Oito anos limpando o chão da USP, sob os mandos das prestadoras de serviço

Ex-funcionária conta sua trajetória; cenário de sobrecarga perdura

Por Camila Mazzzotto

Movimentos repetitivos no trabalho fizeram Silvana desenvolver a Síndrome do túnel do carpo que, entre os sintomas, provoca dormência e formigamento nas mãos. | Foto: Luciana Cardoso

No começo de 2005, sem aviso prévio, trabalhadores terceirizados de limpeza da USP viram-se sem luvas de proteção e sem salário. A empresa Dima, uma das prestadoras de serviços da instituição à época, decretava falência. “Imaginem que estamos em um barco e ele furou. Se vocês não pegarem uma caneca e tirarem a água desse barco, vamos todos afundar”, dizia Adolpho José Melfi, então reitor, em reunião com os funcionários.

Quem lembra do discurso é Silvana, terceirizada há 24 anos: “Era como se ele dissesse que, independente de não estarmos recebendo da empresa, a gente devia continuar limpando, sempre com a justificativa de que as coisas iriam melhorar”.

As trabalhadoras ocuparam o prédio da Reitoria. Como contratante, a USP é co-responsável pelos direitos trabalhistas dos terceirizados. Silvana liderou o movimento, que se arrastou em esquema de revezamento entre os participantes por, pelo menos, três dias. “Nunca tive papas na língua pra denunciar o que estava errado”, conta.

A situação se repetiria em 2011, com a prestadora de serviços União; e em 2016, com a Higilimp. Silvana viveu duas vezes o drama da falência das empresas. Querendo passar a funcionária USP, prestou três concursos públicos – em um, passou pela fase teórica, mas reprovou na entrevista.

Atualmente, todo o serviço de limpeza da USP é terceirizado – há apenas cinco funcionárias diretas que ainda não se aposentaram, na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE).

Sindicato e sobrecarga

O Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) questiona a não contratação de terceirizados. Apesar de não ser representante oficial da categoria, reivindica a admissão direta pela Universidade. “Terceirizados que estão há anos aqui, mostram que têm capacidade para as funções que assumem. Não admiti-los é uma falha”, defende Magno de Carvalho, membro da diretoria da organização.

O JC conversou com mais de dez funcionários de limpeza de diferentes institutos da USP e constatou cenários de sobrecarga de trabalho. Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), duas funcionárias são responsáveis pela higienização de pelo menos 75 vasos sanitários pela manhã e, à tarde, apenas uma. Hoje, o instituto conta com 11 funcionários da limpeza. Cerca de três anos atrás, eles eram em 20. “Eu nem sei mais o que é coluna”, disse uma delas.

Na Faculdade de Educação (FE), a limpeza dos prédios da Biblioteca, dos blocos A e B e da Escola de Aplicação, é responsabilidade de apenas 10 terceirizados. Segundo a responsável pelo setor de Serviços Gerais, antes da redução da contratação de funcionários – intensificada pela Universidade nos últimos anos – eram 35.

Procurada no dia 06 de junho para discutir a possibilidade de contratação de terceirizados e as condições de trabalho da categoria na Universidade, a Reitoria, até o fim desta edição, não havia se manifestado.

Silvana saiu da USP em 2011, passou a trabalhar em uma loja de roupas e, hoje, é faxineira terceirizada num prédio. Do que viveu na instituição, só sente falta do apoio que tinha do Sintusp e de estudantes. “Em outros lugares, não tem ninguém pra defender  a gente, ninguém se une pra lutar contras as injustiças”.

Especial Edição 500

Funcionários terceirizados de limpeza da USP estão sobrecarregados

Por Camila Mazzotto

Atraso de salários, irregularidades no pagamento de benefícios, falta de proteção e produtos de limpeza, contratação de empresas-fantasmas, alto número de transferências entre institutos, assédio moral, falta de reconhecimento, rotina árdua de 1984 para cá, não houve matéria do Jornal do Campus que tratasse dos funcionários de limpeza da USP sem que apresentasse denúncias sobre as condições de trabalho.

JC 64 – Abril/1989

Na matéria reproduzida neste box, de 1989, o JC noticiou uma reivindicação que reuniu funcionárias terceirizadas da limpeza em frente à Reitoria: elas queriam a incorporação da categoria pela USP. “Elas formam um contingente de trabalhadores servidores do Campus que não compartilham dos mesmos direitos de seus colegas, que prestam serviço semelhante e são funcionários da USP”, afirmava a reportagem.

Do então chefe do gabinete do reitor, veio a resposta: se contratadas, as trabalhadoras custariam três vezes mais. JC debateu a legitimidade desse argumento em 2009, frente à expansão dos contratos de terceirização na Cidade Universitária. “A redução de custo do trabalho para a administração é imoral, pois o custo é reduzido a partir do sacrifício dos direitos daquele que prestam o serviço”, dizia o especialista consultado, da Faculdade de Direito da USP.

Alice, funcionária da limpeza entrevistada em 89, convidava as companheiras à luta “Eu estou lutando muito e acho que todo mundo devia lutar junto”. Nesta edição, retomamos a pauta a partir da história de uma trabalhadora terceirizada da limpeza que atuou na USP por oito anos, liderou greves da categoria e, pela primeira vez, aparece nas páginas deste jornal.