moura disse que estava apenas expressando sua opinião de que há um “aparelhamento de esquerda” nas universidades, mas que isso não determinará os rumos da CPI.

Como exemplo da influência da questão ideológica nas contas da universidade, o deputado Douglas Garcia (PSL) citou, durante reunião da CPI, um curso chamado Como combater o fascismo?, divulgado com uma foto de lideranças políticas, dentre as quais estava o presidente Jair Bolsonaro. Já Moura lembrou um evento realizado na Faculdade de Medicina da USP, denominado Oficina de Siririca, que discutiu a sexualidade feminina. No entanto, ambas as atividades citadas foram iniciativas de estudantes, não vinculadas à instituição e, portanto, não demandaram dinheiro público.

Discussões sobre a cobrança de mensalidade nas universidades públicas durante as sessões da CPI também preocupam. Moura reconhece que o deputado Daniel José (NOVO), enfático defensor da bandeira, deve levar a proposta à Alesp. Mas o parlamentar não vê problema na proposta, que seria levada à votação. Beth Sahão acredita ser essa a motivação final da CPI: “Primeiro promove a desvalorização das universidades e dos servidores públicos, sucateia as instituições. Depois traz como solução a privatização das universidades”.   

Segundo o coordenador do DCE, as recentes movimentações envolvendo a Educação, nos âmbitos federal e estadual, vêm no sentido de “esvaziar a universidade do livre pensar, do livre pesquisar e do livre saber”. E acrescenta: “As universidades se propõem a aprofundar a produção científica a partir do debate, da possibilidade de encontrar novas maneiras de ler e interpretar o mundo com o convívio entre os diferentes”, o que, segundo ele, “vai de encontro com a intolerância e a violência representada por esses governos”.

Motivado pela instauração da CPI, se formou na Alesp uma Frente Parlamentar em Defesa das Instituições Públicas de Ensino, Pesquisa e Extensão. A iniciativa partiu do mandato de Beth Sahão e conta com o apoio do Fórum das Seis e organizações estudantis. Segundo a parlamentar, o momento exige “mobilização em defesa da autonomia universitária e combate ao discurso que coloca as universidades como inimigas”.  

Mas Wellington Moura garante que a CPI não é um ataque às estaduais: “Queremos apenas um esclarecimento diante das acusações. Não há o que temer”. O Fórum das Seis, apesar de desconfiar que esse seja “mais um capítulo da onda de perseguição à universidade pública e gratuita”, acredita que a CPI pode ser uma oportunidade de “expor ao Parlamento e à população paulista a crise de financiamento das Universidades Estaduais Paulistas este sim um problema real”.